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    19 – O Sábado e o Primeiro Dia durante os Cinco Primeiros Séculos

    Contraste entre a origem do sábado e da festa do sol – A entrada dessa festa na igreja – Comparação entre os escritores modernos e os antigos – A observância do sábado pelos primeiros cristãos – O testemunho de Morer – De Twisse – De Giesler – De Mosheim – De Coleman – Do bispo Taylor – O sábado perde espaço para a festa do domingo – Vários grupos de guardadores convictos do sábado – O testemunho de Brerewood – A lei dominical de Constantino – O domingo como dia de trabalho na igreja primitiva – O edito de Constantino: uma lei pagã, sendo ele próprio pagão na época – O bispo de Roma usa sua autoridade para dar ao domingo o nome de “dia do Senhor” – Heylyn narra os passos para a ascensão do domingo ao poder – Mudança marcante na história dessa instituição – O paganismo entra para a igreja – Enfraquecimento do sábado pela influência de Constantino – Fatos marcantes acerca de Eusébio – O sábado volta a ganhar força – O concílio de Laodiceia profere uma maldição sobre os guardadores do sábado – Progresso marcante da apostasia – Análise sobre a autoridade dos concílios eclesiásticos – Crisóstomo – Jerônimo – Agostinho – Leis dominicais – O testemunho de Sócrates acerca do sábado na metade do quinto século – De Sozomeno – A supressão efetiva do sábado no fim do quinto séculoHS 219.1

    A origem do sábado e da festa do domingo já foi distintamente compreendida. Quando Deus criou o mundo, deu o sábado ao ser humano a fim de que este não se esquecesse do Criador de todas as coisas. Quando a humanidade se apostatou de Deus, Satanás levou as pessoas a adorar o sol, e, como memorial permanente da veneração que elas prestavam a esse luminar, ele as levou a dedicar o primeiro dia da semana à honra do sol. Quando os elementos da apostasia amadureceram o suficiente dentro da igreja cristã, essa antiga festa se levantou como rival do sábado do Senhor. Já foi mostrado como ela conseguiu se infiltrar dentro da igreja cristã; e foram apresentados muitos fatos, com consequências importantes sobre a luta entre essas instituições rivais. Nos capítulos anteriores, apresentamos as declarações dos mais antigos autores cristãos acerca da observância do sábado e do primeiro dia na igreja primitiva. Ao passarmos agora a delinear a história desses dois dias ao longo dos cinco primeiros séculos da era cristã, apresentaremos as declarações de historiadores modernos da igreja, que discorrem sobre os mesmos temas que os primeiros pais. Daremos, também, continuidade às citações dos escritores antigos, mostrando os testemunhos dos primeiros historiadores da igreja. O leitor poderá então descobrir como os autores antigos e modernos estão praticamente em acordo. Morer diz o seguinte acerca da observância do sábado na igreja primitiva:HS 219.2

    “Os primeiros cristãos tinham grande veneração pelo sábado, e passavam o dia em devoção e sermões. E não se deve duvidar de que receberam essa prática dos próprios apóstolos, conforme atestam vários documentos sobre o assunto. Guardando tanto esse dia quanto o primeiro da semana, deram ocasião para que, nas eras subsequentes, os dois se unissem e se transformassem em uma só festa, muito embora não houvesse o mesmo motivo para a continuação do costume como houve para dar-lhe início.”1Dialogues on the Lord’s Day, p. 189.HS 220.1

    O doutor em divindade William Twisse, erudito escritor inglês do século 17, favorável ao primeiro dia, descreve a história inicial desses dois dias da seguinte maneira:HS 220.2

    “No entanto, por algumas centenas de anos na igreja primitiva, não só o dia do Senhor, mas também o sétimo dia eram religiosamente observados, não apenas por Ebion e Cerinto, mas também por outros cristãos piedosos. Barônio escreve, e Gomarus e Rivet confessam, que nossa consciência nos coloca sob a obrigação, segundo o evangelho, de dedicar ao serviço de Deus uma proporção de tempo melhor do que a que os judeus dedicaram debaixo da lei, em vez de uma proporção pior.”2Morality of the Fourth Commandment, p. 9, Londres, 1641.HS 220.3

    Giesler testifica explicitamente de que a observância do sábado não se restringia aos conversos judeus:HS 220.4

    “Os cristãos judeus da Palestina conservaram toda a lei mosaica e, consequentemente, as festas judaicas, ao passo que os cristãos gentios observavam também o sábado e a Páscoa,31 Coríntios 5:6-8. com referência às últimas cenas da vida de Jesus, mas sem superstições judaicas. Além desses, o domingo, por ser o dia da ressurreição de Cristo, era dedicado a cultos religiosos.”4Eccl. Hist., vol. 1, cap. 2, seção 30.HS 220.5

    Pode-se pensar que a declaração de Mosheim contradiz a de Giesler. Ele diz:HS 220.6

    “O sétimo dia da semana também era observado como uma festa, não pelos cristãos em geral, mas somente pelas igrejas compostas principalmente por conversos judeus. Os outros cristãos não censuravam tal costume como criminoso e ilícito.”5Eccl. Hist., livro 1, séc. 1, parte 2, cap. 4, seção 4. A tradução do Dr. Murdock é mais precisa do que a de Maclaine, citada acima. Ele diz o seguinte: “Além disso, as congregações que eram compostas ou por uma mescla de judeus ou, em grande parte, por judeus, também estavam acostumadas a guardar o sétimo dia da semana como dia santo. Por fazê-lo, os outros cristãos não os condenavam.HS 220.7

    Observe que Mosheim não nega que os conversos judeus guardavam o sábado. Ele nega que isso fosse feito pelos cristãos gentios. A prova de sua negação se encontra no seguinte texto de sua autoria:HS 220.8

    “As igrejas da Bitínia, das quais Plínio fala em sua carta a Trajano, só tinham um dia estabelecido para a celebração de adoração pública; e esse dia era, sem dúvida, o primeiro dia da semana, ou o que chamamos de dia do Senhor.”6Idem, margem.HS 221.1

    O ponto que Mosheim está tentando provar é este: os cristãos gentios não guardavam o sábado. Mas o fato que ele apresenta como prova é este: as igrejas da Bitínia se reuniam em um dia determinado para celebrar a adoração a Deus. Observa-se, portanto, que a conclusão não procede, e é totalmente desautorizada pelo testemunho.7Ver cap. 14 desta obra. Mas esse caso mostra a destreza de Mosheim em propor inferências, e nos lança certa luz sobre o tipo de evidência que apoia algumas de suas abrangentes declarações a favor do domingo. Quem é capaz de dizer que esse “dia estabelecido” não era justamente aquele ordenado pelo quarto mandamento? Coleman diz o seguinte acerca do sábado e do primeiro dia nas eras iniciais da igreja:HS 221.2

    “O último dia da semana era guardado de forma estrita, em conexão com o primeiro dia, por um bom tempo depois da destruição do templo e de sua adoração. Até o quinto século, a observância do sábado judaico continuou ocorrendo dentro da igreja cristã, mas seu rigor e solenidade diminuíram gradualmente até que ela foi interrompida por completo.”8Ancient Christianity Exemplified, cap. 26, seção 2.HS 221.3

    Essa é uma declaração muito explícita de que o sábado bíblico foi observado, durante muito tempo, pelo corpo da igreja cristã. Coleman é um autor que defende o primeiro dia, estando, portanto, livre de qualquer propensão para enfatizar demasiadamente o sétimo dia. Ele é um escritor moderno, mas, por meio de autores antigos, já provamos que suas declarações são verdadeiras. É verdade que Coleman também fala do primeiro dia da semana; todavia, sua linguagem revela que demorou muito tempo até que este se tornasse um dia santo:HS 221.4

    “Durante as eras iniciais da igreja, ele nunca foi intitulado ‘o sábado’. Tal palavra se restringia ao sétimo dia da semana, o sábado judaico, que, conforme vimos, continuou a ser guardado por vários séculos pelos conversos ao cristianismo.”9Anc. Christ. Exem., cap. 26, seção 2.HS 221.5

    Esse fato fica ainda mais claro por meio das palavras a seguir, em que este historiador admite que o domingo não passa de uma ordenança humana:HS 221.6

    “Nem Cristo, nem os apóstolos parecem ter dado alguma lei ou preceito a fim de anular o sábado judaico ou instituir o dia do Senhor, ou ainda para substituir o sétimo dia da semana pelo primeiro.”10Ibid.HS 221.7

    Coleman parece não se dar conta de que, ao fazer essa afirmação verdadeira, ele reconhece claramente que o antigo sábado continua em pleno vigor como instituição divina, e que a observância do primeiro dia só é autorizada por tradições humanas. A seguir, ele relata como a festa do domingo, alimentada no seio da igreja, usurpou o lugar do sábado do Senhor. Trata-se de uma advertência a todos os cristãos sobre a tendência que as instituições humanas têm, quando acalentadas pelo povo de Deus, de destruir as instituições divinas. Que estas importantes palavras sejam ponderadas com todo cuidado. O historiador diz:HS 221.8

