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O Grande Conflito (condensado) - Contents
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    Capítulo 8 — Um campeão da verdade

    Um novo imperador, Carlos V, subiu ao trono da Alemanha. O eleitor da Saxônia, a quem Carlos em grande parte devia a coroa, rogava-lhe que não desse qualquer passo contra Lutero antes de lhe conceder oportunidade de ser ouvido. O imperador foi assim colocado em posição de grande perplexidade e embaraço. Os romanistas não ficariam satisfeitos com coisa alguma senão a morte de Lutero. O eleitor declarara “que o Dr. Lutero deveria ser provido de salvo-conduto, de maneira que pudesse comparecer perante um tribunal de juízes sábios, piedosos e imparciais”.1.J. H. Merle D'Aubigné, History of the Reformation of the Sixteenth Century, livro 6, cap. 11.GCC 67.1

    A assembléia reuniu-se em Worms. Pela primeira vez os príncipes da Alemanha deveriam encontrar-se com seu jovem monarca numa assembléia. Dignitários da Igreja e Estado, assim como embaixadores de países estrangeiros, reuniram-se em Worms. O assunto que despertava o mais profundo interesse era a causa do reformador. Carlos encarregara o eleitor de levar Lutero, assegurando-lhe proteção e prometendo franco estudo das questões em contenda. Lutero escreveu ao eleitor: “Se o imperador me chama, não posso duvidar de que é o chamado do próprio Deus. Se desejarem usar de violência para comigo [...] ponho o caso nas mãos do Senhor. [...] Se Ele não me salvar, minha vida é de pouca importância. [...] Podeis esperar tudo de mim [...] exceto fuga e abjuração. Fugir não posso, e menos ainda me retratar.”2.Ibid., livro 7, cap. 1.GCC 67.2

    Circulando as notícias de que Lutero deveria comparecer perante a Dieta [Assembléia política], houve excitação geral. Aleandro, o delegado papal, estava alarmado e enraivecido. Instituir inquérito sobre um caso em que o papa já havia pronunciado sentença de condenação, seria lançar o desdém sobre a autoridade do pontífice. Além disso, os poderosos argumentos deste homem poderiam desviar da causa do papa muitos dos príncipes. Advertiu Carlos contra o comparecimento de Lutero em Worms, induzindo o imperador a ceder.GCC 67.3

    Não contente com esta vitória, Aleandro trabalhou para conseguir a condenação de Lutero, acusando o reformador de “sedição, rebelião, impiedade e blasfêmia”. Mas sua veemência revelava demasiadamente claro o espírito que o impulsionava. “Ele é movido pelo ódio e vingança”, foi a observação geral.3.Ibid.GCC 67.4

    Com redobrado zelo, Aleandro insistia que o imperador executasse os editos papais. Vencido pela importunação do legado, Carlos ordenou-lhe apresentar seu caso à Dieta. Com algum receio, os que favoreciam o reformador anteviam o efeito do discurso de Aleandro. O eleitor da Saxônia não estava presente, mas alguns de seus conselheiros tomaram notas do discurso do núncio.GCC 67.5

    Lutero é acusado de heresia — Com erudição e eloqüência, Aleandro lançou-se contra Lutero, como sendo este inimigo da Igreja e do Estado. “Nos erros de Lutero há o suficiente”, declarou ele, “para assegurar a queima de cem mil hereges.”GCC 68.1

    “O que são estes luteranos? Uma quadrilha de insolentes pedantes, padres corruptos, devassos monges, advogados ignorantes e nobres degradados. [...] Quanto lhes é superior o partido católico em número, competência e poder! Um decreto unânime desta ilustre assembléia esclarecerá os simples, advertirá os imprudentes, firmará os versáteis e dará força aos fracos.”4.Ibid., livro 7, cap. 3.GCC 68.2

    Os mesmos argumentos ainda se apresentam contra os que ousam apresentar os claros ensinamentos da Palavra de Deus. “Quem são estes pregadores de novas doutrinas? São indoutos, poucos em número, e das classes pobres. Contudo, pretendem ter a verdade e ser o povo escolhido de Deus. São ignorantes e estão enganados. Quão superior em número e influência é a nossa igreja!” Tais argumentos não são mais conclusivos hoje do que o foram nos dias do reformador.GCC 68.3

