Assuntos financeiros. Ladrões na estrada. Revistando os navios em busca de dinheiro. Um tenente leva um tiro. Navegando para casa. Tabaco. Reflexões importantes. Passando por Cabo Horn. A linha do equador. A estrela Polar. Um vendaval violento. Uma mudança de vento repentina. Situação desesperadora. Alegres vislumbres de terra. Vineyard Sound. Chegada a Boston. Em casa. Mais uma viagem. Passando pelo Cabo da Virgínia. Rumo ao exterior. AJB 159.1
Como o pagamento pela compra de nossas mercadorias fora feito em moedas, e tanto moedas quanto qualquer forma de ouro ou prata eram proibidas pelo governo de serem exportadas, tivemos que nos sujeitar a muitas inconveniências e prejuízos para garantirmos o pagamento aos nossos proprietários. Muitos dos capitães nos navios mercantes que negociavam no pacífico tinham também a responsabilidade de cuidar e comercializar a carga que transportavam. Por sermos obrigados a realizarmos nossos negócios em duas alfândegas, em Callao e Lima, dez quilômetros de distância uma da outra, tornou-se necessário termos os nossos próprios cavalos para percorrermos a distância entre esses dois lugares. AJB 159.2
Quando retornávamos para Callao, geralmente carregávamos no corpo o máximo de dólares e dobrões (moeda espanhola) que julgávamos prudente arriscar. Colocávamos o dinheiro nas botas, nos cintos das calças e o afivelávamos por baixo da roupa. Fazíamos isso porque a probabilidade de sermos roubados no meio do caminho era grande, e também porque estávamos sujeitos a uma inspeção por oficiais da alfândega antes de embarcarmos em nossos navios no porto. Geralmente distribuíamos porções do dinheiro entre a tripulação do nosso bote até que subíamos a bordo das nossas embarcações, e em seguida depositávamos o dinheiro em um dos nossos navios de guerra, para que ele fosse guardado em segurança, e pagávamos 1% ao comandante pelo depósito. Dessa forma, os oficiais de nosso governo recebiam e protegiam nossas propriedades por nos pertencerem. AJB 159.3
Um dia, dois dos meus tripulantes foram inspecionados quando eu estava prestes a embarcar, e foram solicitados a ir até a alfândega. Eu os segui. Eles tinham no corpo cerca de duzentos dólares. Os dois oficiais que pararam os homens, depois de contarem a soma de dinheiro, quiseram saber quanto eu iria lhes dar para que eles deixassem os meus marinheiros passarem sem declarar o assunto à alfândega. AJB 159.4
– Um dobrão – eu disse. AJB 160.1
– Não – eles responderam. – Vamos dividir entre nós esse dinheiro. AJB 160.2
– Se vocês não aceitam a minha oferta, vão e façam a declaração. Deixem o governo ficar com tudo, se eles quiserem. AJB 160.3
Eles ainda tentaram me mostrar que a minha conduta era ilegal e que eu teria problemas por isso. Eu os fiz entender que eu apenas perderia aquele dinheiro, mas eles perderiam algo mais, pois as autoridades alfandegárias ficariam sabendo da proposta deles de dividir o dinheiro comigo e de se apropriar da parte dividida. Por fim, eles chegaram à conclusão de que era melhor me devolverem todo o dinheiro, exceto o dobrão que lhes ofereci. Aqueles homens nunca mais me incomodaram depois desse incidente quando eu estava para embarcar. AJB 160.4
Certo dia, um pequeno grupo de homens tentava passar com o dinheiro escondido, quando um grupo armado e montado a cavalo apareceu, exigiu o dinheiro e ainda os obrigou a tirar a roupa para terem certeza de que pegariam tudo. Depois de roubarem todo o dinheiro, fugiram para as montanhas. AJB 160.5
