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    Capítulo 3

    A tentativa de fuga. O açoite. O navio St. Salvadore. A tentativa de fugir a nado. Rodney 74. O navio de guerra espanhol. Um levantino. O culto às imagens. Outra tentativa de libertação. A batalha. A tempestade. O naufrágio. A Esquadra de Bloqueio. O culto a bordo de um navio real. O Porto de Maó. A passagem subterrânea. A Pedra Sagrada. O dia de lavar roupas. A ameaça de punição. Mais uma tempestade. A nova posição.AJB 33.1

    A bordo desse navio, um sentimento parecia permear a mente de todos os que alegavam ser americanos, isto é: de que havíamos sido presos ilegalmente, sem qualquer motivo de nossa parte. Portanto, qualquer meio de recuperar nossa liberdade seria justificável. Alguns dias depois, a maioria dos oficiais e membros da tripulação foi até a costa para fazer o sepultamento de um dos deles. Alguns então insinuaram que aquela era uma boa oportunidade de quebrarmos as barras e pinos de ferro da portinhola e escaparmos a nado pela forte corrente que passava por nós. Tivemos mais sucesso do que imaginávamos na primeira parte do plano: conseguimos quebrar as barras de ferro. Quando, porém, estávamos todos prontos para saltarmos, um após o outro, os botes voltaram para o navio com os oficiais, e descobriram que nossa cela estava aberta.AJB 33.2

    Por causa daquela tentativa de fuga, os oficiais açoitaram as costas nuas dos prisioneiros, um por um, de um modo especialmente desumano. Aquele ato terrível continuou por horas, e somente pararam de nos açoitar por volta das nove horas da noite, com a intenção de terminar o serviço no dia seguinte. Porém, eles não tiveram tempo de continuar com a tortura no dia seguinte, pois receberam ordens para nos transferir para uma fragata próxima que levantava as âncoras para sair pelo mar afora.AJB 33.3

    Poucos dias depois, chegamos à Plymouth, no condado de Devon, no sudoeste da Inglaterra. Lá fomos reexaminados, e todos os que foram considerados em boas condições para o serviço da Marinha Britânica foram para um dos seus maiores navios atracados chamado “Saint Salvadore Del Mondo”. Mil e quinhentas pessoas estavam a bordo desse monstruoso castelo flutuante na mesma condição que a minha.AJB 33.4

    Conversei ali com um jovem de Massachusetts e combinamos de tentar escapar mesmo se tal tentativa nos levasse à morte. Preparamos uma corda amarrada a um cobertor de cerca de nove metros no qual desceríamos do navio, e vigiamos atentamente os guardas e marinheiros até que fossem liberados de seus postos à meia-noite. Para nos proteger de possíveis tiros de canhões, levantamos a portinhola aproximadamente 45 cm. Secretamente demos a um amigo a corda e o cobertor para que ele os baixasse com uma roldana numa posição fora do alcance das balas de canhão. Forbes, meu companheiro nessa fuga, desceu primeiro e sussurrou para mim:AJB 34.1

    – Você vem? – respondi que sim. Quando ele chegou até a água, logo desci atrás dele e de repente o alerta soou pelo navio:AJB 34.2

    – Homem ao mar!AJB 34.3

    Nosso amigo soltou a portinhola com medo de ser pego, me deixando exposto aos tiros das sentinelas. Porém, quando os botes saíram em nossa procura com lampiões, eu já estava na água e nadei até um esconderijo embaixo da escada de portaló. Aguardávamos uma oportunidade de sairmos e nadarmos na direção oposta dos nossos perseguidores, aos quais a tripulação do navio gritava sem parar para saber se haviam encontrado alguém. Tínhamos que nadar quase cinco quilômetros vestidos com as nossas roupas, com exceção de nossos paletós e sapatos – estes eu havia amarrado atrás do pescoço a fim de me proteger de um possível tiro que viesse do navio. De repente, um oficial, acompanhado de homens e lampiões, desceu a escada de portaló e, deslizando a mão sobre a madeira, tocou minha mão, gritando instantaneamente:AJB 34.4

