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    19. A Lei e o Evangelho

    “Eu e o Pai somos um” (João 10:30).MH 283.1

    O Pai e o Filho eram um na criação do homem e em sua redenção. O Pai disse ao Filho: “Façamos o homem à Nossa imagem”. E o triunfante cântico de júbilo no qual tomam parte os remidos diz: “Ao que está assentado sobre o trono e ao Cordeiro [...] para todo o sempre”.MH 283.2

    Jesus orou pedindo que Seus discípulos fossem um, assim como Ele era um com o Pai. Essa oração não contemplava um discípulo com doze cabeças, mas doze discípulos que deveriam se tornar um, em objetivo e dedicação à causa de seu Mestre. O Pai e o Filho tampouco são partes do “Deus triúno”. Eles são dois seres distintos, mas são um na idealização e na realização da redenção. Todos os que desfrutam da grande redenção, desde o primeiro até o último, atribuem a honra, a glória e o louvor de sua salvação a Deus e ao Cordeiro.MH 283.3

    Mas, caso seja verdade que a lei do Pai e o evangelho do Filho se opõem um ao outro, e que um devia tomar o lugar do outro, então se conclui que os salvos da dispensação anterior são salvos pelo Pai e pela lei, enquanto os da presente dispensação são salvos por Cristo e pelo evangelho. Nesse caso, quando os remidos finalmente chegarem ao Céu e cantarem de sua redenção, serão ouvidos dois cânticos, um tributando louvor a Deus e à lei e outro dando louvor a Cristo e ao evangelho.MH 283.4

    Mas não será assim. Haverá harmonia no cântico da redenção. Todos os remidos cantarão sobre os acontecimentos da forma como eles ocorreram no período de graça da humanidade. Todos atribuirão o louvor de sua salvação a Deus e ao Cordeiro. Adão, Abel, Enoque, Noé, Abraão e Moisés se unirão aos discípulos de Jesus para cantar sobre o poder redentor do sangue do Filho, enquanto os que viveram após a crucifixão de Cristo e foram salvos por Seu sangue, unir-se-ão aos patriarcas e profetas em um cântico de louvor ao Pai, criador e legislador. Portanto, a lei e o evangelho caminham um ao lado do outro durante todo o período de graça da humanidade. O evangelho não está confinado a dezoito séculos. A dispensação do evangelho tem cerca de seis mil anos, nada menos do que isso.MH 283.5

    A palavra “evangelho” significa “boas novas”. O evangelho do Filho de Deus são as boas novas da salvação através de Cristo. Quando o homem caiu, os anjos choraram. O Céu foi banhando de lágrimas. Pai e Filho Se reuniram em conselho, e Jesus Se ofereceu para assumir a causa do homem caído. Ele Se ofereceu para morrer para que o homem pudesse ter vida. O Pai consentiu em dar Seu único e amado Filho. As boas-novas de que um caminho fora aberto para a redenção do homem percorreram o Céu e ressoaram na Terra. O evangelho de Jesus Cristo estava contido na primeira promessa feita ao homem, de que a semente da mulher esmagaria a cabeça da serpente, tão completamente quanto ele estava presente no cântico que os anjos cantaram nas planícies de Belém, para os pastores, enquanto estes vigiavam seus rebanhos à noite: “Glória a Deus nas alturas, paz na Terra, boa vontade para com os homens”.MH 284.1

    Imediatamente após a queda, a esperança de uma vida futura dependia tanto de Cristo quanto nossas esperanças dependem Dele hoje. Quando os primeiros filhos de Adão trouxeram suas ofertas ao Senhor, Caim, em sua incredulidade, trouxe os primeiros frutos da terra, os quais não eram aceitáveis. Abel trouxe um primogênito do rebanho, como demonstração de sua fé em Cristo, o grande sacrifício pelo pecado. Deus aceitou sua oferta. Através do sangue daquele primogênito, Abel anteviu o sangue de Jesus Cristo. Ele olhou com antecipação para Cristo e ofereceu seu sacrifício, na fé e esperança do evangelho. Através desse sacrifício, ele anteviu o grande sacrifício pelo pecado, assim como vemos o Cordeiro ensanguentado ao olharmos, em retrospectiva, para o Calvário, mediante o tomar do pão partido e o beber do fruto da vinha. Através desses emblemas, vemos o Cristo crucificado. Abel também O viu, através do cordeiro que ofereceu. Estamos depositando nossas esperanças, pela fé, em Cristo? Assim o fez Abel. Somos cristãos por causa da fé viva em Cristo? Assim o era Abel.MH 284.2