    Lutero não se achava presente, com as claras e convincentes verdades da Palavra de Deus, para superar o campeão papal. Era manifesta a disposição geral de não somente condená-lo, e às doutrinas que ele ensinava, como ainda, em sendo possível, desarraigar a heresia. Tudo que Roma poderia haver dito em sua própria vindicação, fora dito. Dali em diante o contraste entre a verdade e o erro seria visto mais claramente, ao entrarem para a luta em campo aberto.GCC 68.4

    O Senhor constrangeu então um membro da Dieta a dar uma descrição verdadeira dos efeitos da tirania papal. O duque Jorge da Saxônia se levantou naquela assembléia principesca e especificou com terrível precisão os enganos e abominações do papado:GCC 68.5

    “Abusos [...] clamam contra Roma. Toda vergonha foi posta à parte, e seu único objetivo é [...] dinheiro, dinheiro, dinheiro [...] de maneira que os pregadores que deveriam ensinar a verdade, nada proferem senão falsidades, e são não somente tolerados, como ainda recompensados, pois quanto maiores suas mentiras, tanto maior o seu ganho. É desta fonte impura que fluem tais águas contaminadas. A devassidão estende a mão à avareza. [...] Ai! é o escândalo causado pelo clero que arremessa tantas pobres pessoas à condenação eterna. Deve ser efetuada uma reforma geral.”5.Ibid., livro 7, cap. 4. O fato de ser o orador um decidido inimigo do reformador, emprestou maior influência às suas palavras.GCC 68.6

    Anjos de Deus derramaram raios de luz por entre as trevas do erro e abriram os corações à verdade. O poder do Deus da verdade dirigia até os adversários da Reforma e preparou o caminho para a grande obra prestes a realizar-se. A voz de Alguém maior que Lutero fora ouvida naquela assembléia.GCC 69.1

    Uma comissão foi designada para preparar um relatório das opressões papais que pesavam esmagadoramente sobre o povo alemão. A lista foi apresentada ao imperador, com o pedido de que ele tomasse medidas para a correção de tais abusos. Diziam os suplicantes: “É nosso dever evitar a ruína e desonra de nosso povo. Por esta razão nós, humildemente, mas com muita insistência, rogamo-vos que ordeneis uma reforma geral, e empreendais a sua realização.”6.Ibid.GCC 69.2

    Lutero é convocado à Dieta — O concílio pediu então o comparecimento do reformador. Finalmente o imperador consentiu, e Lutero foi intimado. Com a intimação foi expedido um salvo-conduto. Ambos foram levados a Wittenberg por um arauto, incumbido de levar o reformador a Worms.GCC 69.3

    Sabendo do preconceito e inimizade contra ele, os amigos de Lutero temiam que o salvo-conduto não fosse respeitado. Ele respondeu: “Cristo me dará Seu Espírito para vencer esses ministros do erro. Desprezo-os em minha vida; triunfarei sobre eles pela minha morte. Estão atarefados em Worms com o intuito de me obrigarem a abjurar; e esta será a minha retratação: anteriormente eu dizia que o papa é o vigário de Cristo; hoje assevero ser ele o adversário de nosso Senhor e o apóstolo do diabo.”7.Ibid., livro 7, cap. 6.GCC 69.4

    Além do mensageiro imperial, três amigos decidiram acompanhar Lutero. O coração de Melâncton achava-se unido ao do reformador, e ele suplicou por acompanhar aquele. Seus rogos, porém, não foram atendidos. Disse o reformador: “Se eu não retornar e meus inimigos me matarem, continua a ensinar e permanece firme na verdade. Trabalha em meu lugar. [...] Se sobreviveres, minha morte terá pouca importância.”8.Ibid., livro 7, cap. 7.GCC 69.5

    A mente das pessoas achava-se oprimida por sombrios pressentimentos. Souberam que os escritos de Lutero haviam sido condenados em Worms. O arauto, temendo pela segurança de Lutero no concílio, perguntou-lhe se ainda desejava ir avante. Ele respondeu: “Mesmo interditado em todas as cidades, irei.”9.Ibid.GCC 69.6

    Em Erfurt, Lutero passou pelas ruas que muitas vezes atravessara, visitou sua cela no convento e pensou nas lutas pelas quais a luz que agora inundava a Alemanha se derramara em sua vida. Insistira-se com ele que pregasse. Isto lhe havia sido vedado, mas o arauto concedeu-lhe permissão, e o frade que outrora fora o serviçal do convento, subiu agora ao púlpito.GCC 69.7

