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    Capítulo 2

    Naufrágio no gelo. Uma tentativa de jogar o capitão no mar. O salvamento. A chegada à Irlanda. Prosseguindo com nossa viagem. O comboio britânico. Sem as amarras marítimas. Capturados por piratas. A natureza de um juramento e a caixa. O navio é condenado. A viagem segue pelo Mar Báltico. A chegada à Irlanda. Obrigado a trabalhar para os britânicos.AJB 25.1

    Em outra viagem, em meados de maio, de Nova Iorque para Arcângelo, na Rússia, avistamos numa tarde diversas ilhas de gelo. Muitas delas até pareciam grandes cidades. Essa era uma prova irrefutável de que estávamos nos aproximando das margens de Terra Nova, cerca de 1.600 quilômetros na rota marítima de Boston para Liverpool. Os ventos e as correntes da região norte, coberta de gelo, trazem esses grandes blocos, ou ilhas de gelo. A parte inferior dessas ilhas está a mais de 90 metros abaixo da superfície. Em algumas estações do ano, elas levam de dois a três meses para derreter e virar pedaços, aliviando assim seu enorme peso. Assim, elas são levadas adiante pelas águas profundas até os recônditos do oceano, e são logo derretidas, tornando-se águas mornas.AJB 25.2

    Ao anoitecer, já tínhamos passado o aglomerado de ilhas de gelo, graças a uma forte ventania vinda do oeste que nos empurrava rapidamente em nossa rota. No entanto, o nevoeiro se tornou tão denso que ficou impossível enxergar qualquer coisa a mais de 3 metros à nossa frente. Um homem chamado W. Palmer, que pilotava o navio naquela ocasião, ouviu por acaso o imediato advertir o capitão que seria melhor colocar a proa contra o vento para que o navio ficasse por ali mesmo até que amanhecesse. O capitão chegou à conclusão de que, já que as ilhas de gelo haviam ficado para trás, a embarcação deveria continuar sua rota, e deveríamos vigiar o caminho com bastante cautela.AJB 25.3

    À meia-noite, o vigia nos liberou de nosso posto para descansarmos no compartimento inferior do navio por quatro horas. Cerca de uma hora depois, o timoneiro nos despertou com um grito assustador:AJB 25.4

    – Uma ilha de gelo!AJB 25.5

    No instante seguinte, veio o impacto aterrorizante! Quando recuperei os sentidos, depois do golpe que recebi por ter sido lançado de um lado do alojamento dos marinheiros para o outro, eu me vi sendo segurado por Palmer. Os outros vigias haviam escapado em direção ao convés para fechar a escotilha. Depois de várias tentativas sem sucesso para encontrarmos a escada e alcançarmos a escotilha, desistimos em desespero. Abraçamos o pescoço um do outro e esperamos pela morte. Entre um rangido e outro que o navio emitia por causa da luta que travava contra o inimigo, ouvíamos, vez por outra, do convés acima de nós, nossos pobres companheiros aos gritos e súplicas pela misericórdia de Deus. Isso só aumentou o nosso desespero. Minha mente foi bombardeada por pensamentos que pareceram me sufocar, e, por alguns instantes, fiquei sem condições de pronunciar uma única palavraAJB 26.1

    Um pensamento horrível assombrou minha mente: chegara o momento de meu acerto de contas final e da minha morte. Eu iria afundar com aquele navio em destroços até o fundo do oceano, longe de casa, longe dos amigos, sem ao menos estar preparado ou ter qualquer esperança de um Céu ou vida eterna. Só me restava o pensamento de que estaria entre o número dos condenados e banido para sempre da presença do Senhor. Eu precisava de alguma forma dar vazão aos meus sentimentos de angústia indescritível.AJB 26.2

    Naquele momento de angústia, a escotilha foi aberta e ouvimos o grito:AJB 26.3

    – Tem alguém aí em baixo?AJB 26.4

    Em instantes estávamos no convés. Fiquei analisando por um momento a nossa situação: a proa do navio estava parcialmente presa embaixo de um bloco de gelo. Tudo estava destruído, exceto o talha-mar. As velas quadradas do navio, infladas com vento, bem como o impetuoso mar, empurravam o navio adiante para mais perto de seu obstinado oponente. Se nada mudasse logo, não restava dúvida: o destino de cada um de nós, e do navio, seria selado em alguns minutos.AJB 26.5

