Consciência do pecado. A doença e a morte de um marinheiro. Um funeral em alto-mar. Oração. Aliança com Deus. Um sonho. Chegada a Pernambuco. A paisagem de Pernambuco. Desembarcando uma senhora norte-americana. Vinho em um banquete. Vendendo minha mercadoria. Outra viagem. Pontos de vista religiosos. Um baleeiro. Farinha brasileira. Chegada à Santa Catarina. Paraíba. Vendendo a mercadoria. A terceira viagem. AJB 171.1
A poesia mencionada no capítulo anterior prendeu, de fato, a minha atenção. Li e reli cada palavra. Meu interesse em ler romances e ficção acabou naquele momento. Entre os muitos livros que tinha, selecionei a obra Rise and Progress of Religion in the Soul [O Surgimento e o Progresso da Religião na Alma], de Doddridge. Este e a Bíblia agora me interessavam mais do que todos os outros livros. AJB 171.2
Christopher Christopherson, da Noruega, um membro da minha tripulação, ficou doente assim que partimos do Cabo Henry. Nada na nossa caixa de remédios foi capaz de dar alívio ao pobre homem. Cada dia que passava, seu caso parecia ainda mais sem solução. A primeira estrofe do poema “A Hora da Morte”, especialmente o quarto verso, quase não saía da minha cabeça: AJB 171.3
“Mas tu, ó morte, tens todas as estações apenas para ti!” AJB 171.4
Eu desejava ser um cristão, mas o orgulho do meu coração e as vãs seduções deste mundo perverso ainda me prendiam com fortes garras. Lutei muito em minha mente antes de decidir orar. Sentia que já tinha adiado por tempo demais. Eu também temia que meus homens descobrissem que eu estava me convertendo. Além disso, eu não tinha um lugar solitário para orar. Ao recordar alguns incidentes da minha vida passada, de como Deus tantas vezes intervira com Sua mão para me salvar, quando a morte não cessava de me encarar, e de como eu logo me esquecia de todos os Seus atos de misericórdia, senti então que deveria me render. Finalmente, decidi testar o poder da oração e confessar todos os meus pecados. Abri a escotilha abaixo da mesa do jantar, onde preparei um lugar para ficar fora da vista dos meus companheiros caso eles entrassem na cabine durante o meu momento de oração. A primeira vez em que dobrei os joelhos para orar, senti os cabelos da cabeça se arrepiarem, por ousar abrir a boca em oração ao santo e grande Deus. Mas eu estava decidido a perseverar até que eu encontrasse paz e perdão para a minha alma atribulada. AJB 171.5
Eu não tinha nenhum amigo cristão em alto-mar para me dizer como deveria ser o processo de conversão ou por quanto tempo eu deveria estar num estado de penitência antes de me considerar verdadeiramente convertido. Então, me lembrei de quando era garoto, durante o grande reavivamento de 1807, em New Bedford e Fairhaven. Costumava ouvir os conversos relatando suas experiências, dizendo que ficaram lamentando pelo pecado por duas ou três semanas até o Senhor lhes trazer a paz ao espírito. Parecia que meu caso seria mais ou menos a mesma coisa. AJB 172.1
Passaram-se 15 dias e nenhum raio de luz iluminava minha mente. Mais uma semana se foi e minha mente ainda estava conturbada como as águas do mar. Nesse período, andando pelo convés durante a noite, me senti fortemente tentado a pular do navio e pôr um fim a minha vida. Julguei que se tratava de uma tentação do diabo, e por isso deixei o convés imediatamente e não me permiti sair da cabine até a manhã seguinte. AJB 172.2
Christopher àquela altura já estava muito doente e debilitado. Ocorreu-me que se ele morresse, eu deveria ser ainda mais zeloso e determinado com a minha salvação. Eu o trouxe para a cabine e o coloquei em um beliche próximo do meu, onde poderia dar-lhe mais atenção. Ordenei aos oficiais que cuidavam de Christopher durante a guarda da noite que me chamassem caso houvesse alguma mudança no estado dele. Quando acordei, assim que os primeiros raios da manhã surgiram, meu primeiro pensamento foi: como está o Christopher? Fui até o beliche e coloquei a minha mão na testa dele. Ele estava frio. Estava morto. Chamei o vigia da manhã e perguntei: AJB 172.3
– Por que, Sr. Haffards? Christopher está morto! Por que você não me chamou? AJB 172.4
– Estava com ele há meia hora, dei os remédios e não vimos nenhuma alteração no estado dele. AJB 172.5