    “A observância do dia do Senhor foi ordenada enquanto o sábado dos judeus ainda era guardado. O sábado só foi suplantado pelo domingo quando o domingo adquiriu a mesma solenidade e importância que pertencia, a princípio, ao grande dia que Deus havia originalmente ordenado e abençoado. [...] Com o tempo, porém, após o dia do Senhor ser plenamente estabelecido, a observância do sábado dos judeus foi gradualmente descontinuada e, por fim, denunciada como herética.”11Ibid.HS 222.1

    Aqui se vê o resultado de alimentar na igreja essa inofensiva festa do domingo. A princípio, ela só exigia tolerância. Mas, ganhando força pouco a pouco, ela minou gradualmente o sábado do Senhor, e, por fim, denunciou como prática herética sua observância.HS 222.2

    Jeremy Taylor, distinto bispo da igreja anglicana, grande erudito, mas firme oponente da obrigação sabática, confirma o testemunho de Coleman. Ele afirma que o sábado foi observado pelos cristãos dos primeiros trezentos anos, mas nega que eles o fizessem em respeito à autoridade da lei de Deus. Contudo, nós já demonstramos, pelas palavras dos pais, que aqueles que santificavam o sábado o faziam como um ato de obediência ao quarto mandamento, e que o decálogo era reconhecido como sendo uma obrigação perpétua, e como a perfeita regra de justiça. Já que o bispo Taylor nega que esse era o fundamento pelo qual esses cristãos observavam o sábado, ele deveria ter apresentado algum outro fundamento, mas ele não o faz. Assim, ele declara:HS 222.3

    “O dia do Senhor não foi o sucessor do sábado, mas o sábado foi totalmente anulado, e o dia do Senhor consistia meramente em uma instituição eclesiástica. Ele não foi introduzido usando o argumento do quarto mandamento, porque, por quase trezentos anos consecutivos, eles guardaram o dia contido naquele mandamento. Contudo, eles o fizeram sem considerá-lo uma obrigação primária; e, consequentemente, não supunham se tratar de algo moral.”12Ductor Dubitantium, parte 1, livro 2, regra 6, seção 51.HS 222.4

    O ato do concílio de Laodiceia, em 364 d.C., prova que tal opinião acerca da obrigação do quarto mandamento, como não sendo uma obrigação moral, tinha se firmado amplamente entre os líderes da igreja já no quarto século, e provavelmente no terceiro. Tal ato excomungou aqueles que observavam o sábado, conforme veremos posteriormente. Mas muitos resistiram a essa visão vaga acerca da moralidade do quarto mandamento, fato que se verifica pela existência, nessa época, de vários grupos de guardadores persistentes do sábado, cuja memória chega até nós, e também pelo fato de o concílio ter feito um esforço tão enérgico para rebaixar o sábado. Coleman retratou com clareza o enfraquecimento gradual do sábado, à medida que a festa do primeiro dia ganhava força, até que a observância do sábado se tornou prática herética, na ocasião em que, por autoridade eclesiástica, o sábado foi suprimido e a festa do domingo se tornou plenamente estabelecida como uma instituição nova e distinta. A consequência natural dessa decisão foi o surgimento de diferentes seitas ou grupos que se distinguiam pela guarda do sétimo dia. Não nos surpreende que eles tenham sido denunciados como hereges e falsamente acusados de muitos erros, uma vez que a memória de sua existência chegou até nós por meio de seus oponentes; além disso, os guardadores do sábado em nossa época também são frequentemente tratados dessa mesma maneira. O primeiro desses antigos grupos de guardadores do sábado foi o dos nazarenos. Acerca disso, Morer testifica que elesHS 222.5

    “mantiveram o sábado; e, embora fingissem crer como os cristãos, eles, contudo, agiam como os judeus; assim, não eram, de fato, nem um nem outro.”13Dialogues on the Lord’s Day, p. 66.HS 223.1

    O Dr. Frances White, bispo de Ely, menciona os nazarenos como um dos antigos grupos de guardadores do sábado, que eram condenados pelos líderes da igreja por essa heresia. E ele os classifica como hereges, assim como Morer.14A Treatise of the Sabbath Day, contendo “A Defense of the Orthodoxal Doctrine of the Church of England against Sabbatarian Novelty” [Defesa da Doutrina Ortodoxa da Igreja Anglicana contra o Modismo Sabatista], p. 8. Foi escrito em 1635 por ordem do rei em resposta a Brabourne, ministro da igreja estatal, cuja obra “A Defense of that most Ancient and Sacred Ordinance of God’s, the Sabbath Day” [Defesa da Mais Antiga e Sagrada das Ordenanças de Deus, o Dia de Sábado] foi dedicada ao rei com o pedido de que ele restaurasse o sábado bíblico! Ver o prefácio ao tratado do Dr. White. Todavia, os nazarenos têm um motivo especial para receber nossa estima, por serem, na verdade, a igreja apostólica de Jerusalém e seus sucessores diretos. Gibbon testemunha:HS 223.2

    “Os conversos judeus, ou, conforme passaram a ser chamados depois, os nazarenos, que lançaram os alicerces da igreja, logo se viram em grande estado de perplexidade ao verem a crescente multidão, das diversas religiões politeístas, alistando-se sob a bandeira de Cristo. [...] Os nazarenos se retiraram das ruínas de Jerusalém, indo até a pequena cidade de Pela além do Jordão, onde aquela antiga igreja foi definhando por mais de sessenta anos em solidão e obscuridade.”15Decline and Fall of the Roman Empire, cap. 15.HS 223.3

    Não é de se estranhar que a igreja que fugiu da Judeia em obediência à ordem de Cristo16Ver cap. 10. tenha preservado o sábado por tanto tempo, como ela parece ter feito, chegando até mesmo ao quarto século. Morer menciona outro grupo de guardadores do sábado com as seguintes palavras:HS 223.4

    “Por volta da mesma época, havia os hipsistarianos, que concordavam com esses acerca do sábado, contudo não aceitavam de maneira alguma a circuncisão, por se tratar de um testemunho muito claro da antiga escravidão. Todos esses eram hereges, e eram condenados pela igreja católica como tais. Todavia, seu alto grau de hipocrisia e astúcia lhes conquistou considerável influência dentro do mundo cristão.”17Dialogues on the Lord’s Day, p. 67.HS 223.5

    O bispo de Ely também os reconhece como um grupo de guardadores do sábado cuja heresia era condenada pela igreja.18Treatise of the Sabbath Day, p. 8. O instruído mestre Joseph Bingham faz o seguinte relato acerca deles:HS 224.1

    “Havia outra seita que se autodenominava hipsistarianos, isto é, adoradores do Deus altíssimo, a quem adoravam, à semelhança dos judeus, em uma só pessoa. Eles guardavam seus sábados e faziam distinção entre carnes limpas e imundas, muito embora não observassem a circuncisão, conforme relata Gregório de Nazianzo, cujo pai, em certa época, pertenceu a essa seita.”19Antiquities of the Christian Church, livro 16, cap. 6, seção 2.HS 224.2

    Deve-se lembrar que essas pessoas, a quem a igreja católica classificou como hereges, não falaram por si mesmos. Foram seus inimigos e acusadores que transmitiram para a posteridade tudo o que se conhece sobre sua história. Bom seria se os hereges, que pouca misericórdia recebem por parte dos escritores eclesiásticos, pudessem pelo menos usufruir da justiça imparcial de um relato verdadeiro.HS 224.3

    Um outro grupo é descrito da seguinte forma por Cox em sua elaborada obra intitulada Sabbath Laws and Sabbath Duties [Leis e Deveres do Sábado]:HS 224.4

    “Dessa maneira [isto é, apresentando o testemunho da Bíblia sobre o assunto] surgiram os antigos sabatistas, um grupo de importância reconhecidamente considerável no que se refere, tanto a números quanto à influência, durante a maior parte do terceiro século e início do século seguinte.”20Página 280. Cox cita aqui a obra chamada The Modern Sabbath Examined.HS 224.5

    O fim do terceiro século testemunhou o grande enfraquecimento do sábado no que diz respeito a sua influência sobre a igreja de modo geral, bem como a firme ascensão da festa do domingo, que, embora sem nenhuma autoridade divina, ganhava força e santidade. O testemunho histórico a seguir, de um membro da igreja anglicana, Edward Brerewood, professor do Gresham College, Londres, nos dá uma boa visão do assunto, embora as perspectivas antissabatistas do autor estejam nela misturadas:HS 224.6