    O povo ouvia como que extasiado. O pão da vida foi partido àquelas pessoas. Perante elas Cristo foi levantado acima de papas, legados, imperadores e reis. Lutero não fez referência alguma à sua perigosa posição. Em Cristo perdera de vista o próprio eu. Escondera-se detrás do Homem do Calvário, procurando apenas apresentar a Jesus como o Redentor do pecador.GCC 69.8

    Coragem de mártir — Enquanto o reformador prosseguia, uma ávida multidão se acotovelava em redor dele, e vozes amigas advertiam-no dos propósitos dos romanistas. “Eles vos queimarão”, diziam alguns, “e reduzirão vosso corpo a cinzas, como fizeram com João Huss.” Lutero respondia: “Ainda que acendessem por todo o caminho de Worms a Wittenberg uma fogueira [...] em nome do Senhor eu caminharia pelo meio dela; compareceria perante eles [...] e confessaria o Senhor Jesus Cristo.”10.Ibid.GCC 70.1

    Sua aproximação de Worms estabeleceu grande comoção. Amigos tremiam por sua segurança; inimigos temiam pelo êxito de sua causa. Por instigação dos adeptos do papa, insistiu-se com que ele se retirasse para o castelo de um fidalgo amigo, onde, declaravam, todas as dificuldades poderiam ser amigavelmente resolvidas. Amigos descreviam os perigos que o ameaçavam. Lutero, ainda inabalável, declarou: “Mesmo que houvesse tantos demônios em Worms quantas telhas existem nos telhados, eu ali entraria.”11.Ibid.GCC 70.2

    À sua chegada em Worms, vasta multidão se congregou junto às portas para dar-lhe as boas-vindas. A excitação era intensa. “Deus será a minha defesa”, disse Lutero ao saltar da carruagem. Sua chegada encheu os romanistas de consternação. O imperador convocou seus conselheiros. Como deveriam agir? Um romanista rígido declarou: “Temo-nos consultado durante muito tempo acerca deste assunto. Livre-se vossa majestade imperial deste homem, e duma vez. Não fez Sigismundo com que João Huss fosse queimado? Não somos obrigados a dar ou observar o salvo-conduto de um herege.” “Não”, disse o imperador, “devemos cumprir nossa promessa.”12.Ibid., livro 7, cap. 8. Decidiu-se, portanto, que o reformador seria ouvido.GCC 70.3

    Toda a cidade achava-se ansiosa por ver este homem notável. Lutero, cansado da viagem, necessitava de sossego e repouso. Entretanto, mal havia desfrutado o descanso de algumas horas quando ao seu redor se reuniram avidamente nobres, cavaleiros, sacerdotes e cidadãos. Entre estes se encontravam muitos dos nobres que ousadamente haviam requerido reformas dos abusos eclesiásticos ao imperador. Inimigos, tanto quanto amigos, foram ver o intrépido monge. Seu porte era firme e corajoso. O rosto, pálido e magro, apresentava uma expressão amável e mesmo alegre. A profunda sinceridade de suas palavras conferia-lhe um poder a que mesmo os inimigos não podiam resistir completamente. Alguns estavam convictos de que uma divina influência o acompanhava; outros declaravam, como fizeram os fariseus em relação a Cristo: “Ele tem demônio”. João 10:20.GCC 70.4

    No dia seguinte um oficial imperial foi designado para conduzir Lutero ao salão de audiência. Todas as ruas estavam cheias de espectadores ávidos por ver o monge que ousara resistir ao papa. Um velho general, herói de muitas batalhas, disse-lhe amavelmente: “Pobre monge, vais agora assumir posição mais nobre do que eu ou qualquer de meus capitães jamais assumimos nas mais sanguinolentas de nossas batalhas. Mas, se tua causa é justa, [...] vai avante em nome de Deus, e nada temas. Deus não te abandonará.”13.Ibid.GCC 70.5

    Lutero comparece perante o Concílio — O imperador ocupava o trono, rodeado dos mais ilustres personagens do império. Martinho Lutero deveria agora responder por sua fé. “Aquele comparecimento era por si só uma assinalada vitória sobre o papado. O papa condenara o homem, e agora estava ele em pé, diante de um tribunal que, por esse mesmo ato, se colocava acima do papa. Este o havia posto sob interdito, separando-o de toda a sociedade humana; e, no entanto, ele era chamado em linguagem respeitosa, e recebido perante a mais augusta assembléia do mundo. [...] Roma descia já do trono, e era a voz de um monge que determinava esta humilhação.”14.Ibid.GCC 71.1