    Com dificuldade, consegui ir até o tombadilho superior, onde encontrei o capitão e o segundo imediato ajoelhados, implorando pela misericórdia divina. O primeiro imediato reuniu tantos quantos pôde numa tentativa frustrada de endireitar o extenso navio, que colidiu contra o gelo duas vezes. Em meio ao estrondo de objetos em colisão e aos gritos de outros marinheiros, minha atenção se voltou ao clamor do capitão:AJB 26.6

    – O que você vai fazer comigo, Palmer? – gritou o capitão.AJB 27.1

    – Vou jogar você no mar!AJB 27.2

    – Me deixe em paz, pelo amor de Deus! – disse o capitão. – Em menos de cinco minutos, todos estaremos na eternidade!AJB 27.3

    Palmer, com um espantoso juramento, respondeu:AJB 27.4

    – Não me importo com isso! Você é o culpado de tudo isso! Será uma satisfação imensa para mim ver você indo primeiro que o resto de nós!AJB 27.5

    Segurei firmemente Palmer e pedi que soltasse o capitão e viesse comigo à bomba para tentarmos fazê-la funcionar. Ele prontamente cedeu ao meu pedido e, para nossa grande surpresa, a bomba começou a sugar. Esse fato inesperado prendeu a atenção do primeiro imediato, que imediatamente abandonou seus inúteis esforços; e depois de analisar a posição do navio após a colisão, bradou com força:AJB 27.6

    – Soltem as cordas do mastaréu e da gávea! Soltem os cabos e as escotas! Vamos mudar o curso! Vamos bolinar o navio!AJB 27.7

    Talvez uma ordem nunca tenha sido obedecida de maneira tão rápida e instantânea. Tirando as velas da direção do vento, a embarcação imediatamente ficou liberada. E como uma alavanca que se desliza ao deslocar uma pedra, o navio soltou-se de sua posição desastrosa, e se firmou numa posição horizontal ao lado do gelo.AJB 27.8

    Então vimos que tudo à frente do mastro de proa do nosso navio forte e suntuoso estava completamente destruído; e que esse mastro, ao que tudo indicava, estava prestes a sucumbir também. Entretanto, o nosso maior medo era que o mastro e as vergas do navio entrassem em contato com o gelo. Nesse caso, o impetuoso mar do outro lado do navio se precipitaria sobre o convés, fazendo-nos afundar em poucos minutos. Aguardávamos, aflitos, que isso acontecesse, quando, de repente, vimos que o mar que passava pela nossa popa ricocheteava contra o lado oeste do gelo e recuava com força contra o navio, evitando assim que ele encostasse no gelo, direcionando a embarcação para a extremidade sul da ilha de gelo – uma ilha tão alta cujo topo não conseguíamos ver de lá de cima do mastro.AJB 27.9

    Nesse estado de suspense, éramos incapazes de pensar em qualquer outro meio de salvação a não ser a que Deus, em Sua providência, estava nos mostrando, conforme contei acima. Louvado seja o Seu santo nome! “Seus caminhos são insondáveis”.AJB 28.1

    Por volta das quatro horas da manhã, enquanto estávamos todos empenhados em retirar os destroços do navio, ouvimos um grito:AJB 28.2

    – Lá está o horizonte leste! Já podemos ver a luz do dia!AJB 28.3

    Isso era uma indicação suficiente de que estávamos nos afastando do lado ocidental, passando além da extremidade sul das ilhas de gelo, onde a direção do navio podia ser alterada pela habilidade humana. Ouvimos então as ordens do capitão:AJB 28.4

    – Segurem firme esse leme e mantenham o navio a favor do vento! Mantenham o mastro de proa firme! Retirem os destroços!AJB 28.5

    Basta dizer que 14 dias depois chegamos em segurança ao rio Shannon, na Irlanda, onde consertamos o navio para então zarparmos em uma viagem à Rússia.AJB 28.6

    Os que, tomando navios, descem aos mares, os que fazem tráfico na imensidade das águas, esses veem as obras do Senhor, e as suas maravilhas nas profundezas do abismo. [...] No meio destas angústias, desfalecia-lhes a alma. [...] Então, na sua angústia, clamaram ao Senhor, e ele os livrou das suas tribulações. [...] Rendam graças ao Senhor por sua bondade e por suas maravilhas para com os filhos dos homens! (Salmo 107:23, 24, 26, 28, 31).AJB 28.7