    “O antigo sábado permaneceu sendo guardado, e era observado junto com a celebração do dia do Senhor, pelos cristãos da igreja oriental, por mais de trezentos anos após a morte do Salvador. E, além dele, nenhum outro dia, por um período maior do que as centenas de anos que acabei de mencionar, era conhecido na igreja com o nome de sábado, a não ser este. Que esta seja a lembrança e a conclusão de tudo: o sábado do sétimo dia, no que se refere às alegações de solene adoração a Deus quanto ao tempo, era cerimonial; esse sábado foi religiosamente observado na igreja do oriente por mais de trezentos anos após a paixão de nosso Salvador. Tal igreja, que consistia numa grande parte da cristandade, e tinha consigo a doutrina e o exemplo dos apóstolos para instruí-la, teria restringido tal prática, caso ela fosse perigosa.”21Learned Treatise of the Sabbath, p. 77, Oxford, 1631.HS 224.7

    Essa era a situação das igrejas orientais ao fim do terceiro século. Mas nas igrejas ocidentais que simpatizavam com a igreja de Roma, o sábado havia sido tratado como um jejum desde o início desse século, a fim de expressar sua oposição àqueles que o guardavam conforme o mandamento.HS 225.1

    Na primeira parte do quarto século, ocorreu um evento imprevisto, mas que representou um forte peso a favor do domingo na balança já oscilante entre as duas instituições rivais, o sábado do Senhor e a festa do sol. Este foi nada menos que um edito proveniente do trono do império romano em favor do “venerável dia do sol”. Ele foi promulgado pelo imperador Constantino em 321 d.C., dizendo o seguinte:HS 225.2

    “Que todos os juízes e moradores das cidades, e os trabalhadores de todos os ofícios, descansem no venerável dia do sol; mas que os habitantes dos campos, sem qualquer restrição e em plena liberdade, cuidem do trabalho da agricultura; pois com frequência acontece de nenhum outro dia ser tão apropriado para semear milho e plantar vinhas; para que não aconteça de deixarem passar o momento crítico e perderem os produtos concedidos pelo Céu. Promulgado no sétimo dia de março; Crispo e Constantino sendo cônsules, ambos pela segunda vez.”22Esse edito é a fonte original da autoridade do primeiro dia, e, em muitos aspectos, é para a festa do domingo aquilo que o quarto mandamento é para o sábado do Senhor. O original desse edito pode ser consultado na biblioteca de Harvard, nas seguintes palavras:
    IMP. CONSTANT. A. ELPIDIO.
    Omnes Judices, urbanæque plebes, et cunctarum artium officia venerabili die solis quiescant. Ruri tamen positi agrorum culturæ libere licenterque inserviant: quoniam frequenter evenit, ut non aptius alio die frumenta sulcis, aut vineæ scrobibus mandentur, ne occasione momenti pereat commoditas coelesti provisione concessa. Dat. Nonis Mart. Crispo. 2 & Constantino 2. Coss. 321. Corpus Juris Civilis Codicis lib. iii tit. 12. 3.
    HS 225.3

    Acerca dessa lei, uma importante autoridade afirma:HS 225.4

    “Constantino, o Grande, foi o primeiro a criar uma lei para a observância apropriada do domingo. De acordo com Eusébio, ele ordenou que o dia fosse celebrado com regularidade em todo o império romano. Antes dele, e até mesmo em sua época, eles guardavam o sábado judaico, bem como o domingo, tanto para cumprir a lei de Moisés quanto para imitar os apóstolos, que costumavam se reunir no primeiro dia. Pela lei de Constantino, promulgada em 321, foi decretado que, a partir de então, o domingo deveria ser guardado como dia de descanso em todas as cidades e vilas; mas ele permitiu que as pessoas do campo continuassem seu trabalho.”23Encyc. Brit., verbete “Sunday”, 7ª ed., 1842.HS 225.5

    Outra autoridade eminente descreve o propósito dessa lei:HS 225.6

    “Constantino, o Grande, promulgou para todo o império (321 d.C.) a lei de que o domingo deveria ser guardado como dia de descanso em todas as cidades e vilas; mas permitiu que as pessoas do campo dessem continuidade a seu trabalho nesse dia.”24Encyc. Am., verbete “Sabbath”.HS 225.7

    Assim, é um fato inquestionável que esse decreto concedia total permissão para todos os tipos de trabalho agrícola. Portanto, o testemunho a seguir de Mosheim merece absoluta atenção:HS 226.1

    “O primeiro dia da semana, que era o momento comum e determinado para as assembleias públicas dos cristãos, passou a ser observado com maior solenidade do que antes em consequência de uma lei específica promulgada por Constantino.”25Eccl. Hist., séc. 4, parte 2, cap. 4, seção 5.HS 226.2

    O que irão dizer sobre isso os defensores da santidade do domingo? Eles citam Mosheim acerca da observância do domingo no primeiro século – cujo testemunho foi cuidadosamente examinado nesta obra26Cap. 14. – e parecem considerar que suas palavras de apoio à santidade do primeiro dia têm quase a mesma autoridade que as palavras do Novo Testamento; aliás, eles acreditam que Mosheim supre uma importante omissão das Escrituras. Todavia, esse autor afirma que a lei dominical de Constantino promulgada no quarto século, restringindo o comércio e os trabalhos manuais, mas permitindo toda espécie de trabalho agrícola, fez com que o dia fosse “observado com maior solenidade do que antes”. Logo, conclui-se, com base nas palavras do próprio Mosheim, que, ao longo dos três primeiros séculos, o domingo não era um dia de abstenção do trabalho na igreja cristã. O bispo Taylor dá o seguinte testemunho a esse respeito:HS 226.3

    “Os cristãos primitivos realizavam todo tipo de obra no dia do Senhor, mesmo nos períodos de perseguição, quando foram os mais estritos guardadores de todos os mandamentos divinos. Mas a esse respeito eles sabiam que não havia ordem nenhuma. Por isso, quando o imperador Constantino promulgou um edito contra o trabalho no dia do Senhor, ele abriu uma exceção, permitindo todos os trabalhos ligados à agricultura ou a qualquer outra obra do lavrador.”27Duct. Dubitant., parte 1, livro 2, cap. 2, regra 6, seção 59.HS 226.4

    Morer nos diz o seguinte a respeito dos três primeiros séculos, isto é, do período anterior a Constantino:HS 226.5

    “Não havia nenhuma ordem de que o dia do Senhor deveria ser santificado, mas ficou a critério do povo de Deus escolher este ou aquele dia para a adoração pública. Todavia, apesar de o dia ter sido escolhido e transformado em um dia de reuniões religiosas, por trezentos anos não houve nenhuma lei que obrigasse o povo a guardá-lo; e na ausência de tal lei, o dia não era inteiramente guardado por meio da abstenção dos negócios comuns. Além disso, a interrupção de seus afazeres cotidianos não ia além (tamanha era a necessidade naqueles tempos) do tempo que dedicavam ao culto divino.”28Dialogues on the Lord’s Day, p. 233.HS 226.6

    O senhor William Domville diz:HS 226.7

    “Séculos da era cristã se passaram até que o domingo começasse a ser observado pela igreja cristã como um sábado, ou dia de descanso. A história não nos fornece nenhuma prova ou indicativo de que o dia tenha sido guardado dessa maneira antes do edito sabático de Constantino em 321 d.C.”29Examination of the Six Texts, p. 291. Nota dos editores da edição em língua portuguesa: O termo “sabático” nessa passagem deve ser entendido como interrupção do trabalho ou como descanso de alguma atividade regular, não importando o dia. No caso do edito de Constantino, evidentemente, o termo se refere ao descanso dominical. Para o uso da palavra “Sabbath” [sábado] na cultura anglo-americana, ver nota 43, na página 90.HS 226.8

    Aquilo que esses escritores modernos afirmaram em relação ao trabalho no domingo antes do edito de Constantino, nós comprovamos plenamente nos capítulos anteriores, com base nos mais antigos autores eclesiásticos. Está fora de qualquer questionamento que tal edito cumpriu seu papel em fortalecer ainda mais a forte tendência a favor do domingo, já predominante na época, e grandemente enfraquecer a influência do sábado. Um qualificado escritor dá testemunho desse fato:HS 227.1

    “Logo depois que Constantino promulgou o edito ordenando a observância geral do domingo por todo o império romano, o grupo que advogava a observância do sétimo dia se reduziu à insignificância. A guarda do domingo como festa pública, durante a qual todo trabalho, com exceção das tarefas rurais, era interrompido, ficou cada vez mais estabelecida depois dessa época, tanto nas igrejas gregas quanto nas latinas. No entanto, não há evidência de que nesse período, ou em período muito posterior, a observância fosse vista como uma obrigação derivada do quarto mandamento. Ao que tudo indica, ela era considerada uma instituição de natureza correspondente ao Natal, à Sexta-feira Santa e a outras festas da igreja; e todas elas, incluindo a guarda do domingo, tinham como fundamento a autoridade e a tradição eclesiásticas.”30Cox, Sabbath Laws, etc., p. 280, 281. Ele cita The Modern Sabbath Examined.HS 227.2