    O reformador de humilde nascimento parecia intimidado e embaraçado. Vários príncipes aproximaram-se dele, e um lhe segredou: “Não temais os que matam o corpo e não podem matar a alma.” Outro disse: “Por Minha causa sereis levados à presença de governadores e reis. [...] Não cuideis em como, ou o que haveis de responder [...] visto que [...] o Espírito de vosso Pai é quem vos fala”. Mateus 10:28, 18-20.GCC 71.2

    Profundo silêncio caiu sobre a assembléia congregada. Então um oficial imperial se ergueu e, apontando aos escritos de Lutero, exigiu que o reformador respondesse a duas perguntas: Se ele os reconhecia como seus e se se dispunha a retratar-se das opiniões que neles emitira. Lidos os títulos dos livros, Lutero respondeu, quanto à primeira pergunta, que os reconhecia como seus. “Quanto à segunda”, disse ele, “eu agiria imprudentemente se respondesse sem reflexão. Poderia afirmar menos do que as circunstâncias exigem, ou mais do que a verdade requer. Por esta razão, com toda a humildade, eu rogo a vossa majestade imperial conceder-me tempo para que eu possa responder sem ofensa à Palavra de Deus.”15.Ibid.GCC 71.3

    Lutero convenceu a assembléia de que não agia por paixão ou impulso. Semelhante calma e domínio próprio, inesperados em quem se mostrara ousado e intransigente, habilitaram-no a responder com sabedoria e dignidade que surpreendiam seus adversários e repreendiam sua insolência.GCC 71.4

    No dia seguinte ele deveria apresentar sua resposta final. Durante algum tempo seu coração se abateu. Seus inimigos pareciam a ponto de triunfar. Nuvens se acumulavam ao seu redor e pareciam separá-lo de Deus. Em angústia de espírito lançou-se em clamores entrecortados e pungentes, os quais ninguém, senão Deus, poderia compreender plenamente.GCC 71.5

    “Ó Deus todo-poderoso e eterno”, implorou ele, “se é unicamente na força deste mundo que devo pôr minha confiança, tudo está acabado. [...] É vinda a minha última hora, minha condenação foi pronunciada. [...] Ó Deus, ajuda-me contra toda a sabedoria do mundo. [...] A causa é Tua [...] e é uma causa justa e eterna. Ó Senhor, auxilia-me! Deus fiel e imutável, em homem algum ponho a minha confiança. [...] Escolheste-me para esta obra. [...] Fica a meu lado, por amor de Teu bem-amado Jesus Cristo, que é minha defesa, meu escudo e torre forte.”16.Ibid.GCC 72.1

    Não era, contudo, o temor do sofrimento pessoal, da tortura ou da morte, o que o oprimia com seus horrores. Sentia sua insuficiência. Por sua fraqueza, a causa da verdade poderia sofrer dano. Não pela sua própria segurança, mas para a vitória do evangelho, lutava ele com Deus. Em seu completo desamparo, sua fé se firmou em Cristo, o poderoso Libertador. Não compareceria sozinho perante o Concílio. A paz voltou-lhe ao espírito, e ele se regozijou de que lhe fosse permitido exaltar a Palavra de Deus perante os governadores das nações.GCC 72.2

    Lutero meditou sobre o plano de sua resposta, examinou passagens de seus escritos e tirou das Escrituras as provas convincentes para o apoio de suas posições. Então, colocando a mão esquerda sobre o Sagrado Volume, levantou a destra para o céu e votou “permanecer fiel ao evangelho e confessar francamente sua fé, mesmo que tivesse de selar com o sangue seu testemunho”.17.Ibid.GCC 72.3

    Lutero novamente perante a Dieta — Ao ser de novo introduzido à presença da Dieta, ele se achava calmo e cheio de paz, ainda que valoroso e nobre, como testemunha de Deus entre os grandes da Terra. O oficial imperial demandou então a sua decisão. Desejava ele retratar-se? Lutero respondeu em tom humilde, sem violência nem paixão. Suas maneiras eram tímidas e respeitosas; manifestou, contudo, confiança e alegria que surpreenderam a assembléia.GCC 72.4

    “Sereníssimo imperador, ilustres príncipes, graciosos fidalgos”, disse Lutero; “compareço neste dia perante vós, em conformidade com a ordem a mim dada ontem. Se, por ignorância, eu transgredir os usos e etiquetas das cortes, rogo-vos perdoar-me; pois não fui criado nos palácios dos reis, antes na reclusão de um convento.”18.Ibid.GCC 72.5