    Caro amigo, seja qual for a sua ocupação, lembre-se: “Buscai, pois, em primeiro lugar, o Seu reino e a Sua justiça” (Mateus 6:33), e firme os pés na embarcação do evangelho. O Dono desse majestoso navio rumo ao lar demonstra o maior cuidado por cada marinheiro a bordo, e sabe contar até mesmo os fios de cabelo de sua cabeça. Ele não apenas paga o mais alto salário, mas também promete uma grande e excelente recompensa a todos aqueles que cumprem fielmente seus deveres. A fim de livrá-los de todos os perigos dessa viagem, Ele ordenou aos seus santos anjos que vigiassem essa preciosa embarcação e cuidassem dela. Eles conseguem enxergar através do denso nevoeiro e advertir dos perigos no caminho (Hebreus 1:14). Além disso, Ele investiu de poder o Seu precioso Filho, fazendo dEle um comandante e piloto habilidoso para conduzir o navio e a tripulação em segurança até o seu porto de destino. Então, Deus os cobrirá com a imortalidade e lhes dará a nova terra por herança eterna. Fará deles reis e sacerdotes diante de Deus para “reinarem sobre a Terra”.AJB 28.8

    Após repararmos os danos da embarcação na Irlanda, embarcamos outra vez para nossa viagem até a Rússia. Em poucos dias nos deparamos e nos juntamos a uma frota inglesa de 200 ou 300 veleiros mercantes, com destino ao Mar Báltico. Aqueles veleiros estavam sendo escoltados por navios de guerra britânicos para que fossem protegidos de seus inimigos. Ao chegarmos a um lugar de difícil acesso, chamado “Mooner Passage”, um forte vento nos pegou de surpresa, e, apesar de todos os nossos esforços, ele estava nos levando a uma costa sombria e sem abrigo. À medida que a fúria do vento e a escuridão aumentavam, nossa condição se tornava cada vez mais alarmante, até que finalmente o comodoro levantou o “lampião” – um sinal para que toda a frota ancorasse de imediato.AJB 29.1

    A manhã tão esperada finalmente raiou, o que nos fez perceber a situação perigosa em que nos encontrávamos. Todas as embarcações providas de cabos lutavam contra o impetuoso mar, impelido contra nós pelo vento furioso. Parecia um milagre os nossos cabos e âncoras ainda resistirem. Enquanto observávamos vários cabos das outras embarcações arrebentarem, deixando-as à deriva e indo em direção às rochas, onde certamente virariam pedaços, nosso próprio cabo arrebentou! Com toda a ligeireza do mundo, ousamos colocar todas as velas da embarcação; e como aquele era um navio rápido, pela manhã percebemos que já estávamos em alto-mar. Ali mesmo convocamos uma reunião e concluímos que a melhor chance de sobrevivermos seria nos afastar do comboio e velejar sozinhos junto à costa da Dinamarca.AJB 29.2

    Pouco tempo depois, enquanto ainda nos congratulávamos por termos escapado por pouco do naufrágio e por estarmos fora do alcance das armas do comodoro, dois veleiros suspeitos se empenharam para nos afastar da costa. Balas de canhão logo começaram a cair ao nosso redor, e pareceu por bem nos virar e deixar que os homens daqueles dois veleiros subissem a bordo. Eram dois navios corçários dinamarqueses que nos prenderam e nos levaram para Copenhagen. Ali nosso carregamento e embarcação foram condenados, de acordo com os decretos de Bonaparte, devido a nossa conexão com a frota inglesa.AJB 29.3

    No decorrer de algumas semanas, fomos levados ao tribunal para testemunharmos a respeito de nossa viagem. Porém, antes disso, o nosso comissário de bordo e coproprietário do navio nos prometeu uma generosa recompensa se disséssemos que nossa rota de viagem era de Nova Iorque direto para Copenhagen, e que não tínhamos nenhuma ligação com os ingleses. Nem todos concordaram com essa proposta. Mas, por fim, fomos interrogados separadamente, e eu fui o primeiro. Deduzi que havia sido chamado antes de todos por ser o marinheiro mais novo. Primeiro um dos três juízes presentes me perguntou em inglês se eu compreendia a natureza de um juramento. Respondi afirmativamente. Em seguida ele ordenou que eu olhasse para uma caixa perto de mim, de mais ou menos vinte centímetros de altura e quarenta de comprimento. Ele disse:AJB 30.1