    – Tem um aqui! Pode sair! O outro está aqui! Venham os dois! – Nadamos ao redor deles e fomos puxados para a plataforma.AJB 34.5

    – Quem é você? – Perguntou o oficial.AJB 34.6

    – Sou americano – respondi.AJB 34.7

    – Como ousa tentar nadar para longe do navio? Você não sabia que quem tenta fugir corre o risco de levar um tiro?AJB 34.8

    Respondi que eu não era um súdito do rei George, e estava apenas tentando recuperar minha liberdade.AJB 35.1

    – Traga-os aqui em cima! – veio uma ordem do navio.AJB 35.2

    E depois de uma avaliação física, fomos colocados numa cela apertada, junto de vários criminosos que esperavam por julgamento.AJB 35.3

    Depois de aproximadamente trinta horas de confinamento, separaram-me do meu amigo e me levaram com cerca de outros 150 marinheiros, totalmente estranhos para mim, até o navio de sua majestade, o Rodney, que possuía 74 canhões e uma tripulação de aproximadamente setecentos homens.AJB 35.4

    Assim que nosso grupo de prisioneiros passou pela revista no tombadilho superior do navio Rodney, todos foram autorizados a descer e pegar o jantar, exceto eu. O primeiro tenente leu um papel entregue pelo comandante Bolton, e murmurou em minha direção:AJB 35.5

    – Patife.AJB 35.6

    Todas as tripulações dos botes se reuniram imediatamente no tombadilho superior (mais de 100 homens). O Capitão Bolton então falou:AJB 35.7

    – Vocês estão vendo este homem? Se vocês sonharem em deixar que ele suba em um dos botes de vocês, eu açoitarei cada um da tripulação dos botes! Vocês me entenderam?AJB 35.8

    A resposta de todos foi:AJB 35.9

    – Sim, senhor! Sim, senhor!AJB 35.10

    – Agora desçam para jantar, e você pode ir também, Sr. Bates.AJB 35.11

    Eu agora começava a perceber algo sobre a natureza do meu castigo por tentar abandonar de maneira silenciosa e pacífica o serviço de sua majestade [o rei George]. Do ponto de vista do comandante, aquilo parecia ser um crime imperdoável, que jamais seria esquecido. Algumas horas depois, o Rodney zarpava de Plymouth, seguindo em direção à costa francesa para guerrear contra os franceses. “A esperança que se adia faz adoecer o coração” (Provérbios 13:12); assim, conforme nos afastávamos da costa, minha esperança de libertar-me daquela opressão também parecia ficar cada vez mais distante.AJB 35.12

    Como o nosso destino final era nos juntarmos à frota britânica no Golfo de Leão, no Mar Mediterrâneo, fizemos uma parada em Cádiz, no sul da Espanha. As tropas francesas de Napoleão Bonaparte estavam bombardeando a cidade e os navios de guerra britânicos e espanhóis ancorados no porto. Esses navios faziam parte da frota espanhola que escapara da batalha de Trafalgar sob o comando de Lorde Nelson em 1805, e agora iam ser consertados pelos seus aliados, os ingleses, para em seguida partirem rumo ao Porto de Maó, no Mediterrâneo. Inesperadamente, eu fui um dos 50 selecionados para reparar os danos de um dos navios, o “Apollo”, e tripulá-lo. Alguns dias depois de atravessarmos o estreito de Gibraltar, nos deparamos com um vendaval violento, conhecido como “Levantino”, típico daqueles mares. Esse vendaval fez com que nosso navio trabalhasse tanto que só foi mediante esforço máximo das bombas que conseguimos impedir o naufrágio do navio. Finalmente tivemos condições favoráveis que nos permitiram retornar ao estreito de Gibraltar a fim de repararmos os estragos causados pelo vendaval.AJB 36.1