O pobre Christopher agora jazia no tombadilho superior. Por fim, o costuramos em uma rede e colocamos um pesado saco de areia em seus pés. Depois de decidirmos o horário para o funeral, fiquei muito preocupado com relação ao meu dever. Senti que era um pecador aos olhos de Deus, e não me atreveria a orar em público. Ainda assim, eu não podia permitir que o nosso pobre companheiro fosse jogado no fundo do mar sem algum tipo de cerimônia religiosa. Enquanto decidia sobre o que deveria fazer, o comissário de bordo me perguntou se eu não gostaria de ler um trecho do Livro de Orações da Igreja Anglicana. Respondi que sim e perguntei se ele tinha um ali. Ele me respondeu afirmativamente e pedi que ele trouxesse o livro. AJB 173.1
Era exatamente o livro que eu queria, pois enquanto estive a bordo do serviço britânico, eu ouvia o capelão do navio ler orações daquele livro quando nossos marinheiros morriam. Esse, porém, era o primeiro funeral que aconteceria sob o meu comando. AJB 173.2
Abri o livro e encontrei uma oração apropriada para a ocasião. Prepararam uma prancha, com uma das extremidades apoiada sobre a lateral da embarcação, onde seu corpo foi colocado, com os pés virados ao mar, de modo que, quando o outro lado da prancha fosse levantado, o corpo deslizaria até o oceano. Todos, menos o timoneiro, ficaram ao redor de Christopher para se despedirem dele, e em seguida depositarem seu corpo no fundo do mar quando a ordem fosse dada. A ideia de tentar realizar uma cerimônia religiosa por um morto, estando eu ainda não convertido, me incomodou muito. Pedi ao imediato que me chamasse quando tudo estivesse preparado, e então desci. Quando o oficial veio me chamar, subi de volta ao tombadilho superior, tremendo, com o livro aberto em minhas mãos. Em sinal de respeito, a tripulação descobriu a cabeça. Quando comecei a ler, minha voz falhou. Eu estava tão trêmulo que achei difícil ler com clareza. Senti naquele momento que eu era mesmo um pecador diante de Deus. Quando terminei a última frase, acenei com a mão para inclinarem a prancha, e me virei para a cabine. Passando pelo corredor, ainda pude ouvir o corpo de Christopher mergulhar no mar. Fui para o meu lugar de oração e desabafei todos os meus sentimentos em oração, pedindo pelo perdão de todos os meus pecados e pelo perdão dos pecados do pobre homem que estava afundando na imensidão do oceano. AJB 173.3
Isso ocorreu no dia 30 de setembro, 26 dias depois de partirmos dos Cabos da Virgínia. A partir daquele momento, senti o meu coração se dobrar à vontade de Deus. Resolvi renunciar, a partir de então, as obras infrutíferas do inimigo e buscar atentamente a vida eterna. Senti a convicção de que meus pecados haviam sido perdoados nessa data. Fiz então a seguinte aliança com Deus, que encontrei no livro O Surgimento e o Progresso da Religião na Alma: AJB 174.1
UMA ALIANÇA SOLENE COM DEUS AJB 174.2
“Eterno e bendito Deus, desejo apresentar-me diante de Ti com a mais profunda humilhação e abatimento de alma. Ciente de quão indigno é este verme pecador de comparecer diante da Santa Majestade do Céu, o Rei dos reis e Senhor dos senhores, [...] venho, portanto, reconhecendo ter sido um grande transgressor. Batendo em meu peito e dizendo como o humilde publicano: ‘Deus, tenha misericórdia de mim, pecador’, [...] hoje, com a máxima solenidade, me rendo a Ti. Renuncio a todos os antigos senhores que tiveram domínio sobre mim, e consagro a Ti tudo o que sou e tudo o que tenho. [...] Usa-me, ó Senhor, eu Te imploro, como instrumento no Teu serviço; quero ser contado entre o Teu povo peculiar. Deixe-me ser lavado no sangue do Teu Filho amado. A ele, e a Ti, ó Pai, sejam dados eternos louvores pelas milhões de pessoas assim salvas por Ti. Amém!” AJB 174.3
Aliança feita a bordo do navio Imperatriz, de New Bedford, em alto-mar, no dia 4 de outubro de 1824 na latitude 19° 50’ norte e longitude 34° 50’ oeste, com destino ao Brasil. AJB 174.4
José Bates, Jr. AJB 174.5