    Esse edito extraordinário de Constantino levou o domingo a ser observado com maior solenidade do que até então. Todavia, temos provas conclusivas de que essa lei era de origem pagã, de que foi promulgada em favor do domingo como instituição pagã e não como uma festa cristã, e de que o próprio Constantino, além de nessa época não possuir um caráter cristão, era, na verdade, pagão. Deve-se observar que Constantino não chamou o dia que queria que as pessoas guardassem de “dia do Senhor”, “sábado cristão”, nem de “dia da ressurreição de Cristo”; ele também não apresentou qualquer razão para sua guarda que indicasse se tratar de uma festa cristã. Pelo contrário, ele utiliza linguagem inequívoca para nomear a antiga festa pagã do sol . O Dr. Hessey apoia tal declaração da seguinte forma:HS 227.3

    “Outros encaram o tratado sob uma luz totalmente diferente, recusando-se a ver no documento, ou a pressupor na mente de seu promulgador, qualquer reconhecimento do dia do Senhor como questão de obrigação divina. Argumentam, e muito verdadeiramente, que Constantino designa o dia por seu título astrológico ou pagão, Dies Solis, e insistem que o epíteto venerabilis, com o qual é introduzido, faz referência aos ritos realizados nesse dia em honra a Hércules, Apolo e Mitra.”31Hessey, Bampton Lectures, p. 60.HS 227.4

    Acerca desse importante fato, Milman, o culto editor de Gibbon, testifica:HS 228.1

    “O decreto que ordena a celebração do sábado não faz nenhuma alusão a sua santidade especial como instituição cristã. É o do dia do sol que deveria ser observado por meio de veneração geral. Os tribunais deveriam ser fechados. O barulho e o tumulto do comércio público e dos litígios legais não mais deveriam violar o repouso do dia sagrado. Mas os adeptos do novo paganismo, cuja característica era a adoração ao sol, poderiam aceitar sem receio a santidade do primeiro dia da semana.”32History of Christianity, livro 3, cap. 1.HS 228.2

    E ele acrescenta em um capítulo posterior:HS 228.3

    “Aliás, conforme já observamos, o dia do sol seria voluntariamente santificado por quase todo o mundo pagão, sobretudo por aquela parte que havia aceitado qualquer tendência em relação à teologia do oriente.”33Idem, livro 3, cap. 4.HS 228.4

    No dia sete de março, Constantino publicou seu edito ordenando a observância da antiga festa dos pagãos, o venerável dia do sol. No dia seguinte, oito de março,34Essas datas merecem atenção especial. Ver Blair, Chronological Tables, p. 193, ed. 1856; Rosse, Index of Dates, p. 830. ele promulgou um segundo decreto que em todos os aspectos fazia jus ao conteúdo pagão do anterior.35Imp. Constantinus A. Ad Maximum. Si quid de Palatio Nostro, aut ceteris operibus publicis, degustatum fulgore esse conatiterit, retento more veteris observantiae. Quid portendat, ob Haruspicibus requiratur, et diligentissime scriptura collecta ad Nostram Scientiam referatur. Ceteris etiam usurpandae huius consuetudinis licentia tribuenda: dummodo sacrificiis domesticis abstineant, quæ specialiter prohibita sunt. Eam autem denunciationem adque interpretationem, quæ de tactu Amphitheatri scriba est, de qua ad Heraclianum Tribunum, et Magistrum Officiorum scripseras, ad nos scias esse perlatum. Dat. xvi. Kal. Jan. Serdicæ Acc. 8. Id. Mart. Crispo ii. & Constantino ii. C. C. Coss. 321. Cod. Theodos. xvi. 10, 1. – Biblioteca da Harvard. Seu teor era este: se qualquer edifício real fosse atingido por um raio, as antigas cerimônias para aplacar a divindade deveriam ser executadas e os arúspices deveriam ser consultados para descobrir o significado da terrível tragédia.36Ver Jortin, Eccl. Hist., vol. 1, seção 31; Milman, Hist. Christianity, livro 3, cap. 1. Os arúspices eram videntes que previam o futuro examinando as entranhas de animais sacrificados em holocausto para os deuses!37Ver Webster. Para um antigo registro do ato, ver Ezequiel 21:19-22. O estatuto do dia 7 de março, ordenando a observância do venerável dia do sol, e o do dia 8 do mesmo mês, prescrevendo a consulta aos arúspices, consistem em um belo par de editos pagãos bem combinados. O fato de Constantino ser pagão na época em que esses editos foram promulgados se demonstra não só pela natureza dos decretos em si, mas também porque, segundo Mosheim, sua conversão nominal ao cristianismo ocorreu dois anos depois dessa lei dominical. Assim ele diz:HS 228.5

    “Depois de analisar bem o assunto, cheguei à conclusão de que, depois da morte de Licínio, no ano 323, quando Constantino passou a ser o único imperador, ele se tornou cristão absoluto, ou seja, alguém que crê que somente a religião cristã é aceitável para Deus. Até então, ele havia considerado a religião de um único Deus mais excelente do que as outras e cria que Cristo em especial deveria ser adorado. Contudo, supunha que havia também divindades inferiores às quais se deveria prestar algum tipo de adoração, seguindo o costume dos antepassados, sem erro ou pecado. E quem não sabe que, naquela época, muitos outros também combinavam a adoração a Cristo com o culto aos deuses da antiguidade, os quais consideravam como ministros do Deus supremo no governo das questões humanas e terrenas?”38Historical Commentaries, séc. 4, seção 7.HS 228.6

    Por ser pagão, Constantino adorava Apolo, ou o sol, fato que explica seu edito ordenando que as pessoas observassem o venerável dia do sol. Gibbon dá o seguinte testemunho:HS 229.1

    “A devoção de Constantino era mais especificamente dirigida ao gênio do sol, o Apolo das mitologias grega e romana, e ele gostava de ser representado por símbolos do deus da luz e da poesia. [...] Os altares de Apolo eram coroados com as ofertas votivas de Constantino; e a multidão crédula era ensinada a acreditar que o imperador tinha permissão de contemplar com olhos mortais a majestade visível de sua divindade tutelar. [...] O sol era universalmente celebrado como o guia invencível e protetor de Constantino.”39Dec. and Fall of the Roman Empire, cap. 20.HS 229.2

    Seu caráter como professo cristão é assim descrito:HS 229.3

    “A sinceridade do homem que, em um período tão curto, efetuou mudanças tão extraordinárias no mundo religioso, é melhor conhecida por Aquele que sonda o coração. É certo, porém, que a vida subsequente de Constantino não demonstrou evidências de conversão a Deus. Ele se embrenhava sem remorso em rios de sangue e era um governante extremamente tirano.”40Marsh, Eccl. Hist., período 3, cap. 5.HS 229.4

    Algumas palavras acerca de seu caráter completarão nosso ponto de vista acerca de sua adequação para legislar em prol da igreja. Esse homem, quando elevado à mais elevada posição do poder terreno, ordenou que Crispo, seu filho mais velho, fosse assassinado em segredo, para que a fama do rapaz não obscurecesse a sua. Seu sobrinho Licínio sofreu a mesma ruína, “cuja posição era o único crime”, e essa morte foi seguida pela execução “de uma esposa talvez culpada”.41Decline and Fall of the Roman Empire, cap. 18.HS 229.5

    Esse foi o indivíduo que elevou o domingo ao trono do império romano, e essa era a natureza da instituição que ele dessa forma elevou. Um escritor inglês recente diz que a lei dominical de Constantino “parece ter sido promulgada mais para promover a adoração pagã do que a cristã”. Ele mostra como esse imperador pagão se tornou cristão, e como esse estatuto pagão se transformou em uma lei cristã:HS 229.6

    “Em um período posterior, influenciado pela onda da opinião pública, ele se declarou um converso à igreja. Então, o cristianismo, ou melhor, aquilo que ele quis chamar por esse nome, se transformou na lei da terra, e o edito de 321 d.C., não sendo revogado, passou a ser imposto como ordenança cristã.”42Sunday and the Mosaic Sabbath, p. 4; publicado por R. Groombridge & Sons, Londres.HS 229.7

    Assim se vê que uma lei, promulgada para apoiar uma instituição pagã, passou a ser considerada uma ordenança cristã alguns poucos anos depois. E o próprio Constantino, quatro anos após seu edito dominical, conseguiu controlar a igreja, conforme se pode constatar no concílio geral de Niceia, levando os membros desse concílio a estabelecer que a festa anual da Páscoa deveria ocorrer no domingo.43Ver cap. 18. O paganismo havia preparado essa instituição desde a antiguidade, e agora a elevava ao poder supremo; sua obra estava terminada.HS 230.1

