23 – Lutero e Carlstadt
- Índice
- Prefácio
-
- 1 – A Criação
- 2 – A Instituição do Sábado
- 3 – O Sábado Confiado aos Hebreus
- 4 – O Quarto Mandamento
- 5 – O Sábado Escrito pelo Dedo de Deus
- 6 – O Sábado Durante o Dia da Tentação
- 7 – As Festas, as Luas Novas e os Sábados dos Hebreus
- 8 – O Sábado de Davi a Neemias
- 9 – O Sábado de Neemias a Cristo
- 10 – O Sábado durante a Última das Setenta Semanas
- 11 – O Sábado Durante o Ministério dos Apóstolos
-
- 12 – A Apostasia Já no Início da Igreja Cristã
- 13 – A Origem do Domingo como Dia do Senhor Não Pode Ser Traçada Até os Apóstolos
- 14 – As Primeiras Testemunhas a Favor do Domingo
- 15 – Análise de uma Célebre Falsidade
- 16 – Origem da Observância do Primeiro Dia
- 17 – A Natureza da Observância Inicial do Primeiro Dia
- 18 – O Sábado nos Registros dos Primeiros Pais
- 19 – O Sábado e o Primeiro Dia durante os Cinco Primeiros Séculos
- 20 – O Domingo Durante a Idade das Trevas
- 21 – Vestígios do Sábado durante a Idade das Trevas
- 22 – Posição dos Reformadores acerca do Sábado e do Primeiro Dia
- 23 – Lutero e Carlstadt
- 24 – Guardadores do Sábado no Século 16
- 25 – Quando e Como o Domingo se Apropriou do Quarto Mandamento
- 26 – Guardadores do Sábado Ingleses
- 27 – O Sábado na América do Norte
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23 – Lutero e Carlstadt
O caso de Carlstadt merece atenção – A dificuldade dele com Lutero acerca da epístola de Tiago – Sua ousadia em se posicionar ao lado de Lutero e contra o papa – O que Carlstadt fez durante o encarceramento de Lutero – Até que ponto ele incorreu em fanatismo – Quem trabalhou com Carlstadt para retirar imagens da igreja, acabar com a celebração de missas e abolir a lei do celibato – Lutero, ao voltar, restaurou a celebração da missa e eliminou a simples ordenança da ceia – Carlstadt se sujeitou à correção de Lutero – Dois anos depois, Carlstadt se sentiu compelido a se opor a Lutero em relação à ceia – Os motivos da divergência entre os dois sobre a Reforma – Lutero disse que a carne e o sangue de Cristo estavam literalmente presentes no pão e vinho – Carlstadt afirmou que eram apenas representados pelos dois elementos – A controvérsia subsequente – Carlstadt é silenciado por meio de banimento – O tratamento cruel que recebeu no exílio – Ele não se envolveu com a conduta desordeira dos anabatistas – Porque Carlstadt tem sido tão severamente julgado – O opinião de D’Aubigné acerca dessa controvérsia – O trabalho de Carlstadt na Suíça – Lutero escreve contra ele – Reconciliação entre Lutero e Carlstadt – D’Aubigné classifica Carlstadt como um erudito e cristão – Carlstadt era sabatista – Coisas que Lutero ensinou a Carlstadt – Coisas que Lutero poderia ter aprendido com CarlstadtHS 295.1
O fato de pelo menos um dos reformadores de proeminência considerável – Carlstadt – ser guardador do sábado é digno de nota. É impossível ler os registros da Reforma sem sentir a convicção de que Carlstadt desejava uma obra de reforma mais completa do que Lutero. Embora Lutero estivesse disposto a tolerar alguns abusos para que a Reforma não corresse riscos, Carlstadt desejava, a todo custo, um retorno completo às sagradas Escrituras.HS 295.2
Os princípios sabatistas de Carlstadt, sua íntima ligação com Lutero, sua proeminência na história do início da Reforma e a grande importância da decisão de Lutero em relação ao sábado sobre toda a história da igreja protestante, fazem com que Carlstadt mereça lugar de destaque na história do sábado. Apresentaremos os registros desse reformador por meio das palavras exatas dos melhores historiadores, nenhum deles simpatizante da observância do sétimo dia. O modo como eles retratam as falhas de Carlstadt revela que não tinham qualquer parcialidade em relação a ele. Pouco depois de Lutero começar a pregar contra o mérito das boas obras, seu profundo interesse na obra de livrar as pessoas da servidão papal o levou a negar a inspiração de algumas partes das Escrituras que eram citadas contra ele. O Dr. Sears apresenta a questão da seguinte forma:HS 295.3