    Declarou então que em suas obras, algumas haviam tratado da fé e das boas obras; mesmo seus inimigos as declaravam proveitosas. Abjurá-las seria condenar verdades que todos confessavam. A segunda classe consistia de escritos que expunham as corrupções e os abusos do papado. Revogá-las seria o mesmo que fortalecer a tirania de Roma e abrir uma porta mais larga a grandes impiedades. Na terceira classe de obras atacara indivíduos que haviam defendido erros existentes. Em relação a eles confessou francamente que tinha sido mais violento do que convinha. Mesmo esses livros, porém, não poderia ele revogar, pois os inimigos neste caso aproveitariam a ocasião para afligir o povo de Deus com crueldade ainda maior.GCC 72.6

    Prosseguiu ele: “Defender-me-ei como o fez Cristo: ‘Se falei mal, dá testemunho do mal.’ [...] Pela misericórdia de Deus, conjuro-vos, sereníssimo imperador, e a vós, ilustríssimos príncipes, e a todos os homens de toda categoria, a provar pelos escritos dos profetas e dos apóstolos, que errei. Logo que estiver convicto disso, retratarei todo erro e serei o primeiro a lançar mão de meus livros e atirá-los ao fogo. [...]GCC 73.1

    “Longe de me desanimar, regozijo-me por ver que o evangelho é hoje, como nos tempos antigos, causa de perturbação e dissensão. Este é o caráter, este é o destino da Palavra de Deus. ‘Não vim trazer paz à Terra, mas espada’, disse Jesus Cristo. [...] Acautelai-vos para que não aconteça que, supondo estar apagando dissensões, persigais a santa Palavra de Deus e arrosteis sobre vós mesmos um pavoroso dilúvio de insuperáveis perigos, de desastres presentes e desolação eterna.”19.Ibid.GCC 73.2

    Lutero falara em alemão; foi-lhe pedido então que repetisse as mesmas palavras em latim. Fez novamente seu discurso, com a clareza e energia de antes. A providência de Deus dirigiu isso. O espírito de muitos dos príncipes estava tão obliterado pelo erro e superstição que à primeira vista não viram a força do raciocínio de Lutero; mas a repetição habilitou-os a perceber claramente os pontos apresentados.GCC 73.3

    Os que obstinadamente fechavam os olhos à luz, enraiveceram-se contra o poder das palavras de Lutero. O anunciador da Dieta disse, irado: “Não respondestes à pergunta feita. [...] Exige-se que dês resposta clara e precisa. [...] Retratar-te-ás, ou não?”GCC 73.4

    O reformador respondeu: “Visto que vossa sereníssima majestade e vossas nobres altezas exigem de mim resposta clara, simples e precisa, vou dá-la, e é esta: Não posso submeter minha fé, quer ao papa, quer aos concílios, porque é claro como o dia que eles têm freqüentemente errado e se contradito um ao outro. A menos que eu seja convencido pelo testemunho das Escrituras, [...] não posso retratar-me e não me retratarei, pois é perigoso a um cristão falar contra a consciência. Aqui permaneço, não posso fazer outra coisa; queira Deus ajudar-me. Amém.”20.Ibid.GCC 73.5

    Assim se manteve esse homem justo. Sua grandeza e pureza de caráter, sua paz e alegria de coração eram manifestas a todos ao testificar ele da superioridade da fé que vence o mundo.GCC 73.6

    Em sua primeira resposta Lutero falara em atitude respeitosa, quase submissa. Os romanistas haviam interpretado o pedido de delonga como simples prelúdio de sua retratação. O próprio Carlos, observando com certo desdém a constituição abatida do monge, seu traje singelo e a simplicidade de suas maneiras, havia declarado: “Este monge nunca fará de mim um herege.” A coragem e firmeza que agora ostentara, o poder de seu raciocínio, encheram de surpresa a todos os partidos. O imperador, possuído de admiração, exclamou: “Este monge fala com coração intrépido e inabalável coragem.”GCC 73.7

    Os partidários de Roma haviam sido vencidos. Procuravam manter seu poder, não apelando para as Escrituras, mas recorrendo às ameaças — o infalível argumento de Roma. Disse o anunciador da Dieta: “Se não te retratares, o imperador e os governos do império consultar-se-ão quanto à conduta a adotar contra um herege incorrigível.”GCC 74.1

    Lutero disse calmamente: “Queira Deus ser meu ajudador, pois não tenho coisa alguma de que retratar-me.”21.Ibid.GCC 74.2