    Nós já provamos que a festa do domingo na igreja cristã não tinha caráter sabático, ou seja, de descanso, antes da época de Constantino. Também demonstramos que o paganismo, na pessoa de Constantino, conferiu pela primeira vez caráter sabático ao domingo; e, no próprio ato de fazê-lo, o designou como festa pagã, e não cristã, estabelecendo assim um sábado pagão. Era papel agora do papado, por meio de sua autoridade, efetuar a transformação do domingo em uma instituição cristã, e não demorou muito para esse poder realizar tal obra. Silvestre era o bispo de Roma enquanto Constantino foi imperador. O nível de fidelidade com que realizou sua parte no processo de transformar a festa do sol em uma instituição cristã pode ser visto no fato de que ele, mediante sua autoridade apostólica, mudou o nome do dia, conferindo-lhe o imponente título de Dia do Senhor.44Omnium vero dierum per septimanam appellationes (ut Solis, Lunae, Martis, etc.), mutasse in ferias: ut Polydorus (li. 6, c. 5) indicat. Mataphrastes vero, nomina dierum Hebraeis usitata retinuisse eum, tradit; solius primi diei appellatione mutata, quem dominicum dixit. Historia Ecclesiastica per M. Ludovicum Lucium, séc. 4, cap. x. p. 739, 740, Ed. Basilea, 1624. Library of Andover Theological Seminary. A História Eclesiástica de Lúcio nada mais é do que a segunda edição da célebre “Magdeburg Centuries”, publicada sob sua supervisão. Portanto, os defensores da observância do primeiro dia devem muito a Constantino e a Silvestre. Um elevou o dia como festa pagã ao trono do império, transformando-o em dia de descanso da maior parte das ocupações; o outro fez dele uma instituição cristã, dando-lhe o honroso nome de “dia do Senhor”. Não é um argumento suficiente tentar negar que, por volta de 325 d.C., o papa Silvestre oficialmente concedeu ao domingo o nome de “dia do Senhor”, ao se declarar que um dos pais antenicenos, no ano 200 d.C., chama o dia por esse nome, e que cerca de sete autores diferentes, entre 200 e 325 d.C., a saber, Tertuliano, Orígenes, Cipriano, Anatólio, Comodiano, Vitorino e Pedro de Alexandria, podem ser citados como tendo dado esse título ao domingo.HS 230.2

    Nenhum desses pais jamais reivindicou a esse título qualquer autoridade apostólica; e já se demonstrou que eles não criam que o dia pudesse ser o dia do Senhor por designação divina. Portanto, o uso do termo por esses indivíduos como nome para o domingo, longe de entrar em conflito com a declaração de que Silvestre usou sua autoridade apostólica para estabelecer a expressão como o título legítimo para o dia, mostra, ao contrário, que o ato de Silvestre era decididamente conveniente segundo as circunstâncias do momento. Com efeito, Nicéforo afirma que Constantino, que se considerava tão cabeça da igreja quanto o papa, “orientou que o dia que os judeus consideravam ser o primeiro da semana, e que os gregos dedicavam ao sol, deveria ser chamado de dia do Senhor”.45Citado por Elliott, Horae Apocapyticae, 5 ed., vol. 4, p. 603. As circunstâncias em questão tornam extremamente prováveis as declarações de Lúcio e Nicéforo. Sem dúvida, elas não indicam que o papa achou desnecessário tal ato de sua parte. Um acontecimento recente da história papal pode ilustrar essa situação. Anos atrás, Pio IX decretou que a virgem Maria nasceu sem pecado. Isso vinha sendo afirmado havia muito tempo por diversos autores famosos na igreja católica, mas não possuía autoridade como dogma dessa igreja até que o papa, em 1854, deu sua sanção oficial.46McClintock e Strong, Cyclopedia, vol. 4, p. 506. Foi obra de Constantino e Silvestre, na primeira parte do quarto século, estabelecer a festa do sol como dia de descanso por autoridade do império, e transformá-la em uma instituição cristã pela autoridade de São Pedro.HS 230.3

    A declaração a seguir do Dr. Heylyn, distinto membro da igreja anglicana, merece atenção especial. Em linguagem muito convincente, ele menciona os passos que ergueram a festa do domingo a uma posição de poder, contrastando-a, nesse sentido, com o antigo sábado do Senhor. Então, com igual verdade e franqueza, ele reconhece que, assim como a festa do domingo foi estabelecida pelo imperador e pela igreja, o mesmo poder pode removê-la em qualquer momento que achar apropriado:HS 231.1

    “Dessa maneira vemos sobre qual alicerce está firmado o dia do Senhor. Primeiro, sobre o costume e consagração voluntária desse dia a reuniões religiosas. Tal costume foi encorajado pela autoridade da igreja de Deus, que tacitamente o aprovou e, por fim, o confirmou e ratificou por meio de príncipes cristãos por todo os domínios deles. Como dia de descanso e interrupção dos negócios, este recebeu sua maior força por parte do magistrado supremo enquanto ele manteve o poder que a ele pertence, bem como, posteriormente, dos cânones, decretos de concílios e nas decretais de papas e ordens de prelados específicos, quando a administração de questões eclesiásticas se restringiu exclusivamente à igreja.”HS 231.2

    “Espero que assim não tenha sido com o antigo sábado, que não teve sua origem no costume, uma vez que aquele povo não era tão inclinado a dedicar um dia a Deus, nem exigiu qualquer apoio ou autoridade da parte dos reis de Israel para confirmá-lo e ratificá-lo. O Senhor havia declarado que Ele desejava ter um dia em sete, precisamente o sétimo dia desde a criação do mundo, para ser um dia de descanso para todo o Seu povo. Dito isso, nada mais havia a se fazer senão alegremente se submeter e obedecer à Sua vontade. [...] Mas não foi assim no caso atual. O dia do Senhor não recebeu nenhuma ordem de que fosse santificado, e foi deixado que o povo de Deus escolhesse esse dia, ou qualquer outro, para o uso público. Todavia, apesar de ter sido escolhido pelos cristãos e se tornado um dia de reunião da congregação para práticas religiosas, por trezentos anos, não houve lei que o tornasse obrigatório, nem a imposição de qualquer descanso do trabalho ou dos negócios mundanos nesse dia.”HS 231.3

    “E quando pareceu apropriado aos príncipes cristãos, os pais protetores da igreja de Deus, estabelecer restrições sobre seu povo, ainda assim, a princípio elas não eram generalizadas. Eram somente de que alguns homens, em determinados lugares, deveriam de deixar de lado seus afazeres diários e comuns para participar do culto a Deus na igreja. Trabalhadores cujas atividades eram extremamente fatigantes e muito repugnantes à verdadeira natureza de um dia de descanso sagrado tinham, no entanto, a permissão de dar continuidade a seus labores, uma vez que eram fundamentais ao bem-estar da sociedade.HS 231.4

    “E em épocas posteriores, quando o governante e o prelado, em seus diversos lugares, tentaram restringi-los até mesmo disso, que até então haviam permitido, e proibiram quase todo tipo de trabalho físico nesse dia, a proibição não se tornou vigente sem que houvesse tremenda luta e oposição por parte do povo. Foram necessários mais de mil anos, desde a ascensão de Cristo, para que o dia do Senhor alcançasse a posição que ele ocupa hoje. [...] E após ter chegado a esse status em que hoje se encontra, ele não se apoia em solo tão firme e seguro, pois os mesmos poderes que o elevaram podem rebaixá-lo se assim o quiserem, sim, podem até removê-lo quanto ao tempo e estabelecê-lo em qualquer outro dia que acharem melhor.”47Hist. Sab., parte 2, cap. 3, seção 12.HS 232.1

    O edito de Constantino marca uma mudança assinalada na história da festa do domingo. O Dr. Heylyn dá o seguinte testemunho:HS 232.2

    “Até aqui falamos sobre o dia do Senhor apropriado por consentimento geral da igreja, e não como algo instituído ou estabelecido por qualquer texto das Escrituras, edito de imperador ou decreto de concílio. [...] Nos períodos que se seguem, veremos que tanto imperadores quanto concílios deram ordens frequentes acerca desse dia e do modo de honrá-lo.”48Hist. Sab., parte 2, cap. 3, seção 1.HS 232.3

    Após sua suposta conversão ao cristianismo, Constantino exerceu ainda mais seu poder em prol do venerável dia do sol, agora transformado alegremente no dia do Senhor pela autoridade apostólica do bispo de Roma. Heylyn explica:HS 232.4

    “É tão natural que um governante cristão tenha poder para ordenar coisas acerca de religião que ele [Constantino] se propôs não só a ordenar o dia, mas também a prescrever como deveria ser a adoração.”49Ibid.HS 232.5

    A influência de Constantino contribuiu poderosamente em ajudar os líderes da igreja que tinham o desejo de trazer formas da adoração pagã para dentro da igreja cristã. Gibbon explica as motivações desses homens e o resultado de suas ações:HS 232.6

    “Os bispos mais respeitáveis haviam se convencido de que os rústicos ignorantes renunciariam com maior alegria à superstição do paganismo se encontrassem alguma semelhança ou compensação no seio do cristianismo. A religião de Constantino conseguiu, em menos de um século, conquistar todo o império romano. Mas os próprios vencedores foram imperceptivelmente subjugados pelas artimanhas de seus rivais derrotados.”50Decline and Fall of the Roman Empire, cap. 28.HS 232.7