“Lutero era tão zeloso na defesa da doutrina da justificação pela fé que estava disposto até mesmo a questionar a autoridade de alguns trechos da Bíblia que não pareciam se harmonizar com essa ideia. Especialmente ao falar sobre a epístola de Tiago, suas expressões revelam a mais forte repugnância.”1Barna Sears, D.D., Life of Luther, ed. ampl., p. 400-401.HS 295.4
Antes de Lutero ficar preso no castelo de Wartburg, surgiu uma disputa entre ele e Carlstadt exatamente sobre esse assunto. Afirma-se, acerca de Carlstadt, que, no ano de 1520,HS 296.1
“Ele publicou um tratado ‘A Respeito do Cânon das Escrituras’, que, embora depreciado por fortes ataques de Lutero, era uma obra de qualidade, que defendia o grande princípio do protestantismo, a saber, a autoridade primordial das Escrituras. Nessa ocasião, ele também defendeu a autoridade da epístola de São Tiago, contrariando Lutero. Ao ser publicada a bula de Leão X contra os reformadores, Carlstadt demonstrou coragem real e honesta ao se manter firme ao lado de Lutero. Sua obra Santidade Papal (1520) ataca, com base na Bíblia, a infalibilidade do papa.”2McClintock e Strong, Cyclopedia, vol. 2, p. 123.HS 296.2
Lutero, como se sabe muito bem, ao voltar da Dieta de Worms, foi capturado pelos agentes do Eleitor da Saxônia e escondido de seus inimigos no castelo de Wartburg. Nessa ocasião, lemos o seguinte acerca de Carlstadt:HS 296.3
“Em 1521, durante o confinamento de Lutero em Wartburg, Carlstadt assumiu o controle quase que completo do movimento da Reforma em Wittemberg, e era supremo na universidade. Ele atacou a reclusão monástica e o celibato no tratado ‘Do celibato, da reclusão monástica e da viuvez’. Seu ponto de ataque seguinte foi a celebração da eucaristia, e um levante de estudantes e jovens cidadãos contra a missa logo se seguiu. No Natal de 1521, ele deu o sacramento de ambos os tipos [pão e vinho] aos leigos, e na língua alemã. Em janeiro de 1522 ele se casou. Seu zelo impetuoso o levava a fazer qualquer coisa que julgasse correta, repentina e arbitrariamente. Mas logo foi além de Lutero, e um de seus maiores erros foi colocar o Antigo Testamento em pé de igualdade com o Novo. Em 24 de janeiro de 1522, Carlstadt conseguiu a adoção de uma nova constituição eclesiástica em Wittemberg, que só tem algum valor por ser a primeira organização protestante da Reforma.”3Ibid.HS 296.4
Havia em Wittemberg, nessa época, alguns mestres fanáticos, que, por causa de sua cidade de origem, eram denominados “profetas de Zwickau”. Por um período, eles conseguiram influenciar Carlstadt a tal ponto que este concluiu que os títulos acadêmicos eram pecaminosos, e que, uma vez que a inspiração do Espírito era suficiente, não havia necessidade de ensino humano. Por isso, ele aconselhou os alunos da universidade a voltar para casa.4D’Aubigné, Hist. of the Ref., livro 9. A instituição corria risco de ter suas portas fechadas. Essas foram as ações de Carlstadt durante a ausência de Lutero. Com exceção dessa última ação, seus atos estavam corretos.HS 296.5
A responsabilidade pelas mudanças realizadas em Wittemberg durante a ausência de Lutero, tenham elas sido efetuadas no momento apropriado ou não, costuma ser atribuída a Carlstadt, e afirma-se que ele as fez de maneira individual e fanática. Mas a situação foi bem diferente. O Dr. Maclaine faz a seguinte análise da situação:HS 296.6