    Foi-lhe ordenado que se retirasse da Dieta, enquanto os príncipes manteriam consultas mútuas. A persistente recusa de Lutero em submeter-se poderia afetar a história da igreja durante séculos. Decidiu-se oferecer-lhe mais uma oportunidade para abjurar. Novamente foi apresentada a questão: renunciaria ele a suas doutrinas? “Não tenho outra resposta a dar”, disse ele, “a não ser a que já dei.”GCC 74.3

    Os chefes papais aborreceram-se de que seu poderio fosse desta maneira desprezado por um simples monge. Lutero falara a todos com dignidade e calma cristãs. Suas palavras haviam sido isentas de paixão e falsidade. Perdera de vista a si próprio e sentia unicamente que se achava na presença de Alguém infinitamente superior a papas, reis e imperadores. O Espírito de Deus fizera-Se presente, impressionando os corações dos principais do império.GCC 74.4

    Vários dos príncipes reconheceram ousadamente a justiça da causa de Lutero. Outra classe não exprimiu suas convicções, mas em ocasião posterior essas pessoas se tornaram destemidos sustentáculos da Reforma.GCC 74.5

    O eleitor Frederico ouvira com profunda emoção o discurso de Lutero. Com alegria e orgulho testemunhou a coragem e domínio próprio do doutor, e decidiu-se a permanecer ainda mais firmemente em sua defesa. Viu que a sabedoria de papas, reis e prelados fora reduzida a nada pelo poder da verdade.GCC 74.6

    Quando o representante papal percebeu o efeito produzido pelo discurso de Lutero, resolveu empregar todos os meios a seu alcance para levar a termo a derrota do reformador. Com eloqüência e habilidade diplomática, apresentou ao jovem imperador o perigo de sacrificar, pela causa de um monge desprezível, a amizade e apoio de Roma.GCC 74.7

    No dia que se seguiu à resposta de Lutero, Carlos anunciou à Dieta sua resolução em manter e proteger a religião católica. Medidas vigorosas seriam empregadas contra Lutero e as heresias por ele ensinadas: “Sacrificarei meus reinos, meus tesouros, meus amigos, meu corpo, meu sangue e minha vida. [...] Procederei [...] contra ele e seus adeptos como hereges contumazes, pela excomunhão, pelo interdito e por todos os meios calculados para destruí-los.”22.Ibid., livro 7, cap. 9. Não obstante, o imperador declarou que o salvo-conduto de Lutero deveria ser respeitado. Deveria ser-lhe permitido chegar ao lar em segurança.GCC 74.8

    Ameaçado o salvo-conduto de Lutero — Os representantes do papa novamente demandavam que o salvo-conduto do reformador fosse desrespeitado. “O Reno deveria receber suas cinzas, como recebeu as de João Huss, há um século.”23.Ibid. Porém, príncipes alemães, embora inimigos declarados de Lutero, protestaram contra tal brecha da fé pública. Apontavam às calamidades que se seguiram à morte de Huss. Não ousariam atrair sobre a Alemanha a repetição daqueles terríveis males.GCC 75.1

    Carlos, respondendo à vil proposta, disse: “Embora fossem a honra e a fé banidas do mundo todo, deveriam encontrar um refúgio no coração dos príncipes.”24.Ibid. Houve ainda mais insistência por parte dos inimigos papais de Lutero no sentido de que este fosse tratado como Sigismundo fizera com Huss. Lembrando-se, porém, da cena em que Huss, em assembléia pública, apontara a suas cadeias e lembrara ao monarca a sua fé empenhada, Carlos V declarou: “Eu não gostaria de corar como Sigismundo.”25.Lenfant, v. 1, p. 422.GCC 75.2

    Não obstante, Carlos rejeitou deliberadamente as verdades apresentadas por Lutero. Não deixaria a senda do costume a fim de andar nos caminhos da verdade e justiça. Em virtude de seus pais terem feito o mesmo, ele também apoiaria o papado. Recusou-se, assim, a aceitar qualquer luz em acréscimo à que seus pais haviam recebido.GCC 75.3

    Muitos hoje se apegam às tradições de seus pais. Quando o Senhor lhes envia mais luz, recusam-se a aceitá-la porque seus pais não a haviam acolhido. Não seremos aprovados por Deus olhando para o exemplo de nossos pais a fim de determinar nosso dever, em vez de pesquisar por nós mesmos a Palavra da verdade. Somos responsáveis pela luz adicional da Palavra de Deus, que brilha sobre nós hoje.GCC 75.4