Gostaria de ter sempre aquela resignação em fazer a vontade de Deus que senti na manhã em que fiz aquela aliança. No entanto, não conseguia acreditar naquele momento, nem muitos meses depois daquele episódio, que meu único sentimento era o de profunda convicção do pecado. Compreendo que nem sempre considerei aquela aliança com a mesma solenidade que eu a entendo hoje; mas estou muito feliz de tê-la feito e por Deus ter ainda poupado a minha vida, me permitindo fazer tudo o que, naquele dia, me comprometi a fazer. AJB 174.6
Depois de assinar a aliança mencionada acima, tive um sonho extraordinário em que me via recebendo algumas mensagens enviadas pelo correio. Uma delas parecia ser um rolo de papel escrito, e a outra, uma longa carta que começava assim: AJB 175.1
EXAMINE! EXAMINE! EXAMINE! AJB 175.2
EXPERIMENTE! EXPERIMENTE! EXPERIMENTE! AJB 175.3
VOCÊ MESMO! VOCÊ MESMO! VOCÊ MESMO! AJB 175.4
E então a longa carta continuava com instruções religiosas, escritas com letras apertadas. Li algumas linhas e então acordei. Anotei logo em seguida em um papel o que havia lido e o guardei com outros papéis, mas depois acabei perdendo. Havia muito mais coisas na carta de que não me lembro mais. No entanto, acredito que aquele sonho, de forma tão singular apresentado em um papel, tinha o propósito de me convencer de que meus pecados estavam perdoados. Mas naquela época eu não consegui ver isso, pois tinha a concepção de que Deus Se manifestaria de tal forma que jamais duvidaria outra vez da minha conversão. Naquela época eu ainda não havia compreendido a simplicidade da graciosa obra de Deus no coração do pecador. AJB 175.5
Teria sido um grande alívio para mim se eu pudesse ter sido liberado das minhas pesadas responsabilidades daquela viagem de negócios, considerando meu forte cansaço mental. Porém, a viagem continuou, e no dia 30 de outubro chegamos a Pernambuco. Lá descobrimos que o comércio não estava tão próspero como havíamos imaginado. Contudo, aquele era o melhor mercado para negociarmos, por isso logo vendemos toda a nossa carga. Fiquei também desapontado por não encontrar, entre as milhares de pessoas que ali estavam, ninguém que professasse alguma religião e com quem eu pudesse conversar; mas estava determinado a perseverar em buscar uma salvação livre e completa. AJB 175.6
A província de Pernambuco está situada na fronteira com o mar. Ao se aproximar dele pelo oceano, a paisagem é imponente e bela. Porém, as embarcações têm que ancorar em mar aberto a certa distância da terra; e, por causa das ondas fortes na costa, é difícil chegar em terra de maneira segura. AJB 175.7
O capitão Barret, de Nantucket, Massachusetts, chegou àquele porto logo depois de nós. Determinado a vender naquela região também, ele enviou o seu barco para trazer sua esposa ao litoral. Quando o barco que trazia a Sra. Barret se aproximava da costa, vários de nós nos reunimos perto do local de desembarque, juntamente com o capitão Barret, para recebê-la. Muitos escravos negros também estavam esperando. O trabalho deles era entrar na água e ir até os barcos, carregar nos ombros a carga e os passageiros, e, se possível, trazê-los em segurança em meio à rebentação até o desembarque. A tarifa para atravessar a rebentação era de “um real” por passageiro, o equivalente a 12 centavos e meio de dólar. O capitão Barret pediu à sua esposa que se assentasse no ombro do homem negro que a aguardava. A Sra. Barret desconhecia totalmente aquele modo de transporte; além disso, ela estava muito duvidosa de que o homem conseguisse atravessar a rebentação sem ser engolido pelas ondas. Portanto, ela hesitou e ficou em silêncio. O capitão Barret e seus homens insistiram, afirmando que não havia outro meio de transporte. Por fim, ela sentou-se nos ombros do homem negro e segurou na cabeça dele com as duas mãos enquanto ele a conduzia heroicamente e com firmeza até os braços do marido que estava em nosso meio. Os colegas do capitão gritaram de alegria, elogiando a maneira robusta e destemida como o negro levara e desembarcara a senhora norte-americana até a praia. AJB 176.1
Ali em Pernambuco, bem como em outros lugares, também fui criticado por meus companheiros por me recusar a beber vinho ou qualquer outra bebida intoxicante com eles, especialmente o vinho na hora do jantar, que era um costume muito comum na América do Sul. Vou contar agora um dos casos que aconteceram: AJB 176.2