“Talvez o leitor imagine, pelo relato do Dr. Mosheim, que Carlstadt introduziu essas mudanças meramente com base em sua própria autoridade. Mas isso está longe de ser verdade. A supressão da missa privativa [isto é, não concedida aos leigos], a retirada de imagens da igreja e a abolição da lei que impunha o celibato ao clero, que são as mudanças citadas por nosso historiador como precipitadas e perigosas, foram efetuadas por Carlstadt juntamente com Bugenhagius, Melâncton, Jonas Amsdorf, dentre outros, e confirmadas pela autoridade do Eleitor da Saxônia. Por isso, há motivos para inferir que uma das principais causas do descontentamento de Lutero com as mudanças foi o fato de terem sido implementadas durante sua ausência, a menos que suponhamos que ele ainda não estivesse livre dos grilhões da superstição, a ponto de não se sensibilizar quanto ao absurdo e aos efeitos perniciosos do uso de imagens.5Mosheim, Church Hist., livro 4, séc. 16, seção 3, parte 2, parágrafo 22, nota.HS 297.1
Carlstadt deu aos leigos o privilégio de participar do vinho, de que Roma por tanto tempo lhes privara, e abandonou a adoração ao pão consagrado. O Dr. Sears analisa a obra de Carlstadt e então nos conta o que Lutero fez ao retornar. Estas são suas palavras:HS 297.2
“Ele [Carlstadt] havia restaurado o sacramento da ceia do Senhor a ponto de chegar a distribuir tanto o vinho quanto o pão aos leigos. Lutero, ‘para não ofender as consciências fracas’, insistiu na distribuição somente do pão, e prevaleceu. Ele [Carlstadt] rejeitou a prática de enaltecer e adorar a hóstia. Lutero a aceitou e a introduziu novamente.6Life of Luter, p. 401.HS 297.3
A posição de Carlstadt nessa época se tornou muito delicada. Ele não tinha aceitado “muitas coisas ensinadas pelos novos mestres” de Zwickau, mas havia ensinado em público algumas das ideias fanáticas deles acerca da influência do Espírito de Deus superar a necessidade de estudo. No entanto, ao suprimir os cultos idólatras da Igreja Católica, ele estava absolutamente correto. Teve a tristeza de ver boa parte do que combatera voltar a ser realizado. Além disso, o Eleitor não lhe permitia pregar ou escrever sobre os pontos em que discordava de Lutero. D’Aubigné diz o seguinte sobre a atitude de Carlstadt:HS 297.4
“Todavia, ele sacrificou seu amor próprio pela paz, refreou o desejo de defender sua doutrina, reconciliou-se, pelo menos em aparência, com o colega [Lutero], e retomou logo em seguida seus estudos na universidade.7D’Aubigné, Hist. Ref., livro 9, p. 282. Uso a excelente edição em volume único publicada por Porter e Coates.HS 297.5
Mas como Lutero ensinava algumas doutrinas que Carlstadt não podia aprovar, ele sentiu finalmente que precisava se posicionar. O Dr. Sears escreve:HS 297.6
“Depois de Carlstadt ser forçado a se manter em silêncio, de 1522 a 1524, e a se sujeitar ao poder e à autoridade superior de Lutero, ele não conseguiu mais se conter. Partiu então de Wittemberg e estabeleceu um prelo em Jena, por meio do qual poderia, em uma série de publicações, dar vazão a suas convicções, reprimidas por tanto tempo.8Life of Luter, p. 402-403.HS 297.7
Os princípios que embasavam suas ideias sobre a Reforma eram estes: Carlstadt insistia em rejeitar tudo aquilo que a igreja católica realizava que não fosse autorizado pela Bíblia; já Lutero estava determinado a manter tudo que não fosse expressamente proibido. O Dr. Sears exprime da seguinte forma suas diferenças fundamentais:HS 298.1
“Carlstadt defendia: ‘Nas coisas referentes a Deus, não devemos levar em conta o que diz ou pensa a multidão, mas olhar somente para a Palavra de Deus’. Ele acrescenta: ‘Outros alegam que, por causa dos fracos, não deveríamos nos apressar na guarda das ordens de Deus, mas esperar até que esses se tornem sábios e fortes’. No que se refere às cerimônias introduzidas pela igreja, ele tinha a mesma opinião que os reformadores suíços, a de que todas as coisas destituídas de embasamento bíblico deveriam ser rejeitadas. ‘Determinada prática é suficientemente contrária às Escrituras se você não puder encontrar justificativa na Bíblia para ela.’”HS 298.2