    Vários oficiais espanhóis e seus familiares permaneceram a bordo. Era espantoso e estranho ver como aquelas pessoas se agarravam firmemente às suas imagens de escultura, rodeadas de velas acesas, como se elas tivessem sido capazes de nos salvar do perigo anterior, quando, na verdade, nada, senão o nosso trabalho incessante nas bombas, evitou que o navio naufragasse com todos nós.AJB 36.2

    Depois de ficarem prontos os reparos, em Gibraltar, voltamos ao mar e chegamos com segurança à Ilha de Maó. Nessa ilha tentei novamente reconquistar minha liberdade com mais dois companheiros, persuadindo um nativo a nos levar em seu barco comercial. Após dois dias e noites de esforços inúteis para fugirmos da ilha, de barco ou de outra maneira, ou ainda fugir daqueles que recebiam uma alta quantia para capturar desertores, consideramos mais sensato voltar. Nosso retorno voluntário foi finalmente aceito como prova de que não era nossa intenção desertar dos serviços do rei George III. Dessa forma escapamos de sermos chicoteados em público.AJB 36.3

    Nossa tripulação foi levada de volta ao estreito de Gibraltar para se unir ao navio Rodney, o nosso próprio navio, que acabava de chegar comandando outro navio espanhol de linha de frente com destino ao Porto Maó, com uma tripulação de 50 homens do Rodney.AJB 36.4

    Velejamos em companhia do parceiro espanhol por cerca de 130 quilômetros até Málaga, onde encontramos as armadas inglesa e espanhola lutando contra a armada francesa na costa. Nosso navio logo atracou com a lateral virada para a praia. Visto que não conseguimos cumprir de imediato a ordem de enrolarmos as velas por causa dos tiros dos franceses provenientes do forte, nosso comandante nos ordenou que subíssemos ao topo dos mastros, e ali ficamos expostos aos tiros do inimigo francês até conseguirmos enrolar as velas. A raiva foi o que motivou tal ação. Enquanto estávamos nessa condição, um único disparo bem direcionado poderia ter matado uns 20, mas felizmente ninguém foi atingido até que todos chegassem ao convés. Nossas balas de canhão, pesando quase 15 quilos, causaram, por certo tempo, terrível destruição nas fileiras do inimigo. Contudo, eles logo conseguiram fazer com que seus inimigos avançassem, ficando entre eles e nós, e assim tivemos que cessar fogo. Em seguida, com um ataque violento, os franceses compeliram os espanhóis e ingleses até o forte; e muitos deles, ao verem nossos botes próximos da praia, lançaram-se para dentro do mar, e acabaram sendo mortos a tiros pelos franceses ou afogados, com exceção daqueles que os botes conseguiram trazer até nosso navio.AJB 37.1

    Essa batalha começou por volta das 2h da tarde e continuou até o por do sol. Depois de nos livrarmos dos mortos e limparmos o sangue impregnado no convés, navegamos para o Porto de Maó com o nosso consorte espanhol. Pouco antes de chegarmos ao porto, outro vento levantino nos pegou tão de repente que nosso navio recém-reformado quase não suportou. O nosso consorte espanhol não estava preparado para um vendaval daqueles e foi despedaçado nas rochas da Ilha de Sardenha, e quase toda a tripulação pereceu.AJB 37.2

    Depois do vendaval, nos juntamos à frota britânica, composta de 30 navios de batalha, carregando de 80 a 130 canhões cada, sem contar as fragatas e chalupas. Nossa função era bloquear uma frota muito maior de navios de guerra franceses, especialmente no porto de Toulon. Contra esses, tivemos ocasionalmente breves lutas ou combates de retirada. Eles não estavam preparados, nem dispostos a enfrentar os ingleses em batalha.AJB 37.3