    Abraão tinha o evangelho do Filho de Deus. O apóstolo diz que as Escrituras, prevendo que Deus justificaria os pagãos, preanunciaram o evangelho a Abraão (Gálatas 3:8).MH 284.3

    Paulo, falando sobre os israelitas no deserto, diz que “todos foram batizados em Moisés, na nuvem e no mar, e todos comeram de um mesmo manjar espiritual, e beberam todos de uma mesma bebida espiritual, porque bebiam da pedra espiritual que os seguia; e a pedra era Cristo” (1 Coríntios 10:2-4). O evangelho foi pregado aos filhos de Israel no deserto. O apóstolo diz: “Porque também a nós foram pregadas as boas-novas, como a eles, mas a palavra da pregação nada lhes aproveitou, porquanto não estava misturada com a fé naqueles que a ouviram” (Hebreus 4:2).MH 284.4

    Moisés e os judeus crentes tinham a fé e a esperança do evangelho. Através do sangue das ofertas sacrificadas, eles anteviam a Cristo e, pela fé, O aceitavam. Suas esperanças quanto à vida futura não estavam na lei, mas em Cristo.MH 285.1

    Paulo diz: “Tendo a lei a sombra dos bens futuros”. O sistema típico não passa de uma sombra. Os bens futuros, dos quais Cristo, como sacrifício e mediador, é o centro, são a matéria que projeta sua sombra para o passado, até a era judaica. Os sacrifícios de sangue do sistema legal eram apenas a sombra; Cristo, derramando Seu sangue na cruz, era a grande realidade. Cada sacrifício com derramamento de sangue oferecido pelos judeus – com entendimento e fé – era tão aceitável à vista do Céu quanto a confissão de fé que os cristãos fazem com relação aos sofrimentos, morte e ressurreição de Cristo, e quanto o batismo e a ceia do Senhor. Aqueles sacrifícios eram feitos com base na fé e na esperança de redenção pelo sangue do Filho de Deus, assim como nossa confissão, hoje, pode ser feita com base na esperança já concretizada. A dispensação do evangelho, que é a dispensação das boas-novas da redenção através de Cristo, já dura seis mil anos.MH 285.2

    A dispensação da lei de Deus tem duração maior do que a do evangelho. Ela começou antes da queda. Se não fosse assim, segundo a justiça de Deus, a queda não poderia ter ocorrido. Ela passou a existir assim que as primeiras criaturas inteligentes, sujeitas ao governo do Criador, foram criadas. Ela cobre todos os tempos e se estende para o futuro, em paralelo com a eternidade do governo moral de Deus. Anjos caíram, o que implica que eles estavam sendo testados [on probation]. Visto que estavam sob teste [being on probation], eles, consequentemente, estavam sujeitos à lei. Na ausência de lei, seu estado de perfeição e aceitação diante de Deus seria incondicional, sem qualquer necessidade de um teste de caráter [they could not be on probation]; sob tais condições, eles não poderiam cair. O mesmo pode ser dito sobre Adão e Eva no Éden.MH 285.3

    Os dez mandamentos são adaptados aos seres caídos. Já que eles estão registrados nas Sagradas Escrituras, que foram dadas ao homem em seu estado caído, eles não estão adaptados à condição dos santos anjos, nem à do homem em seu estado santo no Éden. Mas os dois grandes princípios do governo moral de Deus já existiam, de fato, antes da queda, sob a forma de lei. Eles são apresentados no Antigo Testamento, e são citados por Cristo no Novo Testamento como dois grandes mandamentos: “Amarás o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, e de toda a tua alma, e de todo o teu pensamento. Este é o primeiro e grande mandamento. E o segundo, semelhante a este, é: Amarás o teu próximo como a ti mesmo. Desses dois mandamentos dependem toda a lei e os profetas” (Mateus 22:37-40. Comparar com Deuteronômio 6:5; Levítico 19:18).MH 286.1

    Esses dois mandamentos requerem amor supremo ao Criador e amor ao próximo como o amor que alguém dedica a si mesmo. Os anjos não podem fazer mais do que esses dois mandamentos requerem. Adão também não. Nós também não. Esses dois grandes mandamentos abrangem tudo o que é requerido pelos dez preceitos do decálogo. Eles formam o grande círculo dentro do qual está a vontade de Deus para o homem. Nenhum preceito e nenhum princípio do Livro de Deus se estende para além desse círculo.MH 286.2

    [Diagrama contendo os 2 mandamentos]MH 286.3

    Logo após a queda, vemos esse círculo dividido em dez partes. Os dois princípios do governo moral de Deus são vistos divididos em dez preceitos, escritos de maneira a atender a condição caída do homem. O amor a Deus é ensinado nos quatro primeiros mandamentos, e o amor ao próximo é ensinado nos seis últimos. Os ensinos dos profetas do Senhor, do Filho de Deus e dos apóstolos de Jesus sempre estiveram em harmonia com os dez preceitos da lei de Jeová. O dever do homem, diz Salomão, é temer a Deus e guardar os Seus mandamentos.MH 287.1