Espalhou-se a notícia de que o navio Friendship, de Salem, Massachusetts, tinha 11 mil dólares a bordo, depois de ter vendido a carga em Lima. O governo enviou um grupo de soldados com oficiais da alfândega para tomar posse daquela quantia. Fizeram uma busca diligente, mas não encontraram nada. Ainda assim, apreenderam o navio por muitos dias e deram muita dor de cabeça aos marinheiros. O dinheiro estava lá, guardado de forma tão perfeita entre as carlingas na parte de cima da cabine, cujo teto havia sido terminado e recém-pintado, que ninguém suspeitaria que o dinheiro pudesse estar ali. Depois que o governo devolveu o navio ao comissário de bordo, ele pegou o dinheiro e transferiu para o navio dos Estados Unidos, o Franklin, 74. Pouco tempo depois disso, um navio de Boston foi apreendido no porto à noite, e demorou meses até que o capitão o recuperasse e o trouxesse de volta. AJB 160.6
Um dia, em conversa com um dos oficiais peruanos que estava se orgulhando da independência do Peru e de terem se libertado do governo espanhol, lhe perguntaram qual era a visão dele a respeito de liberdade. Ele respondeu: AJB 161.1
– Ora, se você tiver um cavalo e eu o quiser, e se eu for mais forte do que você, vou ficar com o cavalo! – Parecia que outros, quando queriam o nosso dinheiro e os nossos navios, tinham a mesma opinião. AJB 161.2
Enquanto ainda estávamos em Lima, um tenente do exército peruano desertou e se juntou ao inimigo. Ele foi capturado, julgado e condenado a ser fuzilado fora dos muros de Lima. Aquela era uma maneira de execução que eu nunca havia testemunhado. Para satisfazer a minha curiosidade, acompanhei a grande multidão de cidadãos e consegui uma posição privilegiada no topo da muralha da cidade, bem perto de onde o condenado estava sentado, sendo atendido por um padre católico. Em seguida, vendaram seus olhos com um tampão. Os militares se posicionaram à sua frente em fileiras e aguardaram o momento designado para disparar, quando seriam todos dispostos em colunas, e as duas fileiras da frente ficariam cerca de 18 metros do condenado. Ao comando do superior, seis homens avançaram das fileiras a alguns metros do pobre homem e miraram os mosquetes na cabeça do condenado. Dada a ordem outra vez, atiraram. A cabeça do homem caiu sobre o ombro, aparentemente tão rapidamente como se tivesse sido cortada por um facão. Ele pareceu ter morrido sem agonizar. O esquadrão do exército, então, volveu em marcha com o som ensurdecedor de música de guerra. O executado foi levado para o cemitério. AJB 161.3
O alvoroço da manhã havia terminado. Logo me vi quase solitário em meio a grande afluência de cidadãos que retornavam lentamente às suas respectivas residências. Decidi que nunca mais assistiria a outra execução por livre e espontânea vontade. AJB 161.4
Já fazia 14 meses que estava viajando pelo Oceano Pacífico. Minha atividade comercial já estava chegando ao fim e me preparava para retornar aos Estados Unidos. O navio Candace, do capitão F. Burtody, estava prestes a zarpar para Boston, Massachusetts, e, assim, reservei minha passagem para embarcar nele. AJB 161.5
O capitão Burtody e eu concordamos que quando o Candace levantasse a âncora, nós iríamos a partir daquele momento parar de mascar tabaco. Por volta da última semana de novembro de 1823, toda a tripulação foi convocada para levantar âncora. Apenas aqueles que experimentam esse sentimento de voltar para casa podem compreender a emoção que inunda o coração de todos, começando pelo capitão até o camaroteiro, quando é dada a ordem: “Levantar âncora! Vamos para casa!”. Vida nova, energia e força parecem animar todos a bordo. AJB 162.1
Os robustos marinheiros seguram firme nas alavancas, começam a enrolar o molinete e trazer as cordas molhadas para o convés. O pomposo navio, que parece unir-se à alegria da tripulação, avança passo a passo à sua âncora, até que se ouve o grito do oficial: AJB 162.2
– Parem! A corda está na vertical! AJB 162.3
As velas são então soltas, içadas ao topo do mastro, arqueadas pelo vento e prontas para nos levar ao lar. As vergas são braceadas para que a proa do navio se vire e este seja conduzido para fora do porto. O molinete volta a ser manuseado. Logo a âncora estará totalmente recolhida. Mais algumas voltas no molinete e a âncora finalmente se desprende, e o valoroso navio está livre. A âncora finalmente está a bordo e é pendurada em sua coluna; as velas se inflam com um refrescante vendaval. Os marinheiros gritam: AJB 162.4