    A fim de aperfeiçoarmos as nossas faculdades mentais, quando tínhamos alguns momentos de folga dos deveres marítimos e táticas navais, cada grupo de dez homens recebia uma coleção de dois livros selecionados. Havia no navio um total de 70 dessas coleções. O primeiro livro era um resumo da vida de Lorde Nelson, deliberadamente escolhido a fim de inspirar nossa mente com atos de coragem e bravura, bem como mostrar uma maneira breve de eliminar um inimigo obstinado. Um dos dez homens podia ler esse livro, quando tivesse folga, durante os últimos seis dias de cada semana. A segunda opção era um pequeno livro de orações da Igreja Anglicana, de uso exclusivo para o primeiro dia da semana, por cerca de uma hora.AJB 38.1

    O CULTO RELIGIOSO A BORDO DO NAVIO REALAJB 38.2

    Era comum ter um capelão a bordo de qualquer grande navio. Quando o clima estava ameno, montava-se uma tenda, bem como bandeiras e bancos no tombadilho superior, a fim de nos reunirmos para o culto. Às 11 horas da manhã, ouvíamos a ordem vinda do oficial no convés:AJB 38.3

    – Bata o sino seis vezes!AJB 38.4

    – Sim, senhor.AJB 38.5

    – Ajudante do contramestre!AJB 38.6

    – Pois não.AJB 38.7

    – Chame todos para o culto! E os apresse!AJB 38.8

    Esses ajudantes precisavam levar no bolso um pedaço de corda para colocar os marinheiros em movimento. Ouvíamos imediatamente suas vozes estrondosas ecoando nos outros conveses:AJB 38.9

    – Todos já para a capela! E levem com vocês os livros de oração!AJB 38.10

    Se alguém, de repente, não estivesse disposto a participar de tal forma de culto e tentasse fugir da intimação, era só olhar para os homens com a corda!AJB 38.11

    Um dia me perguntaram:AJB 38.12

    – Qual é a sua religião?AJB 38.13

    – Sou presbiteriano – respondi.AJB 38.14

    Mas logo percebi que não havia nenhuma tolerância religiosa a bordo do navio real de guerra.AJB 39.1

    – Só existe uma religião a bordo! Vá para a capela!AJB 39.2

    Antes de se sentarem, os oficiais desembainhavam as espadas e punhais e os empilhavam no topo de um cabrestante no meio da capela. Assim, estavam prontos para pegá-los a qualquer momento se fosse necessário, antes de terminar o culto. Proclamada a bênção, os oficiais pegavam as armas novamente e as embainhavam para o serviço. Imediatamente o tombadilho superior era liberado, e a capela flutuante tornava-se outra vez o mesmo velho navio de guerra por mais seis dias e vinte e três horas.AJB 39.3

    Com respeito ao culto, o capelão lia o livro de orações e os marinheiros respondiam. Porém, quando não tínhamos um capelão a bordo, o capitão mesmo se encarregava desse ofício. E quando ele lia a respeito da lei de Deus, a resposta dos marinheiros soava unânime: “Senhor, faze-nos dispostos a obedecer à Tua lei”. Pobres almas, ímpias e iludidas! Quão pouco o coração deles estava disposto a obedecer à lei de Deus, pois praticamente todas as horas do dia usavam a língua para blasfemarem Seu Santo nome; ao mesmo tempo, aprendiam e praticavam a arte e o método de atirar, assassinando e mandando para o fundo do mar todos aqueles que se recusavam a se render e tornar seus prisioneiros. Além disso, quem ousava se opor à proclamação de guerra expedida pelo seu bom e velho rei cristão?AJB 39.4

    O rei George III, não somente se achava no direito de obrigar marinheiros americanos a tripular seus navios de guerra e a combater em suas injustas batalhas, mas também os obrigava a frequentar a sua igreja e a aprender a responder a seus pregadores. E mais, sempre que um grupo de músicos a bordo começava a cantar o hino nacional da Grã Bretanha, “God save the King” [Deus salve o Rei!], eles, com todos os súditos leais do rei, eram obrigados a retirar os chapéus em reverência à autoridade real.AJB 39.5