    A massa de cristãos nominais, que resultou dessa estranha união de ritos pagãos com a adoração cristã, reivindicaram indevidamente para si o título de igreja católica, ao passo que o verdadeiro povo de Deus, que resistiu a essas inovações perigosas, foi rotulado de herege e excluído da igreja. Não é de se estranhar que o sábado tenha perdido território em meio a esse corpo [de cristãos nominais] na luta contra sua instituição rival, a festa do sol. Aliás, após um breve período, a história do sábado só seria encontrada nos registros quase apagados daqueles a quem a igreja católica excomungou e estigmatizou como hereges. Heylyn diz o seguinte acerca do sábado na época de Constantino:HS 233.1

    “Quanto ao sábado, este manteve sua estima costumeira nas igrejas orientais, pouco inferior ou mesmo igual ao dia do Senhor; não como um dia de descanso, não pense que seja assim, mas como um dia destinado a reuniões sagradas.”51Hist. Sab., parte 2, cap. 3, seção 5.HS 233.2

    Não há dúvida de que, após a grande inundação de mundanismo que assolou a igreja na época da suposta conversão de Constantino, e depois de tudo que ele e Silvestre fizeram em prol do domingo, a observância do sábado se tornou, para muitos, apenas nominal. Mas a ação do concílio de Laodiceia, à qual passaremos agora, prova de maneira conclusiva que o sábado ainda era guardado, não só como uma festa, como Heylyn quer nos fazer crer, mas, sim, como dia de abstinência do trabalho, segundo a ordem do mandamento. Todavia, a obra de Constantino consiste em um grande marco na história do sábado e do domingo. Constantino era hostil ao sábado, e sua influência pesou muito contra esse dia em meio a todos aqueles que estavam em busca de vantagens mundanas. O historiador Eusébio era amigo especial e bajulador de Constantino. Tal fato não deve ser negligenciado ao se analisar o peso de seu testemunho sobre o sábado. Ele fala o seguinte acerca do sétimo dia:HS 233.3

    “Eles [os patriarcas], portanto, não observavam a circuncisão, nem guardavam o sábado. Nós também não o fazemos. Também não nos abstemos de determinados alimentos, nem temos consideração por outras ordens que Moisés entregou posteriormente para serem observadas como tipos e símbolos, visto que coisas como essas não pertencem aos cristãos.”52Eccl. Hist., livro 1, cap. 4.HS 233.4

    Esse testemunho revela precisamente o ponto de vista de Constantino e da corte imperial acerca do sábado, mas não apresenta a opinião dos cristãos como um todo; pois vimos que o sábado havia sido vastamente observado até essa época, e logo teremos a oportunidade de citar outros historiadores, contemporâneos de Eusébio e posteriores a ele, os quais registram a continuação de sua observância. Constantino exerceu influência controladora sobre a igreja, e estava determinado a não ter “nada em comum com aquele populacho de judeus extremamente hostis”.HS 233.5

    Como teria sido bom se sua aversão tivesse se direcionado contra as festas dos pagãos, em vez de contra o sábado do Senhor!HS 234.1

    Antes da época de Constantino, não há nenhum vestígio da doutrina da mudança do sábado. Pelo contrário, temos evidências decisivas de que o domingo era um dia no qual o trabalho comum era considerado legítimo e adequado. Mas Constantino, enquanto ainda era pagão, ordenou que todo tipo de ocupação, com exceção da agricultura, devia ser deixada de lado nesse dia. Sua lei designou o dia como uma festa pagã, e isso ele era de fato. Contudo, quatro anos depois da promulgação do edito, Constantino havia se tornado não apenas um professo converso à religião cristã, mas, em muitos aspectos, praticamente o cabeça da igreja, conforme revela claramente o rumo dos acontecimentos no concílio de Niceia. Sua lei dominical pagã, estando ainda em vigor, foi imposta dali em diante em benefício do primeiro dia como uma festa cristã. Essa lei concedeu à festa do domingo, pela primeira vez, um caráter de certo modo sabático. Era agora um dia de descanso da maior parte dos trabalhos pela lei do império romano. A partir de então, o dia de descanso de Deus se tornou um intruso como nunca antes.HS 234.2

    Mas chegamos agora a um fato de notável interesse: uma vez que o caminho já estava preparado, conforme acabamos de ver, para a doutrina da mudança do sábado, e tendo em vista as circunstâncias que exigiam sua elaboração, foi exatamente nesse momento que ela foi proposta pela primeira vez. Eusébio, amigo especial e defensor de Constantino, foi o primeiro a colocar por escrito essa doutrina. Em sua obra Comentário aos Salmos, ele faz esta declaração sobre o salmo 112 no que se refere à mudança do sábado:HS 234.3

    “Portanto, como eles [os judeus] rejeitaram-na [a lei do sábado], a Palavra [Cristo], pela nova aliança, transpôs e transferiu a festa do sábado para a luz matinal, e nos deu o símbolo do verdadeiro descanso, a saber, o salvífico dia do Senhor, o primeiro [dia] da luz, no qual o Salvador do mundo, após todos os Seus esforços entre os homens, conquistou a vitória sobre a morte e passou pelos portais celestiais, após ter realizado uma obra superior à dos seis dias da criação.”53Eusébio, Comentário aos Salmos, citado por Cox, Sabbath Literature, vol. 1, p. 361; também em Justin Edward, Sabbath Manual, p. 125-127.HS 234.4

    “Nesse dia, que é o primeiro [dia] de luz e do Sol verdadeiro, nós nos reunimos, após um intervalo de seis dias, e celebramos sábados santos e espirituais, a saber, todas as nações remidas por Ele ao redor do mundo, e fazemos essas coisas segundo a lei espiritual, as quais foram decretadas para os sacerdotes realizarem no sábado.”54Ibid.HS 234.5

    “E todas as coisas que eram deveres a serem cumpridos no sábado, nós as transferimos para o dia do Senhor, por pertencerem a ele de maneira mais apropriada, pois ele tem precedência e é o primeiro em hierarquia, sendo mais digno de honra que o sábado judaico.”55Ibid.HS 234.6

    Eusébio tinha a forte tentação de agradar e até mesmo bajular Constantino, pois vivia com as regalias do favor imperial. Em certa ocasião, ele chegou ao ponto de dizer que a cidade de Jerusalém, reconstruída por Constantino, poderia ser a nova Jerusalém predita nas profecias!56Eusébio, Life of Constantine, 3, 33, citado por Elliott, Horae Apocalypticae, vol. 1, p. 256. Mas é possível que não houve nenhum ato de Eusébio que tenha dado mais prazer a Constantino do que a publicação dessa doutrina acerca da mudança do sábado. Por meio de uma lei civil, o imperador havia dado ao domingo um caráter sabático. Embora tivesse feito isso enquanto ainda era pagão, era de seu interesse preservar essa lei depois de ter conquistado uma posição de liderança dentro da igreja católica. Portanto, quando Eusébio surgiu declarando que Cristo havia transferido o sábado para o domingo, doutrina nunca antes ouvida, em cujo apoio não tinha nenhum texto bíblico para citar, Constantino só poderia ter se sentido lisonjeado no mais alto grau ao ver que seu próprio edito sabático correspondia exatamente ao dia que Cristo havia ordenado para ser o dia de descanso em lugar do sábado do sétimo dia. Tratava-se de uma prova convincente de que Constantino recebera o chamado divino para sua posição elevada na igreja católica, uma vez que sua obra podia ser identificada com a de Cristo, embora ele não tivesse, na época, conhecimento de que Cristo havia realizado qualquer obra desse tipo.HS 235.1

    Como nenhum autor anterior a Eusébio havia dado qualquer indício quanto à doutrina da mudança do sábado; como há provas extremamente convincentes, conforme demonstramos, que, antes dessa época, o domingo não possuía caráter sabático, ou seja, de interrupção de trabalho; e como Eusébio não afirma que essa doutrina se encontra nas Escrituras, nem em nenhum escritor eclesiástico anterior, é certo que ele foi o pai da doutrina. Essa nova doutrina não foi criada sem motivo. E a razão não foi apresentar textos negligenciados da Bíblia, pois ele não cita uma passagem sequer para apoiá-la. Mas as circunstâncias do momento revelam claramente o motivo. A nova doutrina se mostrou perfeitamente adaptada para a nova ordem de coisas introduzida por Constantino. Além disso, era especialmente adequada para bajular o orgulho do imperador – e era exatamente esta a mais forte tentação de Eusébio.HS 235.2

    É notável, porém, que Eusébio, no próprio texto em que anuncia a nova doutrina, sem perceber, acaba expondo sua falsidade. Primeiro ele afirma que Cristo mudou o sábado; e então praticamente contradiz o fato, apontando para os verdadeiros autores da mudança:HS 235.3

    “E todas as coisas que eram deveres a serem cumpridos no sábado, nós as transferimos para o dia do Senhor.”57Cox, Sabbath Literature, vol. 1, p. 361.HS 235.4