– Estamos indo para casa! AJB 162.5
O sentimento dos marinheiros que ainda não puderam partir pode ser descrito mais ou menos assim: “Vejam, aquele navio levantou as âncoras e está saindo do porto, indo para casa. Sucesso para eles! Gostaríamos de estar voltando para casa hoje também.” Não importa quantos mares os marinheiros terão que cruzar, ou quantas tempestades terão que enfrentar, ou mesmo quão distantes estão de casa, o sentimento de alegria não deixa de vibrar em cada coração: AJB 162.6
– Lar, lar, doce lar! Levantamos âncora rumo ao lar! AJB 162.7
O nosso bom navio agora estava com a principal vela de joanete presa ao mastro, até que um bote parou ao lado do nosso navio com o dinheiro e a prata que eu e o capitão Burtody havíamos ganhando com os negócios. Quando tudo estava seguro a bordo, partimos. Já era noite quando passamos pelo nosso último marco, São Lorenzo, prontos para seguir nossa jornada de mais de 13.600 quilômetros. O cozinheiro anunciou que o jantar estava pronto. O capitão Burtody disse para mim: AJB 162.8
– Aqui vai o meu tabaco, Bates. – E tirou o tabaco da boca, jogando no mar. AJB 163.1
– Aqui vai o meu também – eu disse. AJB 163.2
Aquela foi a última vez que o tabaco poluiu meus lábios, mas o capitão Burtody não conseguiu superar a abstinência e insistiu firme comigo para que eu o acompanhasse. Eu agora estava livre de todas as bebidas destiladas, vinho e também do tabaco. Havia conquistado essa vitória passo a passo. De qualquer forma, eu não era viciado nesses artigos e nunca os havia usado de forma contínua, exceto para fazer companhia aos meus companheiros. Quantos milhões já não foram arruinados por causa de hábitos tão degradantes como esses! Senti-me muito mais humano quando consegui dominar todas essas coisas. Vinha fazendo também um grande esforço para alcançar a vitória sobre outro indiscutível pecado que aprendi com marinheiros perversos: os palavrões e o linguajar profano. AJB 163.3
Desde que me entendo por gente, meu pai sempre fora um homem de oração. Minha mãe abraçou a religião quando eu tinha uns 12 anos de idade. Nunca ousei, mesmo depois de casado, falar irreverentemente de Deus na presença de meu pai. Como meu pai havia se esforçado para me ensinar os caminhos em que eu deveria trilhar, eu conhecia o caminho; mas as diferentes experiências dos últimos 16 anos da minha vida tinham me afastado do caminho que agora me esforçava para reconquistar. AJB 163.4
Naquela nossa viagem de Cabo Horn rumo ao Oceano Pacífico, tentei arduamente romper o hábito de falar palavrões. Cheguei a dizer ao meu irmão que ele não deveria falar palavrões e nem permitir que os marinheiros falassem, pois eu não iria permitir esse mau hábito. Como agora eu tinha bastante tempo livre, eu lia boa parte do tempo, e muitas vezes, especialmente aos domingos, lia muitos capítulos da Bíblia. Ao agir dessa maneira, concluí que estava me tornando um cristão razoavelmente bom. AJB 163.5
O navio continuou a progredir no curso da viagem, e quando chegamos a Cabo Horn, nos deparamos com uma tempestade. Mas como o vento estava favorável para o leste, depois de 48 horas, estávamos em segurança ao redor de Horn, no Oceano Atlântico sul, seguindo em direção ao norte, para casa. AJB 164.1
Quando nos aproximamos da linha do equador, algumas estrelas conhecidas do hemisfério norte começaram a surgir – em especial os “Ponteiros”, que sempre direcionam os marinheiros para a Estrela Polar. Conforme o nosso bom navio Candace continuava firme, prosseguindo do oceano sul para a linha do equador, os “Ponteiros” assinalavam que a Estrela Polar estava no horizonte norte. AJB 164.2