    Naquela época eu tinha um sentimento cruel para com aqueles que me privavam da minha liberdade, me mantinham naquele estado de opressão e me obrigavam a servir a Deus e a honrar o rei do jeito deles. Mas agradeço imensamente a Deus por nos ensinar a perdoar e amar os nossos inimigos mediante a Sua grande misericórdia. Em Jesus Cristo encontrei o perdão para os meus pecados. NEle todos os sentimentos negativos são subjugados e meu único desejo é poder ensinar aos outros o caminho da salvação e da vida.AJB 39.6

    O encontro de inverno da esquadra mediterrânea britânica era na ilha de Minorca, no Porto Maó. Navegar depois da metade do sétimo mês era algo perigoso. Veja o testemunho de Paulo em Atos 27:9 e 10.AJB 40.1

    Ao nos esforçarmos ao máximo para passarmos despercebidos pela vigilância, depois de deixarmos aquele bote comercial espanhol conforme narrei anteriormente, descobrimos uma porta de madeira bem longe da cidade, ao pé de uma montanha rochosa. Abrimos aquela porta que, à distância, parecia um tanto leve. Aventuramo-nos por aquela passagem subterrânea até chegarmos a um grande espaço aberto, onde a luz brilhava por um pequeno buraco que saía do alto da montanha e chegava até o teto daquela caverna côncava. Aquela passagem subterrânea continuava por um caminho sinuoso, o qual tentamos seguir e explorar até desistirmos pela falta de luz suficiente para voltarmos ao centro. Nos dois lados deste caminho principal pudemos ver ainda passagens similares que não conseguimos explorar. Mais tarde, descobrimos que aquela montanha havia sido escavada no passado com o propósito de refugiar um exército sitiado. No centro, ou naquele lugar claro, havia uma casa esculpida em pedra, com entradas e formatos de janela, sem dúvida, projetada para os oficiais do exército sitiado e como local de reagrupamento das tropas.AJB 40.2

    Depois de examinarmos detidamente aquele lugar maravilhoso, concluímos que aquele seria um abrigo seguro para nos escondermos de nossos opressores: um lugar onde poderíamos respirar e falar alto sem medo de sermos ouvidos, ou apanhados por qualquer súdito do rei George III. Mas para nossa decepção, a alegria durou pouco, pois percebemos que não tínhamos o que comer naquele lugar.AJB 40.3

    Arriscamos ir até uma fazenda à procura de pão, mas as pessoas nos olharam com suspeita. Temendo que nos apanhassem e nos entregassem aos nossos perseguidores, as evitamos até que percebemos que era inútil escapar daquele lugar, e então voltamos para o navio. A pedra daquela montanha era um tipo de arenito, mas muito mais rígida que a cal, chamada de “pedra sagrada”, abundante naquela ilha. O esquadrão britânico fazia uso dessa pedra sagrada todas as manhãs, polindo e esfregando o piso do convés com pedaços dela a fim de tornar o convés branco e limpo.AJB 40.4

    Durante as estações mais amenas, o uniforme dos marinheiros era um sobretudo branco feito de pano grosso, bem como calças e um chapéu de palha. Todos passavam por uma inspeção às 9 horas da manhã, e, se a roupa de alguém estivesse manchada ou suja, tal pessoa era sentenciada a ter o nome escrito na “lista negra”, além, é claro, de ser designada para polir todo o tipo de latão e ferro e fazer qualquer outro trabalho sujo, sem contar seus deveres usuais. Isso deixava o sujeito sem qualquer tempo para o repouso e descanso no compartimento inferior em sua vigília matutina. Não havia punição mais temida e infame à que estávamos diariamente sujeitos.AJB 41.1

