Esse pai nasceu “em alguma época entre 120 d.C. e 140 d.C.” Ele era “bispo de Lyon na França durante os últimos 25 anos do segundo século”, sendo ordenado a esse ofício “provavelmente por volta de 177 d.C.”. Sua obra Against Heresies [Contra as Heresias] foi escrita “entre 182 d.C. e 188 d.C.”. Os escritores que defendiam o primeiro dia afirmam que Irineu “diz que o dia do Senhor era o sábado cristão”. Eles professam citar dele as seguintes palavras: “No dia do Senhor, cada um de nós cristãos guarda o sábado, meditando na lei e regozijando-se nas obras de Deus”. SDS 49.1
Tais palavras não são encontradas em nenhum dos escritos desse pai. Citaremos todo seu testemunho a respeito do sábado e do primeiro dia, e o leitor pode decidir. Ele fala sobre a guarda do sábado por Cristo, e mostra que Ele não transgrediu esse dia. Ele diz o seguinte: SDS 49.2
Portanto, está claro que Ele libertou e vivificou os que como Abraão creem Nele, não fazendo nada contrário à lei, quando curou no dia de sábado. Pois a lei não proibia as pessoas de serem curados nos sábados; [ao contrário], ela que os fazia circuncidar nesse dia, e ordenava que os sacerdotes ministrassem em favor do povo; sim, ela não impedia a cura nem mesmo de animais irracionais. Tanto junto ao tanque de Siloé quanto em outras frequentes ocasiões Ele curou no sábado; motivo pelo qual muitos costumavam recorrer a Ele nos dias de sábado. Pois a lei ordenava que se abstivessem de toda obra servil, isto é, de qualquer ganância pela riqueza, que é obtida pelo comércio e por outros negócios mundanos; mas ela os exortava a cumprir as obras da alma, que consistem em reflexão, e atos de bondade em benefício do próximo. Por isso o Senhor reprovou aqueles que injustamente O culparam por ter curado nos dias de sábado. Pois Ele não anulou a lei, mas, antes, a cumpriu, desempenhando o ofício do sumo sacerdote, outorgando Deus aos homens, purificando os leprosos, curando os doentes, e Ele próprio sofrendo a morte, para que o homem desterrado pudesse se livrar da condenação, e voltasse sem temor, à sua herança. Novamente, a lei não proibia aos famintos no dia de sábado de tomar alimento daquilo que lhes estivesse à mão; mas proibia ceifar e armazenar nos celeiros. — Against Heresies [Contra as Heresias], livro 4, cap. 8, seç. 2 e 3. SDS 49.3
O caso dos sacerdotes no sábado, ele apresenta da seguinte maneira: SDS 50.1
E os sacerdotes no templo profanavam o sábado, e ficavam sem culpa. Por que, então, eles ficavam sem culpa? Porque, no templo, eles não estavam engajados em assuntos seculares, mas no serviço do Senhor, cumprindo a lei, não a infringindo, como fez aquele homem que, segundo sua própria vontade, carregou lenha para o acampamento de Deus, e foi apedrejado justamente. — livro 4, cap. 8, seç. 3. SDS 50.2
Acerca da necessidade de guardar os dez mandamentos, ele fala o seguinte: SDS 50.3
Agora, que a lei de antemão ensinava à humanidade a necessidade de seguir a Cristo, Ele próprio tornou manifesto, quando respondeu àquele que perguntou o que deveria fazer para herdar a vida eterna: “Se quiseres, porém, entrar na vida, guarda os mandamentos”. E à sua pergunta: “Quais?” o Senhor respondeu: “Não matarás, não adulterarás, não furtarás, não dirás falso testemunho; honra a teu pai e a tua mãe e amarás o teu próximo como a ti mesmo.” – estabelecendo, diante daqueles que desejavam segui-Lo, os preceitos da lei em degraus ascendentes para entrar na vida; e o que Ele disse então a um, ele disse a todos. Mas quando o primeiro disse: “Tudo isso tenho observado” (é mais provável que ele não os guardava, pois nesse caso o Senhor não lhe teria dito: “Guarde os mandamentos”), o Senhor, expondo sua cobiça, disse-lhe: “Se queres ser perfeito, vai, vende tudo o que tens, distribui-o aos pobres; depois, vem e segue-me”, prometendo àqueles que agissem assim a mesma porção dos apóstolos.... Ele ensinava a obedecer aos mandamentos ordenados por Deus desde o princípio, e livrar-se de sua antiga cobiça por meio das boas obras, e seguir a Cristo. — Livro 4, cap. 12, seç. 5. SDS 50.4