A noite estava clara; os vigias no convés ficaram todos à espera do aparecimento da Estrela Polar. Por fim, ela foi vista saindo da névoa do horizonte norte, aparentemente a um metro e meio acima da superfície do oceano. Quando os marinheiros veem pela primeira vez aquela famosa estrela, ao subirem do oceano sul, o coração deles fica mais alegre por aquela aparição do que por 24 horas de vento favorável. Se não houvesse como verificarmos a nossa latitude através de instrumentos náuticos, o surgimento dessa estrela no horizonte era como um arauto que proclamava que estávamos pelo menos a 190 quilômetros ao norte da linha do equador. AJB 164.3
À medida que o Candace avançava em seu curso rumo aos mares do norte, cambaleando sob o vendaval refrescante dos ventos alísios do nordeste, nosso coração se alegrava noite após noite ao vermos a mesma estrela em ascensão, cada vez mais alta nos céus do norte – sinal inequívoco de que estávamos avançando rapidamente para o norte, para cada vez mais perto de casa. AJB 164.4
Ouvi falar que quando os marinheiros portugueses retornavam com seus navios da América do Sul para sua pátria, Portugal, assim que avistavam a Estrela Polar acima do horizonte norte, era o momento e lugar em que as contas eram acertadas e a tripulação recebia seu pagamento até aquela data. AJB 164.5
Tínhamos agora passado a barlavento das ilhas da Índia Ocidental, longe da influência dos ventos alísios do nordeste, e nos aproximávamos da temida Corrente do Golfo, na costa sul da América do Norte. Seguíamos em frente, diante de um vento do sudeste que aumentava rapidamente, muito parecido com aquele de 1818 que eu vivenciei a bordo do navio Frances, como já mencionei antes. O capitão Burtody e eu nos lembramos das experiências anteriormente vividas, de momentos difíceis e da posição perigosa em que os navios são colocados ao se depararem com uma mudança repentina da direção do vento em fortes tempestades, muitas vezes deixando o navio incontrolável, especialmente na Corrente do Golfo ou suas cercanias. AJB 164.6
O Candace estava com um bom lastro, e talvez tão bem preparado para lidar com tal tempestade desse tipo quanto quase qualquer outro navio. Seguíamos velozmente na direção do terrível vendaval, com a vela do traquete e a de joanete encurtadas. Quando a noite caiu, o mar parecia estar em terrível agitação. O trabalho importante dos comandantes e timoneiros agora era manter o navio inerte, ou com a proa diretamente voltada para as montanhas de mar. Como o capitão Burtody havia se posicionado no tombadilho superior a fim de dar todas as ordens necessárias com respeito à direção do navio durante a violenta tempestade, e como eu tinha confiança inabalável nas habilidades náuticas dele, decidi descer e ir descansar, caso conseguisse, e, assim como os outros passageiros, sair do caminho. AJB 165.1
A chuva caía rapidamente, e por volta da meia-noite, ouvi um grito amedrontado: AJB 165.2
– As velas estão apertadas contra o mastro! AJB 165.3
Ouvi outro grito para o timoneiro, e depois outro para que todos ajudassem no convés. Corri pelo corredor que dava para a cabine e vi que o que mais temíamos havia acontecido: o vendaval furioso, vindo do sudeste, tinha cessado de repente, e agora vinha furiosamente da direção oposta. Assim que cheguei ao convés, vi que as velas de capa estavam pressionadas contra o mastro; e a proa do navio estava se virando para o oeste de encontro com as terríveis ondas gigantescas do sul que pareciam quase passar por cima de nós e prontas para causar nossa imediata destruição. O capitão Burtody, juntamente com toda a tripulação à vista, estava puxando com toda a força as cordas principais a estibordo. Ao ver o perigo iminente em que nos encontrávamos, sem parar para pensar que eu era apenas um passageiro, gritei a plenos pulmões: AJB 165.4
– Soltem as cordas principais a estibordo e venham para este lado do navio e puxem as cordas principais a bombordo! AJB 166.1