Um grupo grande do nosso pessoal estava jantando com o cônsul americano, o Sr. Bennet. Sua esposa se sentou na ponta da mesa, encheu o copo e disse: AJB 176.3
– Capitão Bates, posso ter o prazer de apreciar um copo de vinho com você? AJB 176.4
Dei a minha resposta e enchi meu copo com água. A Sra. Bennet se recusou a beber a menos que eu enchesse meu copo com vinho. Ela já sabia desde nosso primeiro contato que eu não bebia vinho, mas se sentiu inclinada a me persuadir a desconsiderar minhas antigas resoluções. Naquele momento de suspense, a atenção do restante do grupo foi atraída para nós. Um deles disse: AJB 176.5
– Ora, Sr. Bates, o senhor se recusa a beber um copo de vinho como brinde à saúde da Sra. Bennet? AJB 177.1
Respondi que não bebia vinho em nenhuma ocasião, e pedi que a Sra. Bennet aceitasse a minha oferta. Ela prontamente condescendeu e brindou à minha saúde com um copo de vinho e eu brindei à saúde dela com um copo de água. AJB 177.2
O tema da conversa passou a ser o ato de beber vinho e a minha decisão com relação a esse assunto. Alguns concluíram que um copo de vinho não fazia mal a ninguém; verdade, mas a pessoa que bebesse um copo provavelmente beberia outro, e mais outro, até não haver mais esperança de mudar o hábito. AJB 177.3
Um dos meus colegas disse: AJB 177.4
– Gostaria de poder fazer como o capitão Bates. Seria bem melhor para mim! AJB 177.5
Outro supôs que eu era um ex-alcoólatra. AJB 177.6
Afirmei que certamente não havia mal nenhum em beber moderadamente, mas me esforcei para convencê-los de que a melhor maneira de lidar definitivamente com a questão era não beber bebida alcoólica nunca! Em outra ocasião, um capitão me disse: AJB 177.7
– Você é como o velho Sr. ___, de Nantucket, ele não beberia nem mesmo água adocicada! AJB 177.8
Depois de uma estadia de seis semanas, tendo vendido a maior parte de nossa carga em Pernambuco, navegamos para Santa Catarina, na latitude 27° 30’ para o sul. Ali percebi que os cuidados e a pressão com negócios haviam me tirado, em certa medida, a alegria espiritual que eu possuía quando cheguei a Pernambuco. Eu agora tinha mais horas vagas para examinar as Escrituras e ler outros livros voltados para a religião. Foi ali em Santa Catarina que comecei um diário, falando a respeito dos meus pontos de vista e sentimentos, o que me fez muito bem. Eu encaminhava aqueles escritos para a minha esposa sempre que escrevia cartas para ela. Aquelas folhas foram guardadas em forma de rolo e não foram lidas por cerca de 35 anos. Suponho que aquele foi um dos rolos de papel que vi naquele interessante sonho que tive. Pensei no privilégio que seria se eu tivesse pelo menos um professo cristão com quem eu pudesse comparar os meus pontos de vista e sentimentos a respeito desse tema tão cativante ou o privilégio de participar, por mais ou menos uma hora, de uma reunião de oração para expressar meus sentimentos reprimidos dentro de mim. AJB 177.9
Chegamos a Santa Catarina no primeiro dia de janeiro de 1825, onde compramos um carregamento para levarmos para a costa norte do Brasil. Aquela ilha era separada do continente por um canal estreito. Santa Catarina é o único porto comercial ao longo de centenas de quilômetros de costa. O promontório norte dela é uma montanha alta, onde sentinelas, com seus mastros e bandeiras plantados, ficavam lá em cima procurando as baleias no mar. Quando davam o sinal de que as baleias estavam à vista, os barcos de pesca, a 16 ou 20 quilômetros de distância, remavam na direção delas; e se tivessem a sorte de fisgá-las com arpões, e matá-las, os pescadores as rebocavam até os potes de depuração para manufaturar o óleo. Cinquenta anos atrás, esse negócio era muito rentável naquela região, mas as baleias passaram a visitar a região tão raramente desde aquela época que esse ramo de negócio quase já cessou. AJB 178.1
Quando saí de Pernambuco, a província passava por uma revolução, e a farinha de mandioca estava em falta. Esperava-se que o governo brasileiro fosse permitir que os navios estrangeiros comercializassem esse artigo na costa brasileira, caso a demanda continuasse a crescer como havia acontecido nos meses anteriores. Foi com essa expectativa que fomos para Santa Catarina a fim de carregar o navio e voltar para Pernambuco. AJB 178.2