    [Diagrama contendo os 10 mandamentos]MH 287.2

    Os dez preceitos do decálogo, adaptados à condição caída do homem, entraram em vigência assim que as circunstâncias os exigiram. Os três primeiros eram aplicáveis a Adão imediatamente após a queda. E, embora o sábado do quarto preceito tenha sido instituído ao término da primeira semana do tempo, antes da queda – e temos evidências de que Adão foi instruído a observá-lo como memorial da criação –, mesmo assim, a porção do preceito adaptada ao estado caído, relativa ao servo, à serva e ao estrangeiro, não poderia existir até que essas relações passaram a existir. O quinto mandamento não pôde ser implementado até que Adão teve filhos. O sexto, sétimo, oitavo, nono e décimo mandamentos foram implementados assim que as partes envolvidas, às quais eles poderiam ser aplicados, passaram a existir.MH 287.3

    Não existe nada na condição moral do homem, nem em seu estado caído, nem na natureza dos próprios dez mandamentos que restrinja esses preceitos a determinada dispensação, e não a outra. A miséria moral do homem é a mesma, embora ele se torne mais deplorável à medida que avança, distanciando-se cada vez mais das portas do Paraíso e aproximando-se do fechamento da porta da graça. E a lei de Deus, adaptada a seu estado caído, é aplicável e necessária durante todo o período de sua condição caída, do Paraíso perdido ao Paraíso reconquistado.MH 288.1

    O reino do pecado corre em paralelo com o reino da morte, desde Adão e até que pecado e pecadores deixem de existir. E, paralelo a eles, estendendo-se por todas as dispensações, o conhecimento dos princípios dos dez mandamentos e, consequentemente, o conhecimento do pecado, também tem existido.MH 288.2

    O meio para se alcançar esse conhecimento tem sido a lei de Deus. “Porque pela lei”, diz o apóstolo, “vem o conhecimento do pecado” (Romanos 3:20). “Mas eu não conheci o pecado senão pela lei” (Romanos 7:7). Como prova de que esse conhecimento existia, de fato, imediatamente após a queda, ver Gênesis 4:7, 23, 24; 6:5, 11, 12. Noé também era justo diante de Deus (Gênesis 7:1). Ele era um pregador da justiça (2 Pedro 2:5). Com sua pregação, que reprovava os pecados do povo e instava para que fizessem o que era correto, ele condenou o mundo (Hebreu 11:7). Os homens de Sodoma e Gomorra eram grandes pecadores, exceto um deles. Abraão intercedeu, dizendo: “Destruirás também o justo com o ímpio?” (Gênesis 13:13; 18:20, 23, 25; 19:7). A bênção de Deus foi posta sobre Abraão porque ele obedeceu à Sua voz e guardou os Seus mandamentos (Gênesis 26:5). Os que se recusaram a obedecer, provaram de Sua ira como resultado da transgressão. As cidades da planície foram condenadas por seus atos contrários à lei (2 Pedro 2:6-8).MH 288.3

    Para ilustrar esse assunto, comentarei rapidamente sobre o assassinato do justo Abel. Caim matou seu irmão e, como pecador, recebeu a marca da insatisfação de Deus. O pecado, diz o apóstolo, é a transgressão da lei (1 João 3:4). Caim quebrou o sexto mandamento. Assim, esse preceito existia no tempo de Caim; de outra maneira, ele não teria cometido pecado, pois onde não há lei não há transgressão (Romanos 4:15).MH 288.4

    As posições acima, relativas à lei de Deus, sofreriam pouca oposição se não fosse pelo sábado do quarto mandamento. A correta observância do Sábado bíblico não é apenas um obstáculo, mas um inconveniente desfavorável à execução bem-sucedida dos planos seculares de muitos. Os covardes e incrédulos se esquivam de suas reivindicações, rotulando-o de instituição judaica, e, com frequência, afirmam que ele era desconhecido para o homem até que a lei do sábado foi proclamada no Sinai. A história sagrada, entretanto, prova que essa declaração é falsa. É verdade que a guarda do sábado não é mencionada no livro de Gênesis. Mas isso não prova que ele não existia durante o longo período coberto por esse breve registro. Os fatos ligados à queda do maná mostram que os israelitas entendiam as obrigações do sábado, e que alguns deles as violaram e foram reprovados por Jeová, trinta dias antes que eles avistassem o Monte Sinai. Ver Êxodo 16-19.MH 289.1