O capitão Burtody achava que o navio obedeceria ao comando do leme e viraria a proa para o leste. Quando o meu grito chamou a atenção dele, ele viu que a proa estava se movendo para o lado contrário. Então, a tripulação soltou as cordas a estibordo e puxaram as cordas a bombordo. As velas se inflaram e o navio mais uma vez prosseguiu em seu curso normal, apesar de estar em uma posição muito perigosa por causa das ondas enormes a sota-vento. Antes de as velas se inflarem, o navio tinha perdido seu rumo, e por pouco não foi engolido pelo mar enfurecido. A impressão que dava era que a popa estava para afundar. Como foi que o navio escapou de ser engolido pelo mar estava além da nossa compreensão. Depois que a ordem foi restaurada, pedi desculpas ao capitão por assumir o comando do seu navio, e ele me perdoou com alegria e generosidade. AJB 166.2
Com a passagem do vendaval, cruzamos a Corrente do Golfo, e medimos a profundidade da água próxima à costa. Percebemos então que estávamos no meio do inverno. Por fim, ouviu-se o grito de alegria: AJB 166.3
– Terra à vista! AJB 166.4
Vimos que era a Block Island, que faz parte do Estado de Rhode Island. Foi, de fato, uma alegria avistarmos nossa terra natal que pouco a pouco se tornava mais distinta. Já estávamos a cerca de 65 quilômetros de casa. Sim, avistarmos qualquer terra depois de enxergarmos apenas céu e água por três longos meses foi um grande alívio. Encontramos um barco-piloto ali: AJB 166.5
– De onde vocês vêm? AJB 166.6
– Do Oceano Pacífico. AJB 166.7
– Para onde estão indo? AJB 166.8
– Para Boston. AJB 166.9
– Vocês não querem um piloto para passar pelo Estreito de Vineyard? É sempre a rota mais segura na estação do inverno. AJB 166.10
– Sim, venha conosco. AJB 166.11
Em alguns minutos o piloto tinha todo o controle do navio, rumando para o Estreito de Vineyard. O barco-piloto então rumou ao mar a fim de encontrar-se com outra embarcação que também chegava à terra natal. AJB 167.1
– Quais são as novidades nos Estados Unidos, piloto? Quais são as novidades da Europa? Como anda a situação do mundo? Quem será o nosso próximo presidente? AJB 167.2
E assim seguiram as perguntas. Mal conseguíamos esperar pela resposta do piloto. AJB 167.3
– Você tem algum jornal aí? AJB 167.4
– Sim, mas não é o de hoje. AJB 167.5
– Não faz mal, vai ser novidade para nós. Faz muito tempo que não temos nenhuma notícia da terra dos viventes. AJB 167.6
À noite ancoramos em Holme’s Hole, um porto espaçoso em Vineyard para navios com destino a Boston. Logo, vários barcos estavam enfileirados ali. Se levarmos em conta a grande quantidade de cestas com diferentes tipos de tortas, bolos, frutas, etc., que várias pessoas levaram ao nosso convés, parecia que elas haviam adivinhado que estávamos famintos por aquela boa comida. Realmente, fizemos uma festa por algum tempo. Além daqueles quitutes, elas trouxeram também grandes cestas de roupas de algodão, luvas, etc. Um suprimento desses itens era também muito bem-vindos naquela estação fria. Quando as pessoas deixaram o navio ao anoitecer, houve certa agitação entre os barqueiros ao tentarem encontrar suas cestas. Um homem procurava algo no corredor da cabine, perguntando ao seu vizinho John se ele tinha visto sua lida de tricô. AJB 167.7
– O quê? Os homens tricotam meias aqui? Eles andam com sua lida de tricô por aí? AJB 167.8
Logo descobri que a “lida de tricô” a que ele se referia era a sua cesta de meias. AJB 167.9
O vento nos favoreceu e logo estávamos passando em torno de Cabo Cod, na baía do Estado de Massachusetts. No dia seguinte, ancoramos na cidade de Boston, por volta do dia 20 de fevereiro de 1824, depois de uma viagem de três meses partindo da Baía de Callao. AJB 167.10
A viagem foi muito lucrativa. Infelizmente, porém, um dos dois proprietários faliu durante nossa viagem, o que custou muito tempo e gastos até que um acordo fosse firmado. AJB 168.1