Como nem todos os meus leitores estão familiarizados com esse artigo alimentício, gostaria de afirmar que seu cultivo é muito parecido com o da batata-doce cultivada nos Estados de Carolina do Norte e do Sul, e se assemelha a ela, mas o tempo de cultivo é maior. Elas amadurecem em nove ou 18 meses, se não forem destruídas pela geada, e são chamadas de “mandioca”. O processo para manufaturar a mandioca e transformá-la em farinha é feito nos galpões ou barracos, e ocorre da seguinte maneira: uma vaca amarrada na ponta de um cabo anda em círculo, movendo uma roda, presa com cobre, que tem furos como os de um ralo. Um homem, com seu tonel de mandioca descascada, pressiona a ponta do produto contra o ralador em movimento. As mandiocas são raladas pedaço por pedaço até se tornarem num monte de bagaço. Essa massa é colocada em seguida em uma máquina como uma prensa de queijo, e todo o suco é extraído. Em seguida, colocam a mandioca sobre o fogo em grandes tachos de ferro rasos, e ela fica ali por uns 20 minutos. Cerca de dois ou três alqueires de mandioca se secam com esse procedimento. Ao retirar do fogo, a farinha de mandioca está pronta para ser vendida no mercado. Ouvi dizer que ela tem validade de três anos. Isso é o que chamam de “farina”, ou farinha brasileira. A maneira mais comum de prepará-la é simplesmente escaldá-la com sopa quente no prato e servi-la como refeição. As classes mais pobres e os escravos pegam uns 15 gramas de farinha com as pontas dos dedos, jogam na boca, e a engolem com água. No momento atual, os Estados Unidos importam grandes quantidades desse produto, que é vendido a varejo nos armazéns. AJB 178.3
Quando voltei para Pernambuco, a farinha estava em boa demanda, mas o governo não estava permitindo chegar à costa, pois era ilegal aos navios estrangeiros a comercialização no litoral. Em alguns dias, chegou por terra uma mensagem do governador de uma das províncias do norte me convidando para ancorar no porto da Paraíba e vender a minha carga ali. Na Paraíba vendi toda a carga a um bom preço. O governo comprou grande parte dela para as suas tropas. Como a seca continuava, e meu navio era um veleiro rápido, o governador me concedeu permissão para importar imediatamente outra carga, e me deu uma carta de apresentação endereçada ao governador de Santa Catarina para que me ajudasse a agilizar a comercialização. AJB 179.1
Quando cheguei a Santa Catarina, no momento em que os comerciantes de lá souberam da demanda no norte por cereais e farinha, logo se esforçaram para me impedir de comprar a farinha de mandioca até que estivessem prontos para despachar suas próprias embarcações. Depois de algumas semanas detidos naquela situação, contratei um intérprete e segui com nosso bote uma certa distância ao longo da costa. Após pedir que o bote retornasse e viesse nos buscar no dia seguinte, eu e meu intérprete subimos até as montanhas para comprarmos farinha direto dos agricultores. Algumas fazendas tinham a farinha estocada nos aposentos, quartos e salas, onde quer que pudessem estocá-la para proteger da chuva, tanto para uso como para venda. Alguns cômodos estavam lotados com o produto. AJB 179.2
Os comerciantes de Santa Catarina, ao ficarem sabendo do nosso sucesso em comprar a farinha dos agricultores e em rebocá-la em botes até o nosso navio, tentaram despertar nos agricultores antagonismo contra nós. Porém, as nossas moedas de prata de 40, 80 e 120 centavos com as quais pagamos os agricultores pela farinha, ao maior preço de mercado, eram muito mais valiosas que o sistema de venda por permuta dos comerciantes locais e que seus conselhos. AJB 180.1
A primeira noite que passei na montanha foi uma noite difícil, e eu não consegui dormir. Eu tinha dois sacos pesados de prata. Havia anoitecido quando estávamos em uma casa, comprando a farinha que seria entregue no dia seguinte. Eu disse ao homem através do meu intérprete: AJB 180.2
– Há aqui dois sacos de prata para comprarmos farinha. Quero que você os guarde em segurança para nós até amanhã de manhã. AJB 180.3
– Sim, é claro – ele respondeu, guardando os sacos em uma caixa. AJB 180.4