Irineu certamente ensina uma doutrina muito diferente da de Justino Mártir acerca dos mandamentos. Ele acreditava que os homens devem guardar os mandamentos a fim de entrar na vida eterna. Ele diz mais: SDS 51.1
E [nós devemos] não somente nos abster dos maus atos, mas até dos desejos de cometê-los. Agora, Ele não nos ensinava essas coisas como contrárias à lei, e sim como cumprindo a lei, e implantando em nós as várias justiças dela. Teria sido contrário a lei, se Ele tivesse ordenado aos Seus discípulos fazer qualquer coisa que a lei proibisse. — Livro 4, cap. 13, seç. 1. SDS 51.2
Ele também faz da observância do decálogo o teste de verdadeira piedade. Ele diz o seguinte: SDS 51.3
Eles (os judeus) tinham, portanto, uma lei, uma norma de disciplina e profecia das coisas futuras. Pois Deus, admoestando-os primeiramente com preceitos naturais, os quais desde o princípio Ele implantou na humanidade, isto é, por meio do decálogo (o qual, se alguém não observa, não tem a salvação), não exigiu mais nada deles. — Livro 4, cap. 15, seç. 1. SDS 51.4
Os preceitos do decálogo, ele corretamente chama de “preceitos naturais”, isto é, preceitos que constituem “a obra da lei”, escrita por natureza nos corações de todos os seres humanos, mas desfigurada pela presença da mente carnal ou da lei do pecado nos membros. Que essa lei de Deus pertence igualmente aos judeus e aos gentios, ele confirma da seguinte maneira: SDS 51.5
Visto que todos os preceitos naturais são comuns a nós e a eles (os judeus), neles tiveram, de fato, o princípio e a origem; mas em nós eles recebem o crescimento e o acabamento. — Livro 4, cap. 13, seç. 4. SDS 52.1
É certo que Irineu defendia que o decálogo é hoje uma obrigação para todos os seres humanos; pois ele menciona isso na citação acima: “o qual, se alguém não observa, não tem a salvação”. Mas, apesar de ser inconsistente com sua declaração a respeito do decálogo como a lei da natureza, ele coloca o sábado na mesma classe da circuncisão, ao falar dela como um sinal entre Deus e Israel, e diz o seguinte: “Os sábados ensinavam que nós devíamos perseverar, dia a dia, no serviço de Deus”. “Além disso, o sábado de Deus, isto é, o reino, foi, por assim dizer, indicado pelas coisas criadas; [reino] no qual o homem que houver perseverado em servir a Deus repousará e tomará parte à mesa de Deus”. Ele também fala de Abraão “sem observância de sábados”. Livro 4, cap. 16, seç. 1 e 2. Mas no mesmo capítulo, ele assegura novamente a perpetuidade e autoridade do decálogo com as seguintes palavras: SDS 52.2
Preparando os homens para essa vida, o Senhor proclamou, por Si mesmo, as palavras do decálogo a todos sem distinção; por isso, da mesma forma, elas permanecem para sempre conosco, recebendo, por Sua vinda na carne, extensão e crescimento, e não anulação. — Seç. 4. SDS 52.3
Essa declaração estabelece a autoridade de cada um dos dez mandamentos na dispensação do evangelho. No entanto, Irineu parece ter considerado o quarto mandamento apenas como um preceito simbólico, e não uma obrigação perpétua como os demais. SDS 52.4