“Lutero, em contrapartida, afirmava: ‘Toda prática que não for contrária as Escrituras é favorável às Escrituras, e as Escrituras a ela. Embora Cristo não tenha ordenado a adoração à hóstia, também não a proibiu’. ‘Pelo contrário’ – dizia Carlstadt –, ‘somos comprometidos com a Bíblia, e ninguém pode decidir segundo as imaginações do próprio coração.’”9Idem, p. 401-402.HS 298.3
É interessante saber qual era o assunto que causava divergência entre eles, e a opinião de cada um sobre o mesmo. O Dr. Maclaine explica o motivo do conflito que surgiu:HS 298.4
“A diferença de opinião entre Carlstadt e Lutero a respeito da eucaristia foi a verdadeira causa da ruptura violenta entre esses dois homens proeminentes, e contribuiu muito pouco para favorecer a Carlstadt. Pois, por mais que pareça forçada a explicação dada por Carlstadt acerca das palavras usadas na instituição da ceia do Senhor, seus pontos de vista sobre essa ordenança – como sendo a comemoração da morte de Cristo e não como sendo a celebração de Sua presença corpórea, em consequência de uma consubstanciação com o pão e com o vinho – são muito mais racionais do que a doutrina de Lutero, a qual se encontra carregada de alguns dos absurdos mais palpáveis da transubstanciação. Caso se suponha que Carlstadt forçou as regras de interpretação, ao alegar que Cristo pronunciou o pronome este (nas palavras ‘Este é o meu corpo’) apontando para o próprio corpo, e não para o pão, o que pensar da explicação de Lutero para a doutrina ilógica da consubstanciação, usando como exemplo um ferro quente, no qual dois elementos se unem, ilustrando, assim, a união do corpo de Cristo ao pão da eucaristia?”10Mosheim, Hist. of the Church, livro 4, séc. 16, seção 3, parte 2, parágrafo 22, nota.HS 298.5
O Dr. Sears também explica a ocasião desse conflito em 1524:HS 299.1
“A diferença mais importante entre ele e Lutero, e a que mais provocou hostilidade da parte de Lutero contra Carlstadt, diz respeito à ceia do Senhor. Carlstadt não apenas se opôs à transubstanciação, mas à consubstanciação, à presença concreta [do corpo de Cristo], e a erguer e adorar a hóstia. Lutero rejeitou o primeiro ponto, defendeu o segundo e o terceiro, e permitiu os dois últimos. Acerca da presença real, Lutero afirmou: ‘No sacramento, encontram-se o corpo real de Cristo e o sangue real de Cristo, de modo que até mesmo os indignos e profanos dele participam; e “participam dele corporalmente” também, e não apenas espiritualmente como alega Carlstadt.’”11Life of Luther, p. 402.HS 299.2
Hoje, quase todos concordam que era Lutero quem estava equivocado nessa controvérsia. D’Aubigné não consegue deixar de censurá-lo:HS 299.3
“Quando surgiu a questão da ceia, Lutero deixou de lado o elemento próprio da Reforma e assumiu uma posição para si próprio e para sua igreja na forma de um luteranismo exclusivo.”12D’Aubigné, Hist. of Ref., livro 10, p. 312.HS 299.4
A divergência é caracterizada da seguinte forma pelo Dr. Sears:HS 299.5
“Seguiu-se uma controvérsia furiosa. Ambas as partes excederam os limites do decoro e da moderação cristã. Carlstadt se encontrava agora na vizinhança dos tumultos dos anabatistas, incitados por Muntzer. Ele simpatizava com esse grupo em algumas coisas, mas desaprovava suas desordens. Lutero se aproveitou ao máximo disso.”13Life of Luther, p. 403.HS 299.6
Fica claro que, nessa disputa, Lutero não conseguiu nenhuma vantagem decisiva, nem mesmo na opinião de seus amigos. Mas o Eleitor da Saxônia interferiu e exilou Carlstadt! D’Aubigné conta como isso ocorreu:HS 299.7
“Ele deu ordens para que Carlstadt fosse destituído de seus cargos, e o baniu não só de Orlamund, mas de todos os estados do eleitorado.”14D’Aubigné, Hist. of Ref., livro 10, p. 314-315.HS 299.8