    Se tão somente nos fosse permitido trocar de roupa e nos dessem tempo suficiente para lavá-la e secá-la, seria um grande prazer e um benefício aparecermos para a avaliação matinal com nossa roupa branca e sem manchas, apesar do trabalho sujo que tínhamos de realizar. Não me lembro de termos recebido permissão para termos mais do que três peças de roupas para trocar, sendo que tínhamos apenas um dia da semana para lavarmos essas peças. Na verdade, todos nós (cerca de 700 homens) éramos chamados duas horas antes do amanhecer uma vez por semana para esfregarmos e lavarmos as roupas no convés. Não havia espaço para mais que 75% dos homens lavarem ali as suas roupas de uma só vez; mas isso não importava: quando raiava o dia, ao final das duas horas, recebíamos ordens de pendurar imediatamente todas as roupas limpas nos varais. Alguns diziam que ainda não tinham conseguido lugar ou água para lavarem as roupas, e normalmente recebiam uma resposta grosseira do tipo: “Não posso fazer nada! Parem de mexer nas roupas e comecem a esfregar e lavar o convés!” As ordens eram muito severas e qualquer pessoa que fosse pega secando suas roupas em qualquer outro dia ou horário era punida.AJB 41.2

    Para evitar ser descoberto e punido, eu esfregava as minhas calças bem cedo, as vestia e deixava que secassem no corpo. Como não gostava muito desse método, um dia pendurei as minhas calças molhadas em um lugar escondido, atrás da vela principal. Ocorreu, porém, que ordenaram que a vela fosse enrolada rapidamente e o tenente encontrou as calças. Todos os homens que trabalhavam como vigias no topo do mastro – cerca de 50 – foram convocados de imediato a deixar o jantar e comparecer ao tombadilho superior.AJB 41.3

    – Todos aqui, senhor – disse o subcomandante que nos inspecionava.AJB 42.1

    – Muito bem, de quem são essas calças que encontrei penduradas no mastro?AJB 42.2

    Dei um passo à frente da fileira onde estava e disse que eram minhas. Depois da minha resposta o tenente continuou:AJB 42.3

    – Ah, são suas? Seu...! – Depois de terminar com todo o xingamento, ele me perguntou como é que elas foram parar lá. Eu respondi:AJB 42.4

    – Eu as pendurei lá para secarem, senhor.AJB 42.5

    – Seu ..., você vai ver agora mesmo como eu vou te pendurar lá em cima. Os demais desçam e terminem o jantar. Chamem aqui para cima o imediato do contramestre chefe!AJB 42.6

    Ele subiu mais do que depressa do jantar.AJB 42.7

    – Você está com o chicote no bolso?AJB 42.8

    O contramestre começou a entender o que se passava e disse:AJB 42.9

    – Não, senhor.AJB 42.10

    – Então desça imediatamente e pegue um, e dê nesse ... uma surra como ele nunca levou na vida.AJB 42.11

    – Sim, senhor, é pra já!AJB 42.12

    Até aquele momento eu havia escapado de todas as ameaças de punição do tenente desde a minha vinda para o navio. Já havia solicitado mais roupas para que eu me apresentasse com uniformes limpos, o que me era negado. Eu esperava, naquela ocasião, de acordo com as ameaças dele, que ele fosse descarregar todo o seu ódio e vingança sobre mim, deixando minhas costas em carne viva por eu ter tentado ficar com a roupa limpa, quando, na verdade, ele sabia que isso não seria possível se eu não me arriscasse como fiz.AJB 42.13

    Enquanto eu pensava rapidamente sobre o tamanho da injustiça que sofria, ouvi o grito do tenente perguntando onde estava o imediato do contramestre com o chicote, e por que ele demorava tanto. Naquele momento o ouvimos subir correndo. O tenente parou repentinamente e virou-se para mim dizendo:AJB 42.14

    – Seu ...., se você não quer ser chicoteado como nunca antes, corra!AJB 43.1

    Olhei-o para ver se ele estava falando sério. O subcomandante, que parecia compreender a injustiça do meu caso, repetiu:AJB 43.2