Viajei mais 88 quilômetros de carruagem até chegar em casa outra vez. Uma menina de olhos azuis de um ano e quatro meses, que eu nunca tinha visto, estava lá esperando com sua mãe para me cumprimentar e me receber mais uma vez em nossa confortável e aprazível lareira. Como havia ficado longe de casa por mais de dois anos, me planejei para desfrutar da companhia da minha família e amigos por uma temporada. No entanto, depois de alguns meses, já me preparava para sair em outra viagem para a América do Sul, ou para qualquer lugar em que pudesse encontrar um negócio rentável. AJB 168.2
Um novo brigue havia sido lançado, armado e equipado de acordo com o nosso gosto, com o nome de Imperatriz, de New Bedford. Parte de uma carga sortida foi carregada no porto de New Bedford. Dali zarpamos por volta do dia 15 de agosto de 1824 para Richmond, Virgínia, a fim de terminarmos de carregar o brigue com farinha e negociarmos no Rio de Janeiro. AJB 168.3
Depois de terminarmos o carregamento em Richmond, passamos pelo rio James e ancoramos em Hampton Roads, para adquirirmos o nosso armamento em Norfolk. Como não encontramos nenhum canhão montado, seguimos viagem sem ele. Hoje em dia não é mais tão necessário que navios mercantes carreguem armamento como era naquela época devido aos barcos piratas. No dia 5 de setembro, nós desembarcamos o nosso piloto no Farol do Cabo Henry, e rumamos para o sudeste para encontrarmos os ventos alísios do nordeste. AJB 168.4
Desde o dia em que decidi não mais beber vinho, em 1822, eu tinha bebido ocasionalmente cerveja e cidra. Mas depois de levantarmos as âncoras em Hampton Roads, decidi, de lá em diante, parar de beber qualquer tipo de cerveja, clara ou escura, ou cidra. AJB 168.5
A perspectiva de uma viagem rentável e bem-sucedida era agora mais promissora do que a da última viagem que fizemos, pois eu agora era dono de uma parte do Imperatriz e de sua carga, e tinha a confiança dos meus sócios para vender e comprar cargas que se mostrassem vantajosas, bem como usar o meu bom senso e decidir a que parte do globo nós iríamos. Mas mesmo com todas essas vantagens e possibilidade de ficar rico, me sentia triste e com saudades de casa. Eu tinha conseguido vários livros interessantes para ler nas minhas horas vagas. Minha esposa achou que eu estava levando mais ficção e romances do que era necessário. Ao arrumar meu baú de livros, ela colocou por cima dos outros um exemplar de bolso do Novo Testamento, sem que eu soubesse. Ao abrir o baú para encontrar alguns livros interessantes, peguei o Novo Testamento. Na página de abertura havia esta bonita poesia, escrita pela Sra. Hemans, colocada ali para chamar minha atenção: AJB 168.6
A Hora da Morte AJB 169.1
As folhas têm seu tempo de cair, AJB 169.2
As flores, de murchar com a brisa do norte, AJB 169.3
E as estrelas, de se firmar no céu AJB 169.4
Mas tu, ó morte, tens todas as estações apenas para ti! AJB 169.5
O dia é para o cansativo lidar, AJB 169.6
O anoitecer, para as alegres reuniões junto à lareira, AJB 169.7
A noite, para os sonhos do sono e a voz da oração. AJB 169.8
Mas tudo para ti, ó mais poderosa da terra. AJB 169.9
A juventude e as rosas a desabrochar AJB 169.10
Podem parecer coisas gloriosas demais para um dia se acabar; AJB 169.11
E sorriem para ti; mas tu não és como aqueles AJB 169.12
Que esperam o fruto amadurecer para então colher. AJB 169.13
Sabemos quando as luas minguam, AJB 169.14
Quando as aves de verão, de longe, cruzam o oceano, AJB 169.15
Quando os matizes outonais tingem os grãos dourados, AJB 169.16
Mas quem nos ensinará o momento de te procurar? AJB 169.17
Será quando o primeiro vendaval de primavera AJB 169.18
Vem sussurrar onde as violetas estão? AJB 169.19
Será quando as rosas do caminho se tornam pálidas? AJB 169.20
Elas têm uma temporada – todas nascem para morrer! AJB 169.21
Tu estás onde as ondas espumejam, AJB 169.22
Tu estás onde a música enche o ar, AJB 169.23
Tu estás ao nosso redor em nosso lar de paz, AJB 169.24
E o mundo nos chama para avançar – e ali tu também estás. AJB 169.25