“Lutero nada teve que ver com essa severidade da parte do governante. Tal atitude era algo alheio a sua disposição; e isso ele provou posteriormente.”15Ibid.HS 299.9
Carlstadt, por defender a doutrina hoje aceita por quase todos os protestantes acerca da ceia, e por negar a doutrina de Lutero de que Cristo Se encontrava pessoalmente presente no pão, foi transformado em um errante sem teto por anos. Seu banimento ocorreu em 1524. Os acontecimentos que se seguiram são assim descritos:HS 299.10
“Desde essa data até 1534, ele vagou pela Alemanha, perseguido pelas opiniões intolerantes tanto de luteranos quanto de católicos, e, em certas ocasiões, foi submetido às grandes dificuldades da indigência e impopularidade. Muito embora ele sempre tenha encontrado simpatia e hospitalidade entre os anabatistas, não há dúvida de que não é culpado da acusação de cumplicidade com a rebelião de Muntzer. Contudo, foi proibido de escrever; às vezes corria risco de vida, e ele exibe o espetáculo de melancolia de um homem que, em muitos aspectos, era grande e estava correto, mas cuja precipitação, ambição e zelo insincero, junto com muitas opiniões fanáticas, colocaram-no sob a censura bem fundamentada, porém exagerada, tanto de amigos quanto de inimigos.”16McClintock e Strong, Cyclopedia, vol. 2, p. 123.HS 299.11
Os fatos não parecem justificar essa narrativa. Não houve justiça na perseguição de Carlstadt. Por um breve período, ele defendeu algumas ideias fanáticas, mas não persistiu nelas por muito tempo. O mesmo escritor continua com postura crítica semelhante:HS 300.1
“Não se pode negar que, em muitos aspectos, ele certamente estava à frente de Lutero, mas seu erro se deve à pressa em subverter e abolir as formas e pompas externas antes que o coração das pessoas, e sem dúvida o dele também, tivesse sido preparado por uma mudança interna. Há numerosas biografias sobre ele, e a Reforma certamente lhe deve muitas coisas boas pelas quais ele não recebe o crédito, por serem obscurecidas pelos danos que ele causou.17Ibid.HS 300.2
Aqui são descritas verdades importantes sobre a contribuição de Carlstadt, mas elas estão entremeadas com sugestões de males para os quais não há provas suficientes. O Dr. Sears diz o seguinte sobre as palavras amargas que são usadas para se referir a Carlstadt:HS 300.3
“Há três séculos, o caráter moral de Carlstadt tem sido tratado como teria sido o caráter de Lutero, caso ouvíssemos apenas o testemunho católico. A parte interessada cumpre o papel tanto de testemunha quanto de juiz. E se julgássemos o caráter cristão de Zuínglio pela descrição de Lutero? A verdade é que Carlstadt dificilmente demonstrou um espírito pior ou usou termos mais abusivos em relação a Lutero do que Lutero em relação a ele. Carlstadt sabia que, em muitas coisas, a verdade estava do lado dele. Porém, tanto nessas coisas quanto em outras, ele foi reprimido pelo poder civil, que se encontrava do lado de Lutero.”18Life of Luther, p. 400.HS 300.4
D’Aubigné diz o seguinte acerca da disputa entre esses dois homens:HS 300.5
“Ambos se opõem ao erro que, na opinião deles, lhes parece mais nocivo; e, ao atacá-lo, possivelmente passem além da verdade. Contudo, tendo admitido isso, continua sendo verdade que ambos estão corretos na tendência predominante de suas ideias, e, embora se posicionem em diferentes grupos, esses dois grandes mestres se encontram sob a mesma bandeira, a saber, a de Jesus Cristo, o único que é a verdade no pleno sentido dessa palavra.”19D’Aubigné, Hist. of Ref., livro 10, p. 312.HS 300.6
D’Aubigné diz o seguinte sobre os dois, após Carlstadt ser banido:HS 301.1
“É impossível não sentir dor ao ver esses homens, amigos no passado, e ambos dignos de nossa estima, em oposição tão ferrenha.”20Idem, livro 10, p. 315.HS 301.2
Algum tempo depois de ser banido da Saxônia, Carlstadt visitou a Suíça. D’Aubigné relata os resultados de seu trabalho nesse país e o que Lutero fez com ele:HS 301.3