    – Corra!AJB 43.3

    O tenente gritou para o homem que estava com o chicote:AJB 43.4

    – Dê nele!AJB 43.5

    – Sim, sim, senhor.AJB 43.6

    Saltei para frente e quando ele chegou à ponta do navio, eu já estava em cima da proa me posicionando para recebê-lo lá em baixo, perto da água, segurando os cabrestos do navio. De relance, ele percebeu que lhe seria exigido extrema habilidade para cumprir sua tarefa naquele ponto em que eu me encontrava. Portanto, ele ordenou que eu subisse até onde ele estava.AJB 43.7

    – Não! – respondi. – Se quiser, venha me pegar.AJB 43.8

    Naquela situação, o diabo, inimigo de toda a justiça, tentou-me a buscar um alívio imediato para todas as mágoas que sofria a bordo com o seguinte pensamento: caso ele viesse ao meu encontro e insistisse em infligir sobre mim aquela ameaça de castigo, eu o agarraria e jogaria na água. Que eu me lembre, de todos aqueles que ficaram atentamente observando lá de cima, ninguém falou comigo senão aquele que me perseguia. Pelo que consigo me lembrar, fiquei ali mais de uma hora. Para o meu espanto e o dos outros marinheiros, o tenente não deu mais nenhuma ordem a meu respeito e nem me questionou depois do incidente. Apenas fiquei sabendo na manhã seguinte que meu nome estaria na “lista negra” por quase seis meses. Graças ao Pai todo misericordioso que me livrou da premeditada destruição, por Sua soberana providência, naquele momento de provação.AJB 43.9

    Os navios que pertenciam ao esquadrão de frente no Mar Mediterrâneo normalmente eram liberados e voltavam para a Inglaterra ao final de 3 anos de serviço. Então, os marinheiros recebiam o salário e ganhavam 24 horas de liberdade para irem até a costa gastar o dinheiro. Como o período de três anos de serviço do Rodney estava chegando ao fim, minha grande esperança de libertação do jugo britânico me animava enquanto eu aguardava ansiosamente por aquelas 24 horas de liberdade, nas quais estava decidido a empregar todas as energias do meu ser para recuperar a minha liberdade.AJB 43.10

    Nesse meio tempo, a frota se deparou com uma tempestade monstruosa no Golfo de Leão. Por um instante, chegamos a duvidar se veríamos o nascer do sol mais uma vez. Aquelas enormes embarcações subiam como montanhas até o topo das ondas, e de repente caiam com tanta violência e estrondo sobre o abismo entre uma onda e outra que parecia impossível que fossem subir outra vez. As naus ficaram ingovernáveis e os marinheiros já não sabiam o que fazer. Veja a descrição do salmista em Salmos 107:23-30.AJB 44.1

    Ao chegarmos ao Porto Maó, na Ilha de Minorca, ficamos sabendo que dez embarcações estavam muito danificadas. O Rodney havia sofrido tanto dano que o comandante recebeu ordens de reparar os estragos a fim de retornarmos à Inglaterra. Que alegria para todos nós! Todos celebravam: “De volta para casa! 24 horas de liberdade!” Essa alegria vibrava no coração de todos.AJB 44.2

    Uma noite, depois de escurecer, pouco antes de o navio Rodney partir para a Inglaterra, uns 50 marinheiros foram chamados pelo nome e receberam ordens para preparar as bagagens e entrar nos botes.AJB 44.3

    – Qual o problema? Para onde estamos indo?AJB 44.4

    – A bordo do navio Swiftshore 74.AJB 44.5

    – Como assim? Aquele navio que acabou de chegar e está para partir em uma viagem de três anos?AJB 44.6

    – Sim.AJB 44.7

    Que desapontamento! Mas o pior era que eu fazia parte desse grupo. Comecei então a ver que estava fadado a continuar com a vida miserável na Marinha Britânica. Mais uma vez eu estava rodeado de estranhos, mas famoso por ser aquele que havia tentado escapar do serviço do Rei George III.AJB 44.8

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