Irineu considerava o sábado como algo que apontava para o reino de Deus. Todavia, ao formular essa doutrina, ele realmente indica a origem do sábado na criação, embora, como já vimos, afirme em outros lugares que o sábado não foi guardado por Abraão. Assim, ao falar sobre a recompensa que será dada aos justos, ele diz: SDS 52.5
Isto deve [acontecer] nos tempos do reino, isto é, no sétimo dia, que foi santificado, no qual Deus descansou de toda a obra que tinha criado, o verdadeiro sábado dos justos, no qual não devem se engajar em nenhuma ocupação terrena; mas que estarão diante da mesa preparada para eles por Deus, que os suprirá com todos os tipos de alimentos. — Livro 5, cap. 33, seç. 2. SDS 53.1
E em outro lugar ele diz o seguinte: SDS 53.2
Esse mundo deverá ser extinto em tantos milênios quanto o número de dias em que ele foi criado... Pois o dia do Senhor é como mil anos, e em seis dias as coisas criadas foram terminadas; é evidente, portanto, que elas terão seu fim no sexto milênio. — Livro 5, cap. 28, seç. 3. SDS 53.3
Embora os escritores que defendiam o primeiro dia façam com que Irineu dê um testemunho bem explícito de que o domingo é o sábado cristão, o seguinte fragmento, que constitui o sétimo fragmento do que é chamado “Os Escritos Perdidos de Irineu”, é o único exemplo que encontrei, numa pesquisa cuidadosa em todos os seus escritos, no qual ele menciona o primeiro dia. Aqui está o testemunho completo desse pai acerca do primeiro dia: SDS 53.4
Esse [costume] de não dobrar os joelhos no domingo, é um símbolo da ressurreição, pela qual fomos libertos, pela graça de Cristo, dos pecados e da morte, que foi condenado à morte por intermédio Dele. Agora, esse costume teve sua origem nos tempos apostólicos, quando o santo Irineu, o mártir e bispo de Lyon, declara em seu tratado On Easter [Acerca da Páscoa], no qual ele também faz menção do Pentecostes: [festa] na qual não dobramos os joelhos, porque ela é tão importante quanto o dia do Senhor, pela mesma razão já apresentada a esse respeito. SDS 53.5
Isso é algo muito impressionante. No final das contas, não foi isso o que Irineu disse, mas foi isso que um escritor desconhecido, em uma obra intitulada Quoes et Resp. ad Othod., disse acerca dele. E tudo o que esse escritor diz sobre Irineu é que ele declara que o costume de não se ajoelhar no domingo “teve sua origem nos tempos apostólicos”! Nem mesmo parece que Irineu sequer tenha usado o termo “dia do Senhor” como um título para o primeiro dia da semana. Seu uso na presente citação, é feito pelo escritor desconhecido a quem devemos a declaração aqui apresentada a respeito de Irineu. E esse escritor, seja quem for, é da opinião de que o Pentecostes é de igual importância ao chamado dia do Senhor! E ele pode bem pensar assim, uma vez que ambas as festas católicas foram estabelecidas apenas pela autoridade da igreja. O testemunho de Irineu a favor do domingo, portanto, é simplesmente o seguinte: Que a ressurreição deve ser celebrada “não dobrando os joelhos no domingo”! SDS 53.6
O quinquagésimo fragmento da obra Lost Writings of Irenaeus [Escritos Perdidos de Irineu] deriva da Nitrian Collection of Syriac MSS [Coleção Nitriana de MSS Siríacos] e aborda a ressurreição dos mortos. Numa nota anexa a ele, o editor siríaco menciona que Irineu “escreveu a um alexandrino afirmando que é correto, em relação à festa da ressurreição, que nós a celebremos no primeiro dia da semana”. Nenhum escrito remanescente de Irineu contém esta declaração, mas é provável que o editor siríaco possuísse alguma porção de suas obras que foi perdida. E aqui, novamente, é digno de nota que temos de Irineu somente o simples termo “primeiro dia da semana”. Quanto à maneira de celebrá-lo, a única coisa que ele apresenta é “não dobrar os joelhos no domingo”. SDS 54.1