“Suas instruções atraíram atenção praticamente igual à despertada pelas primeiras teses expostas por Lutero. A Suíça parecia quase conquistada por sua doutrina. Bucer e Capito aparentemente adotaram seus pontos de vista.”HS 301.4
“Foi então que a indignação de Lutero chegou ao auge; e ele elaborou um dos mais poderosos, porém mais ultrajantes de seus escritos controversos: seu livro Against the Celestial Prophets [Contra os Profetas Celestiais].”21Hist. of Ref., livro 10, p. 315.HS 301.5
O Dr. Sears também menciona o trabalho de Carlstadt e fala sobre o livro tendencioso de Lutero:HS 301.6
“A obra que escreveu contra ele recebeu o título de livro Against the Celestial Prophets. O livro não foi imparcial, pois a controvérsia dizia respeito principalmente ao sacramento da ceia. No sul da Alemanha e na Suíça, Carlstadt conseguiu mais adeptos do que Lutero. Banido como anabatista, foi aceito como zuingliano.22Life of Luther, p. 403.HS 301.7
O Dr. Maclaine conta algo que aconteceu em seguida, que é digno da nobre natureza desses dois homens ilustres:HS 301.8
“Carlstadt, após ser banido da Saxônia, escreveu um tratado contra o entusiasmo em geral, e especialmente contra as extravagâncias e a conduta violenta dos anabatistas. Esse tratado foi até dedicado a Lutero, que se sentiu tão tocado por ele que, arrependendo-se do tratamento injusto que dispensara a Carlstadt, intercedeu por ele e conseguiu uma permissão do Eleitor para que Carlstadt voltasse à Saxônia.”23Mosheim, Church Hist., livro 4, séc. 16, seção 3, parte 2, parágrafo 22, nota.HS 301.9
“Após essa reconciliação com Lutero, ele escreveu um tratado sobre a eucaristia, que transpira o mais amistoso espírito de moderação e humildade. Tendo examinado os escritos de Zuínglio, onde encontrou seus próprios pontos de vista defendidos com inigualável destreza e com o peso das evidências, partiu, pela segunda vez, para Zurique, e dali para a Basileia, onde foi admitido nos ofícios de pastor e professor de divindade. Ali, depois de uma vida exemplar de prática constante de todas as virtudes cristãs, em meio às mais calorosas demonstrações de piedade e resignação, ele morreu, em 25 de dezembro de 1541.”24Ibid. Uma declaração quase igual é feita por du Pin, tomo 13, cap. 2, seção 20, p. 103, 1703 d.C.HS 301.10
Sobre a erudição e a meticulosidade de Carlstadt, D’Aubigné diz o seguinte:HS 302.1
“O Dr. Scheur diz que ‘ele era bem versado em latim, grego e hebraico’. Lutero reconhecia que Carlstadt era superior a ele em erudição. Agraciado com grande poder intelectual, sacrificou, por suas convicções, a fama, o status, o país e até mesmo o pão.”25Hist. Ref., livro 10, p. 315.HS 302.2
A natureza sabatista de Carlstadt é confirmada pelo Dr. White, bispo de Ely:HS 302.3
“Essa prática [a observância do sétimo dia], sendo também reavivada nos tempos de Lutero por Carolastadius, Sternebergius e por alguns sectários dentre os anabatistas, foi, na época e desde então, censurada como judaica e herética.”26Treatise of the Sabbath Day, p. 8.HS 302.4
O Dr. Sears alude ao fato de Carlstadt guardar o sétimo dia, mas, como é bastante comum por parte dos historiadores defensores do primeiro dia, ele o faz de tal forma que deixa o fato suficientemente obscuro, o que leva o leitor comum a passá-lo por alto, sem sequer notá-lo. Ele escreve:HS 302.5
“Carlstadt diferia completamente de Lutero quanto ao uso do Antigo Testamento. Para ele, a lei de Moisés continuava em vigor. Lutero, em contrapartida, tinha forte aversão pelo que ele chama de religião legal e judaizante. Carlstadt se apegava à autoridade divina do sábado do Antigo Testamento. Já Lutero cria que os cristãos tinham a liberdade para guardar qualquer dia como um sábado, contanto que fossem uniformes nessa observância.”27Life of Luther, p. 402.HS 302.6