    O divino poder falara por intermédio de Lutero ao imperador e príncipes da Alemanha. Seu Espírito contendeu pela última vez com muitos naquela assembléia. Como Pilatos, séculos antes, Carlos V, cedendo ao orgulho mundano, decidiu-se a rejeitar a luz da verdade.GCC 75.5

    Os planos estabelecidos contra Lutero circularam amplamente, causando grande agitação por toda a cidade. Muitos amigos, conhecendo a traiçoeira crueldade de Roma, resolveram que o reformador não deveria ser sacrificado. Centenas de nobres se comprometeram a protegê-lo. Às portas das casas e em lugares públicos, foram afixados cartazes, alguns condenando e outros apoiando Lutero. Num deles estavam escritas as significativas palavras: “Ai de ti, ó terra, cujo rei é criança!” Eclesiastes 10:16. O entusiasmo popular em favor de Lutero convenceu o imperador e a Dieta de que qualquer injustiça a ele manifesta faria perigar a paz do império e a estabilidade do trono.GCC 75.6

    Esforços em comprometer-se com Roma — Frederico da Saxônia cuidadosamente ocultou seus verdadeiros sentimentos em relação ao reformador. Ao mesmo tempo o guardava com incansável vigilância e observava os movimentos de seus inimigos. Muitos, porém, não fizeram qualquer esforço por esconder sua simpatia por Lutero. “A salinha do doutor”, escreveu Spalatin, “não podia conter todos os visitantes que se apresentavam.”26.Martyn, v. 1, p. 404. Mesmo os que não tinham fé em suas doutrinas, não podiam deixar de admirar aquela integridade que o levara a afrontar a morte de preferência a violar a consciência.GCC 76.1

    Ardentes esforços foram feitos a fim de que Lutero consentisse em se comprometer com Roma. Nobres e príncipes lembraram-lhe que, se persistisse em colocar seu próprio juízo contra o da igreja e dos concílios, seria logo banido do império e já não teria defesa. De novo insistiu-se em que ele se submetesse ao juízo do imperador, e então nada teria a temer. “Consinto”, disse ele em resposta, “de todo o meu coração, que o imperador, os príncipes e mesmo o mais obscuro cristão, examinem e julguem os meus livros; mas sob uma condição: que tomem a Palavra de Deus como norma. Os homens nada têm a fazer senão obedecer-lhe.”GCC 76.2

    A outro apelo ele respondeu: “Consinto em renunciar ao salvo-conduto. Coloco minha pessoa e minha vida nas mãos do imperador, mas a Palavra de Deus — nunca!”27.D'Aubigné, livro 7, cap. 10. Declarou estar disposto a submeter-se à decisão de um concílio geral, mas sob a condição de que se exigisse que tal concílio tomasse decisões de acordo com as Escrituras. “No tocante à Palavra de Deus e à fé, todo cristão é juiz tão bom como pode ser o próprio papa, embora apoiado por um milhão de concílios.”28.Martyn, v. 1, p. 410. Tanto amigos como adversários finalmente se convenceram de que seriam em vão quaisquer outros esforços de reconciliação.GCC 76.3

    Houvesse o reformador cedido num único ponto, Satanás e suas hostes teriam ganho a vitória. Mas sua persistente firmeza foi o meio de emancipação da igreja. A influência desse único homem, que ousou pensar e agir por si mesmo, deveria afetar a igreja e o mundo, não apenas em seu próprio tempo, como em todas as gerações futuras.GCC 76.4

    O imperador logo ordenou a Lutero que retornasse ao lar. Este aviso seria imediatamente seguido de sua condenação. Nuvens ameaçadoras pairavam sobre seu caminho, mas ele partiu de Worms com o coração cheio de alegria e louvor.GCC 76.5

    Depois de sua partida, desejoso de que sua firmeza não fosse confundida com rebelião, Lutero escreveu ao imperador: “Estou pronto para, da maneira mais ardorosa, obedecer a vossa majestade, na honra e na desonra, na vida e na morte, e sem exceções, a não ser a Palavra de Deus, pela qual o homem vive. [...] Quando se acham envolvidos interesses eternos, Deus não quer que o homem se submeta ao homem, pois tal submissão em assuntos espirituais é verdadeiro culto, e este deve ser prestado unicamente ao Criador.”29.D'Aubigné, livro 7, cap. 11.GCC 76.6