No trigésimo oitavo fragmento de seus “Escritos Perdidos”, ele cita Colossenses 2:16, mas se foi com referência ao sétimo dia, ou meramente em relação aos sábados cerimoniais, seus comentários não determinam. Cada declaração de Irineu que fala sobre o sábado e o domingo foram aqui apresentadas. Está claro que os defensores da santidade do primeiro dia fizeram Irineu testificar a esse favor para beneficiar a si mesmos. Ele faz alusão ao primeiro dia da semana uma ou duas vezes, mas nunca utiliza para eles o título “dia do Senhor” ou “sábado cristão”, e a única coisa que ele menciona, ao tratar da celebração dessa festa, é que os cristãos não deveriam ajoelhar-se para orar nesse dia! Os escritores do primeiro dia dizem que Irineu apresenta um testemunho explícito de que o domingo é o dia do Senhor e o sábado cristão! E para acrescentar um grande peso a essa alegação, eles dizem que ele era o discípulo de Policarpo, que era o discípulo de João; e enquanto João fala do dia do Senhor, Irineu, que devia saber o que ele quis dizer com esse termo, diz que o dia do Senhor é o primeiro dia da semana! Mas Policarpo, em sua epístola, nem sequer menciona o primeiro dia da semana, e Irineu, em seus extensos escritos, menciona-o apenas duas vezes — e isso nos “fragmentos perdidos” preservados por segunda mão, e em nenhum caso ele utiliza nada além do simples “primeiro dia da semana”. E a única honra que ele menciona como sendo devida a esse dia é que nele os joelhos não deviam ser dobrados! E isso nem mesmo era dito de todos os domingos do ano, mas apenas do “Domingo de Páscoa”, o aniversário da ressurreição de Cristo! SDS 54.2
Poderíamos aqui descartar o caso de Irineu. Mas os nossos amigos defensores do primeiro dia estão determinados a, pelo menos, ligá-lo ao uso do termo “dia do Senhor” como um nome para o domingo. Eles, portanto, apresentam Eusébio, que escreveu 150 anos depois de Irineu, para provar que ele chamou o domingo por esse nome. Eusébio faz alusão à controvérsia, no tempo de Irineu, sobre a celebração anual da ressurreição de Cristo, que era chamada de festa da Páscoa. Ele diz (Ecclesiastical History, livro 5, cap. 23) que os bispos de diferentes países, entre eles Irineu, decretaram que o mistério da ressurreição de nosso Senhor não deveria ser celebrado em nenhum outro dia senão no dia do Senhor; e que, somente nesse dia deveríamos observar o encerramento dos jejuns pascais, e não no dia quatorze do primeiro mês, como praticado pelo outro grupo. No capítulo seguinte, Eusébio apresenta Irineu escrevendo uma carta nesse sentido ao bispo de Roma. Mas observem, Eusébio não cita as palavras de nenhum desses bispos, simplesmente apresenta a decisão deles em sua própria linguagem. Não existe, portanto, nenhuma prova de que eles usaram o termo “dia do Senhor” ao invés de “primeiro dia da semana”. Mas temos evidências de que, na decisão desse caso que Irineu apresentou, ele usou o termo “primeiro dia da semana”. Pois a introdução do quinquagésimo fragmento de seus “Escritos Perdidos”, já citada, traz uma declaração antiga das suas palavras sobre essa decisão, contendo o simples termo “primeiro dia da semana”. É Eusébio que nos apresenta o termo “dia do Senhor” ao registrar o que foi dito por esses bispos acerca do primeiro dia da semana. Na sua época, 324 d.C., o termo “dia do Senhor” havia se tornado uma designação comum do domingo. Mas não era assim no tempo de Irineu, em 178 d.C. Nós não encontramos nenhum escritor, antes dele, que aplica esse termo ao domingo; tampouco é aplicado dessa forma por Irineu; e nós não vamos encontrar nenhum exemplo decisivo de tal uso até o fim do segundo século. SDS 55.1