    As pessoas aqui mencionadas como autoras dessa obra são o imperador Constantino, bispos como Eusébio, que amavam o favor dos governantes, e Silvestre, o pretenso sucessor de São Pedro. Dois fatos refutam a afirmação de Eusébio de que Cristo mudou o sábado: (1) Eusébio, que viveu trezentos anos após a suposta mudança, foi o primeiro a mencioná-la; (2) Eusébio testemunha que ele e outros fizeram a mudança, o que não seria o caso se Cristo a tivesse realizado no princípio. Além disso, embora a doutrina da mudança do sábado tenha sido anunciada dessa forma por Eusébio, nenhum escritor de sua era a apoiou. A doutrina nunca fora ouvida antes, e Eusébio só podia contar com a sua própria declaração, sem nenhum texto das Sagradas Escrituras para oferecer em apoio.HS 235.5

    Após Constantino, porém, o sábado começou a recuperar forças, pelo menos nas igrejas do Oriente. O professor Stuart, ao falar sobre o período de Constantino até o concílio de Laodiceia, 364 d.C., afirma:HS 236.1

    “A prática [de guardar o sábado] foi continuada pelos cristãos que tinham zelo pela honra da lei mosaica, e finalmente se tornou, conforme vimos, predominante por toda a cristandade. Muitos supunham que o quarto mandamento exigia a observância do sábado do sétimo dia (não meramente de uma sétima parte do tempo); e raciocinando conforme certos cristãos da atualidade costumam fazer, ou seja, que tudo que pertencia aos dez mandamentos era imutável e perfeito, as igrejas de modo geral passaram gradualmente a considerar o sábado do sétimo dia como inteiramente santo.”58Anexo da obra de Gurney, History etc. of the Sabbath, p. 115, 116.HS 236.2

    Todavia, o professor Stuart liga a isso a declaração de que o domingo era honrado por todos os grupos. Mas o concílio de Laodiceia desferiu um pesado golpe sobre essa observância do sábado na igreja oriental. Assim, o senhor James, dirigindo-se à Universidade de Oxford, apresenta o seguinte testemunho:HS 236.3

    “Quando a prática de guardar o sétimo dia como o sábado, que havia se tornado bastante generalizada ao fim desse século, começou a ganhar terreno junto à igreja oriental, foi passado um decreto no concílio que ocorreu em Laodiceia [364 d.C.] ‘de que os membros da igreja não deveriam descansar do trabalho no sábado como os judeus, mas trabalhar nesse dia, e preferindo honrar o dia do Senhor, se então estiver a seu alcance, deveriam descansar de seus labores como cristãos’.”59Sermon’s on the Sacraments and Sabbath, p. 122, 123.HS 236.4

    Essas palavras mostram, de maneira conclusiva, que, naquela época, a observância do sábado segundo o mandamento era disseminada nas igrejas orientais. Mas o concílio de Laodiceia não só proibiu a guarda do sábado, como também pronunciou uma maldição sobre aqueles que obedecessem ao quarto mandamento! Prynne testemunha o seguinte:HS 236.5

    “Não há dúvida de que o próprio Cristo, Seus apóstolos e os cristãos primitivos por um bom período observaram constantemente o sábado do sétimo dia; [...] os evangelistas e São Lucas, em Atos, sempre o chamam de dia de sábado [...] e fazem menção a [...] sua solenização por parte dos apóstolos e outros cristãos, [...] sendo ainda solenizado por muitos cristãos após o tempo dos apóstolos, chegando até ao concílio de Laodiceia [364 d.C.], conforme testemunham escritores eclesiásticos e o vigésimo nono cânone desse concílio, o qual diz o seguinte:60Quod non oportet Christianos Judaizere et otiare in Sabbato, sed operari in eodem die. Preferentes autem in veneratione Dominicum diem si vacare voluerint, ut Christiani hoc faciat; quod si reperti fuerint Judaizere Anathema sint a Christo. ‘Porque os cristãos não devem judaizar e descansar no sábado, mas trabalhar nesse dia (algo que muitos na época se recusavam a fazer). Mas, preferindo em honra o dia do Senhor (visto que havia na época uma grande controvérsia entre os cristãos sobre qual desses dois dias [...] deveria ter precedência), se desejarem descansar, devem fazê-lo como cristãos. Por essa razão, se forem encontrados judaizando, que sejam malditos e separados de Cristo’. [...] O sábado do sétimo dia, foi [...] guardado com solenidade por Cristo, pelos apóstolos e pelos cristãos primitivos até o concílio de Laodiceia praticamente abolir sua observância. [...] O concílio de Laodiceia [364 d.C.] [...] foi o primeiro a consolidar a observância do dia do Senhor e a proibir [...] a guarda do sábado judaico sob pena de anátema.”61Dissertation on the Lord’s-day Sabbath, p. 33, 34, 41. 1633.HS 236.6

    A ação desse concílio não extirpou o sábado das igrejas orientais, embora tenha enfraquecido significativamente sua influência e tornado sua observância, por parte de muitos, algo apenas nominal. Por outro lado, o decreto ali feito efetivamente aumentou a santidade e a autoridade da festa do domingo. Um antigo escritor inglês, John Ley, certifica de que esse decreto não extinguiu por completo a guarda do sábado:HS 237.1

    “Do tempo dos apóstolos até o concílio de Laodiceia, que ocorreu por volta do ano 364, a santa observância do sábado judaico continuou, conforme se pode provar por meio de vários autores; sim, apesar do decreto do concílio contra tal observância.”62Sunday a Sabbath, p. 163. 1640.HS 237.2

    E Gregório, bispo de Nissa, por volta de 372 d.C., faz a seguinte censura:HS 237.3

    “Com que olhos vocês podem contemplar o dia do Senhor, enquanto desprezam o sábado? Vocês não percebem que são irmãos e que, ao menosprezar um, estão afrontando o outro?”63Dialogues on the Lord’s Day, p. 188. Hessey, Bampton Lectures, p. 72, 304, 305.HS 237.4

    Esse testemunho é valioso por marcar o progresso da apostasia em relação ao sábado. A festa dominical não entrou na igreja como uma instituição divina, mas, sim, como uma observância voluntária. Até mesmo no ano 200 d.C., Tertuliano disse que o primeiro dia só contava com a tradição e o costume para apoiá-lo.64Tertuliano, De Corona, seções 3 e 4.HS 237.5

    Mas em 372 d.C., essa festa humana havia se tornado irmã e igual ao dia que Deus santificou no princípio e ordenou solenemente na lei moral. Quão digna de ser chamada de irmã do sábado era essa festividade dominical pode ser julgado pelo que se seguiu. Quando essa pretensa irmã ganhou posição de reconhecimento dentro da família, expulsou o irmão e o pisoteou no pó. Em nossos dias, a festa do domingo afirma ser exatamente o dia mencionado no quarto mandamento.HS 237.6

    Os testemunhos a seguir colocam a autoridade dos concílios da igreja em sua verdadeira luz. Cox cita Jortin dizendo:HS 237.7

    “Em tais assembleias, os melhores e mais moderados raramente estão no controle; e com frequência, são liderados ou induzidos por outros bem inferiores a eles em boas qualidades.”65Sabbath Laws etc., p. 138.HS 238.1

    O mesmo autor apresenta a opinião de Baxter acerca da célebre assembleia de Westminster. Baxter afirma:HS 238.2

    “Vivi o suficiente para presenciar uma assembleia de ministros na qual três ou quatro homens da liderança exerceram um domínio tal que chegaram a elaborar uma confissão em nome do grupo inteiro composta por coisas que membros específicos repudiavam. E, quando em certo ponto controverso, certo homem me acusou intensamente de estar questionando as palavras da igreja, e outros, que faziam parte da elaboração daquele artigo, depositaram toda a confiança sobre esse mesmo homem. Os demais se mostraram relutantes em discutir demasiado com ele, de modo que ele, sozinho, era a igreja para cuja autoridade tanto apelava.”66Sabbath Laws etc., p. 138.HS 238.3

    Essa tem sido a natureza dos concílios em todas as eras. No entanto, eles sempre têm reivindicado infalibilidade e têm usado em grande medida essa infalibilidade para suprimir o sábado e estabelecer a festa do domingo. Kitto dá o seguinte testemunho acerca da santidade do domingo até a época de Crisóstomo:HS 238.4

    “Embora em épocas posteriores encontremos referências consideráveis a uma espécie de consagração do dia, este não parece, em nenhum período da igreja antiga, ter assumido a forma de observância que algumas comunidades religiosas modernas defendem. Tampouco esses escritores, em nenhum caso, alegam qualquer ordem divina ou até mesmo prática apostólica para apoiá-lo. [...] Crisóstomo (360 d.C.) conclui uma de suas homilias despedindo a congregação para suas respectivas ocupações costumeiras.”67Cyc. Bib. Lit., verbete “Lord’s Day”; Heylyn, Hist. Sab., parte 2, cap. 2, seção 7.HS 238.5

    Ficou reservada para os teólogos modernos a tarefa de descobrir a autoridade divina ou apostólica da observância do domingo. Os antigos doutores da igreja não estavam cientes da existência de tal autoridade. Por isso, consideravam lícito e apropriado participar das tarefas seculares normais nesse dia quando o culto terminava. Heylyn, comentando sobre São Crisóstomo, afirma que eleHS 238.6