Temos, porém, a declaração do próprio Lutero acerca do ponto de vista de Carlstadt sobre o sábado. Em seu livro Against the Celestial Prophets, ele afirma:HS 302.7
“De fato, se Carlstadt escrevesse mais sobre o sábado, o domingo precisaria ser deixado de lado e o sábado – isto é, o sétimo dia – deveria ser santificado. Ele verdadeiramente nos faria judeus em todas as coisas, e teríamos de ser circuncidados, pois uma coisa é verdade e não pode ser negada: quem julga necessário guardar uma lei de Moisés, e a observa como lei de Moisés, também deve considerar importantes todas as demais e deve guardá-las por completo.”28Citado por J. W. Moore, The Life of Martin Luther in Pictures, p. 147, Philadelphia, 195 Chestnut Street.HS 302.8
Os diversos historiadores que falam sobre a divergência entre Lutero e Carlstadt comentam abertamente as motivações de cada um. Sobre tais questões, porém, é melhor falar pouco. O dia do juízo há de revelar o que se encontra no coração das pessoas, e devemos esperar até então. Todavia, podemos discorrer livremente sobre seus atos e, com propriedade, identificar as coisas que um poderia ter aprendido com o outro. Os erros de Carlstadt em Wittemberg não foram cometidos porque ele rejeitou a ajuda de Lutero, mas por ter sido privado de tal ajuda quando Lutero foi capturado. Já os erros de Lutero naquilo que Carlstadt estava certo ocorreram porque ele achou melhor rejeitar a doutrina de Carlstadt.HS 302.9
1. O erro de Carlstadt quando este removeu as imagens, extingiu a missa, aboliu os votos monásticos e de celibato, permitiu que todos participassem tanto do pão quanto do vinho na ceia e passou a realizar o culto em alemão, em vez de em latim – se é que foi erro – foi no que diz respeito ao momento, e não à doutrina. Se Lutero estivesse com ele, provavelmente tudo isso teria sido adiado por alguns meses, ou talvez alguns anos.HS 303.1
2. Com a presença de Lutero, Carlstadt provavelmente teria sido poupado da influência dos profetas de Zwickau. Na situação em que se encontrava, ele de fato aceitou, por um breve período, não o ensino deles como um todo, mas apenas a doutrina de que a inspiração do Espírito Santo torna vão e inútil o ensino humano. Mas nessas coisas Carlstadt se submeteu à correção de Lutero. Se Lutero tivesse dado ouvidos a Carlstadt, teria se beneficiado nos seguintes aspectos:HS 303.2
1. Em seu zelo pela doutrina da justificação pela fé, ele teria sido poupado de negar a inspiração da carta de Tiago e não a teria chamado de “epístola de palha”.29McClintock e Strong, vol. 2, p. 123. Dr. A. Clarke, Commentary, prefácio a Tiago.HS 303.3
2. Em vez de trocar a transubstanciação – a doutrina católica de que o pão e o vinho da ceia se transformam na carne e no sangue literais de Cristo – pela consubstanciação – a doutrina que ele estabeleceu na igreja luterana de que a carne e o sangue de Cristo estão presentes no pão e vinho –, Lutero poderia ter ensinado a essa igreja a doutrina de que o pão e o vinho simplesmente representam o corpo e o sangue de Cristo, sendo usados em comemoração de Seu sacrifício por nossos pecados.HS 303.4
3. Em vez de aderir a todas as práticas da igreja católica que não se encontram expressamente proibidas na Bíblia, ele poderia ter deixado de lado tudo que não for sancionado pelo Livro sagrado.HS 303.5
4. Em vez da festa católica do domingo, ele teria guardado e transmitido à igreja protestante o antigo sábado do Senhor.HS 303.6
Carlstadt necessitava da ajuda de Lutero, e ele a aceitou. Será que Lutero também não precisava do auxílio de Carlstadt? Será que não chegou o momento de defender Carlstadt da grande difamação que lhe foi imposta pelo grupo dominante? E será que isso já não teria sido feito há muito tempo se Carlstadt não tivesse sido um firme sabatista?HS 303.7