    – Dentro daquela caixa tem uma ferramenta para cortar os dedos indicadores e um polegar de qualquer um que jure em falso nesse tribunal.AJB 30.2

    E continuou:AJB 30.3

    – Agora, levante os dois dedos indicadores e o polegar da mão direita.AJB 30.4

    Dessa maneira, jurei dizer a verdade, e a despeito de qualquer recompensa, falei dos fatos a respeito da viagem. Mais tarde, quando nos foi permitido partir para o exterior, ficou claro que a “pequena caixa” havia arrancado a verdade de todos os que haviam dado depoimento, ou seja, que havíamos quase naufragado ao passar pelas ilhas de gelo 14 dias depois de partirmos de Nova Iorque; que reparamos os danos da embarcação na Irlanda, nos juntamos depois ao comboio britânico e fomos capturados pelos piratas.AJB 30.5

    Depois disso, alguns homens de nossa tripulação, após voltarem de uma caminhada onde viram a prisão, disseram que os prisioneiros colocaram as mãos para fora das grades para mostrar que haviam perdido os dois indicadores e o polegar da mão direita. Aqueles prisioneiros faziam parte de uma tripulação holandesa, capturada da mesma forma que nós, mas que havia jurado em falso. Por pouco teríamos tido a mesma sorte, e ficamos gratos por termos falado a verdade.AJB 30.6

    “Queremos saber toda a verdade.
    Mas queremos também praticá-la”.
    AJB 31.1

    Estávamos sem navio, sem carga e sem salário, na companhia de pessoas estranhas que haviam nos tirado tudo, exceto as roupas do corpo. Assim terminou a nossa viagem à Rússia. Mas antes do inverno começar, consegui um emprego a bordo de um brigue dinamarquês, que ia para Pillau, na Prússia. Ali atracamos depois de uma viagem tediosa, feita com um veleiro que tinha tantos vazamentos que só não afundou porque trabalhamos duro para mantê-lo flutuando até chegar ao porto.AJB 31.2

    Nesse fim de mundo, consegui um trabalho num veleiro americano que vinha da Rússia, com destino a Belfast, na Irlanda. A viagem da Prússia para Irlanda foi cheia de provações e sofrimentos. Tivemos que cruzar o mar Báltico em pleno inverno e transpor passagens sinuosas das montanhas da Escócia sob o comando de um capitão cruel, bêbado e avarento, que nos privou de mantimentos básicos. E quando, devido a sua negligência em providenciar esses mantimentos, estávamos famintos e exaustos de tanto bombear a água da embarcação a fim de mantê-la flutuando, ele praguejava e ameaçava fazer pior se deixássemos de executar suas ordens. Quando enfim atracamos em uma ilha e conseguimos novos suprimentos e provisões, novamente seguimos viagem até Belfast, na Irlanda, o nosso destino. De lá, eu e mais um marinheiro atravessamos o canal irlandês até Liverpool, na esperança de encontrarmos uma embarcação que fosse para a América.AJB 31.3

    Alguns dias depois de nossa chegada a Liverpool, um “bando” de doze homens e um oficial entraram, à noite, na pensão em que estávamos hospedados, e perguntou a que país pertencíamos. Apresentamos nossos passaportes americanos, o que foi suficiente para provar que éramos de fato cidadãos americanos. Mas aquela prova, bem como os nossos argumentos não bastaram para eles. Eles nos prenderam e nos arrastaram ao ponto de encontro – um local de alta segurança. Fomos inspecionados diante de um tenente naval pela manhã, e ele ordenou que nos juntássemos à Marinha Britânica. E, para evitar uma possível fuga, quatro homens robustos nos agarraram, com o tenente à frente e sua espada desembainhada. Conduziram-nos pelo meio de uma das ruas principais de Liverpool como criminosos a caminho da forca. Um barco lotado nos esperava à margem do rio. Fomos então conduzidos a bordo do navio Princesa, da marinha real. Depois de passarmos por uma rígida inspeção, fomos confinados em celas no convés inferior da embarcação com mais ou menos outros 60 homens que alegavam ser americanos, recrutados à força como nós. Esse memorável episódio ocorreu em 27 de abril de 1810.AJB 31.4

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