    “confessou que é lícito ao homem cuidar de seus negócios seculares no dia do Senhor depois que a congregação era despedida.”68Hist. Sab., parte 2, cap. 3, seção 9.HS 238.7

    São Jerônimo, alguns anos depois, no início do quinto século, ao elogiar sua discípula Paula, dá sua opinião acerca do trabalho no domingo:HS 238.8

    “Paula, juntamente com as mulheres, assim que voltavam para casa no dia do Senhor, sentavam-se para realizar cada uma seu trabalho, costurando roupas para si e para outras pessoas.”69Dialogues on the Lord’s Day, p. 234; Hist. Sab., parte 2, cap. 3, seção 7.HS 239.1

    Morer justifica o trabalho no domingo usando os seguintes termos:HS 239.2

    “Caso leiamos que elas realizavam qualquer tipo de trabalho no dia do Senhor, deve-se lembrar que esse engajamento nas tarefas diárias só acontecia depois que a adoração terminava, quando podiam retomar as atividades com toda a inocência, pois a extensão de tempo ou o número de horas destinado à piedade não era tão bem explicado naquela época quanto em eras posteriores. A condição da igreja é bem diferente do que era naqueles primeiros dias. Havia séculos que os cristãos enfrentavam perseguição e pobreza. Além das próprias necessidades, muitos tinham senhores severos que os forçavam a trabalhar e os faziam dedicar menos tempo às questões espirituais do que o fariam sob circunstâncias diferentes. Na era de São Jerônimo, as condições eram melhores, porque o cristianismo havia subido ao trono e também penetrado no império. Por causa de tudo isso, a santificação completa do dia do Senhor prosseguiu devagar. E foi questão de tempo levá-la à perfeição, conforme revelam os vários passos que a igreja deu em suas constituições e os decretos de imperadores e de outros governantes, nos quais as proibições de trabalhos servis e civis avançaram gradualmente de um tipo ao outro, até que o dia alcançou uma importância considerável no mundo. Hoje, portanto, numa época em que as condições são tão diferentes, o uso mais adequado desses antigos exemplos, em termos de doutrina, consiste apenas em mostrar que o trabalho cotidiano, sendo-nos uma dádiva graciosa da providência para o sustento da vida natural, não é pecaminoso nem mesmo no dia do Senhor, quando a necessidade fala mais alto, e as leis da igreja e da nação na qual vivemos não são contrárias a tal ato. É isso o que os primeiros cristãos tinham a dizer em sua defesa nos trabalhos que desempenhavam nesse dia. E ouso acreditar que, se tais obras tivessem sido consideradas naquela época como uma profanação da festa, eles teriam sido vítimas de martírio, e não de culpa.”70Dialogues on the Lord’s Day, p. 236, 237.HS 239.3

    O bispo de Ely dá este testemunho:HS 239.4

    “Nos dias de São Jerônimo e no lugar onde ele residia, os cristãos mais devotos trabalhavam costumeiramente no dia do Senhor depois que o culto terminava na igreja.”71Treatise on the Sabbath, p. 219.HS 239.5

    Santo Agostinho, contemporâneo de Jerônimo, faz uma síntese do argumento da época a favor da observância do domingo:HS 239.6

    “As Sagradas Escrituras deixam transparecer que este dia era solene. Foi o primeiro dia de todas as eras, isto é, da existência de nosso mundo. Nele os elementos da Terra foram formados. Nele os anjos foram criados. Nele Cristo também ressuscitou dos mortos. Nele o Espírito Santo desceu do Céu sobre os apóstolos assim como o maná caíra no deserto. Por essas e outras circunstâncias, o dia do Senhor é distinto; portanto, os santos doutores da igreja têm decretado que toda a glória do sábado judaico está transferida para ele. Portanto, guardemos o dia do Senhor como os antigos foram ordenados a guardar o sábado.”72Sabbath Laws, etc., p. 284.HS 239.7

    Deve-se notar que Agostinho não cita, entre os motivos para a observância do primeiro dia, que Cristo ou Seus apóstolos mudaram o sábado, nem que os apóstolos guardaram esse dia, ou que João lhe havia dado o nome de dia do Senhor. Agostinho desconhecia esses argumentos modernos a favor do primeiro dia. Ele deu o crédito por essa obra não a Cristo ou a Seus apóstolos inspirados, mas aos santos doutores da igreja, que, por vontade própria, haviam transferido a glória do antigo sábado ao venerável dia do sol. No quinto século, o primeiro dia da semana era considerado o mais adequado para a investidura de ordens religiosas, isto é, para as ordenações, e por volta da metade desse século, diz Heylyn,HS 240.1

    “uma lei [foi] feita por Leão, que, na época, era o papa de Roma, e, desde então, foi aceita de modo geral pela igreja do ocidente, determinando que elas [as ordenações] não fossem conferidas em qualquer outro dia.”73Hist. Sab., parte 2, cap. 4, seção 8.HS 240.2

    De acordo com o Dr. Justin Edwards, esse mesmo papa também fez este decreto a favor do domingo:HS 240.3

    Nós ordenamos, de acordo com a verdadeira intenção do Espírito Santo e dos apóstolos por Ele orientados, que no dia santo, no qual nossa própria integridade foi restaurada, todos descansem e cessem do labor.”74Sabbath Manual, p. 123.HS 240.4

    Pouco depois desse edito papal, o imperador Leão, 469 d.C., promulgou o seguinte decreto:HS 240.5

    “É da nossa vontade e agrado que os dias santos dedicados ao Deus altíssimo não sejam dedicados a recreações sensuais, ou profanados de outras maneiras por processos judiciais, sobretudo o dia do Senhor, o qual decretamos ser um dia venerável, e, portanto, livre de todas as intimações judiciais, execuções, recursos e ações semelhantes. Que os circos e os teatros não sejam abertos, e que não sejam vistos ali combates com animais selvagens. [...] Se qualquer pessoa tentar transgredir as determinações citadas acima, se for militar, perderá sua patente; se tratar de outra pessoa, sua propriedade ou seus bens serão confiscados.”75Dialogues on the Lord’s Day, p. 259.HS 240.6

    E esse imperador decidiu corrigir a brecha na lei de Constantino, proibindo, assim, o trabalho agrícola no domingo. Por isso, ele acrescenta:HS 240.7

    “Ordenamos, portanto, que todos, tanto lavradores quanto os demais, deixem de trabalhar neste dia de nossa restauração.”76Idem, p. 260.HS 241.1

    Por essa época, os santos doutores da igreja já haviam conseguido, com muita eficiência, despojar o sábado de sua glória, transferindo-o para o dia do Senhor do papa Silvestre, conforme testemunha Agostinho. Todavia, a observância do sábado não havia se extinguido totalmente nem mesmo dentro da igreja católica. O historiador Sócrates, que escreveu na metade do quinto século, relata:HS 241.2

    “Pois, embora quase todas as igrejas ao redor do mundo celebrem os sagrados mistérios aos sábados todas as semanas, os cristãos de Alexandria e de Roma, por causa de alguma tradição antiga, se recusam a fazê-lo. Os egípcios das redondezas de Alexandria e os habitantes de Tebaida realizam seus cultos religiosos aos sábados, mas não participam dos mistérios segundo a prática costumeira dos cristãos em geral – pois, depois de comerem e se satisfazerem com alimentos de todos os tipos, à noite, tendo dado suas ofertas, participam dos mistérios.”77Sócrates, livro 5, cap. 22.HS 241.3

    Sendo que a igreja de Roma havia transformado o sábado em um jejum cerca de duzentos anos antes disso, a fim de se opor a sua observância, é provável que essa seja a tradição antiga mencionada por Sócrates. E Sozomeno, contemporâneo de Sócrates, fala sobre o mesmo assunto da seguinte maneira:HS 241.4

    “O povo de Constantinopla e de várias outras cidades se reúne aos sábados, bem como no dia seguinte, costume que nunca é observado em Roma, nem em Alexandria. Há várias cidades e vilas no Egito em que, ao contrário das práticas estabelecidas em outros lugares, as pessoas se reúnem nas noites de sábado e, embora jantem antes, participam dos mistérios.”78Sozomeno, livro 7, cap. 19; Lardner, vol. 4, cap. 85, p. 217.HS 241.5

    Cox comenta o seguinte sobre as declarações desses historiadores:HS 241.6

    “Eles tinham o costume de sabatizar no sábado e de celebrar o domingo como dia de regozijo e festividades. Contudo, embora em alguns lugares se prestasse respeito geral a esses dois dias, a prática judaizante de guardar o sábado era terminantemente condenada pelas principais igrejas, e havia forte resistência a todas as doutrinas ligadas a isso.”79Sabbath Laws, p. 280.HS 241.7

    Chegara o momento em que, conforme afirmado por Coleman, a observância do sábado passou a ser considerada prática herética; e o fim do quinto século testemunhou a efetiva supressão do sábado na grande massa da igreja católica.HS 241.8

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