    Na viagem de volta de Worms, eclesiásticos principescos davam as boas-vindas ao monge excomungado, e governadores civis honravam ao homem que o imperador denunciara. Insistiu-se com ele que pregasse e, não obstante a proibição imperial, de novo subiu ao púlpito. “Nunca me comprometi a acorrentar a Palavra de Deus”, disse ele, “nem o farei.”30.Martyn, v. 1, p. 420.GCC 77.1

    Não estivera ainda muito tempo ausente de Worms quando os chefes papais coagiram o imperador a promulgar um edito contra ele. Lutero foi denunciado como “o próprio Satanás sob a forma de homem e sob as vestes de monge”.31.D'Aubigné, livro 7, cap. 11. Logo que expirasse seu salvo-conduto, todas as pessoas seriam proibidas de abrigá-lo, de oferecer-lhe comida ou bebida, ou por palavras e atos, em público ou em particular, auxiliá-lo ou apoiá-lo. Deveria ser entregue às autoridades, e seus adeptos também deveriam ser presos, e suas propriedades confiscadas. Seus escritos deveriam ser destruídos e, finalmente, todos que ousassem agir contrariamente àquele decreto seriam incluídos em sua condenação. O eleitor da Saxônia e os príncipes mais amigos de Lutero tinham-se retirado de Worms logo depois de sua partida, e o decreto do imperador recebeu a sanção da Dieta. Achavam-se jubilosos os romanistas. Consideravam selada a sorte da Reforma.GCC 77.2

    Deus usa Frederico da Saxônia — Um olhar vigilante acompanhara os movimentos de Lutero, e um coração verdadeiro e nobre decidira o seu livramento. Deus provera a Frederico da Saxônia um plano destinado a preservar o reformador. Em sua viagem de volta para casa Lutero foi separado dos que o acompanhavam e precipitadamente transportado através da floresta, para o castelo de Wartburgo, uma isolada fortaleza nas montanhas. Seu esconderijo ficou de tal modo envolto em mistério, que o próprio Frederico não soube para onde fora ele conduzido. Esta ignorância teve seu desígnio; enquanto o eleitor nada soubesse, nada poderia revelar. Satisfeito de que o reformador estivesse em segurança, ficou contente.GCC 77.3

    Passaram-se a primavera, o verão e o outono, e chegou o inverno, e Lutero ainda permanecia prisioneiro. Aleandro e seus partidários exultavam. A luz do evangelho parecia prestes a extinguir-se. Mas a luz do reformador deveria resplandecer com maior brilho.GCC 77.4

    Segurança em Wartburgo — Na proteção amiga de Wartburgo, Lutero se regozijou em seu livramento do ardor e torvelinho da batalha. Contudo, acostumado a uma vida de atividade e acirrado conflito, mal suportava permanecer inativo. Naqueles dias de solidão, surgia diante dele o estado da igreja. Receava ser acusado de covardia por afastar-se da contenda. Acusava-se, então de indolência e condescendência própria.GCC 77.5

    Entretanto, ao mesmo tempo produzia diariamente mais do que parecia possível a um homem fazer. Sua pena nunca estava ociosa. Seus inimigos espantavam-se e confundiam-se diante da prova palpável de que ele ainda estava em atividade. Grande número de folhetos de sua autoria circulavam pela Alemanha toda. De sua Patmos rochosa, continuou durante quase um ano inteiro a proclamar o evangelho e a repreender os erros da época.GCC 77.6

    Deus retirara Seu servo do cenário da vida pública. Na solidão e obscuridade de seu retiro na montanha, Lutero foi removido do apoio terrestre e excluído dos louvores humanos. Foi desta maneira salvo do orgulho e confiança própria, tantas vezes determinados pelo êxito.GCC 78.1

    Ao exultarem os homens na libertação que a verdade lhes traz, Satanás procura desviar de Deus os seus pensamentos e afeições, e fixá-los nos fatores humanos, de modo a honrar o instrumento e ignorar a Mão que dirige os acontecimentos da providência. Com demasiada freqüência os líderes religiosos que assim são louvados acabam por confiar em si mesmos. O povo é levado a olhar para eles em busca de orientação, em vez de esperá-la da Palavra de Deus. Deste perigo Deus haveria de guardar a Reforma. Os olhares dos homens haviam-se voltado para Lutero como o expositor da verdade; ele foi removido para que todos os olhares pudessem dirigir-se ao sempiterno Autor da verdade.GCC 78.2

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