    Passemos, agora, ao Novo Testamento. Os quatro primeiros capítulos de Mateus são dedicados ao esboço da genealogia de Cristo, aos acontecimentos relacionados com José e Maria, ao nascimento de Jesus, à matança, por Herodes, das crianças de Belém, a João Batista, à tentação de Cristo e ao início de Seu ministério público. O quinto capítulo começa com o primeiro registro de Seus sermões públicos. Naquele memorável sermão da montanha, Cristo adverte Seus discípulos contra uma terrível heresia que em breve se introduziria na igreja.MH 289.2

    Os judeus se vangloriavam de Deus, de Abraão e da lei, mas desprezavam e rejeitavam a Jesus. Os grandes acontecimentos ligados à Sua ressurreição logo se passariam, e seriam tão convincentes que muitos creriam. Mas assim como os judeus iriam rejeitar e crucificar o Filho, embora se jactassem da lei, os cristãos iriam incorrer na heresia oposta, e igualmente fatal, de pisotear a autoridade do Pai e desprezar Sua lei, ao mesmo tempo que receberiam a Cristo e se gloriariam no evangelho. Sempre foi intuito de Satanás separar, na fé da igreja, o Pai e o Filho. Entre os judeus havia o seguinte clamor: o Pai, Abraão e a lei, mas fora com Jesus e Seu evangelho. Entre os cristãos, este seria o clamor que haveria de surgir: Cristo, a cruz e o evangelho, mas fora com a lei do Pai. Para combater essa heresia, que logo se levantaria na igreja cristã, o Mestre, em Seu primeiro sermão registrado, foi contundente em sua fala. Ouça Seu apelo a Seus discípulos, na presença da multidão reunida:MH 289.3

    Não cuideis que vim destruir a lei ou os profetas; não vim ab-rogar, mas cumprir. Porque em verdade vos digo que, até que o céu e a terra passem, nem um jota ou um til se omitirá da lei sem que tudo seja cumprido. Qualquer, pois, que violar um destes menores mandamentos e assim ensinar aos homens será chamado o menor no Reino dos Céus; aquele, porém, que os cumprir e ensinar será chamado grande no Reino dos Céus (Mateus 5:17-19).MH 290.1

    Essas palavras de advertência de nosso Senhor se encaixam plenamente na questão. Elas não precisam ser comentadas. A história da igreja, com seu registro de como homens aparentemente honrados e bons têm defendido a lei de Deus com frouxidão, bem como a atual e última controvérsia a respeito dela, dão às palavras de Cristo uma força especial.MH 290.2

    Jesus não veio para legislar. Em nenhuma ocasião Ele insinuou que apresentaria uma nova lei para tomar o lugar da lei de Seu Pai. Falando a respeito do Filho, o Pai diz: “Ele lhes falará tudo o que Eu Lhe ordenar” (Deuteronômio 18:18). “Jesus respondeu e disse-lhes: A Minha doutrina não é Minha, mas Daquele que Me enviou” (João 7:16). “Nada faço por Mim mesmo; mas falo como o Pai Me ensinou” (cap. 8:28). “A palavra que ouvistes não é Minha, mas do Pai que Me enviou” (cap. 14:24).MH 290.3

    Consideremos a solene pergunta do grande apóstolo dos gentios, referente à lei de Deus e à fé de Jesus: “Anulamos, pois, a lei pela fé? [...]” (Romanos 3:31). Essa pergunta atinge diretamente o problema, bem como os homens destes dias, que ensinam que o evangelho do Filho anula a lei do Pai. Paulo decide a questão com as seguintes palavras enfáticas: “De maneira nenhuma! Antes, estabelecemos a lei”.MH 290.4

    O evangelho é uma necessidade decorrente de uma lei transgredida. Onde não há lei, não há transgressão, nem pecado, nem necessidade do sangue de Cristo, nem do evangelho. Mas o evangelho ensina que Cristo morreu pelos pecadores por causa de seus pecados. O pecado é a transgressão da lei. Cristo veio, portanto, como o grande sacrifício em favor dos que transgridem a lei. O evangelho O apresenta como o sacrifício ensanguentado pelos pecados dos que transgridem a lei. Esse fato confirma a existência da lei de Deus. Remova-se a lei e já não temos necessidade de Cristo nem de Seu evangelho.MH 290.5

    No planejamento do evangelho em favor da salvação do homem, existem três partes interessadas: o Legislador, o Advogado e o pecador. As palavras do apóstolo vão direto ao ponto: “se alguém pecar, temos um Advogado para com o Pai, Jesus Cristo, o Justo” (1 João 2:1). Pecado é a transgressão da lei do Pai. Assim, o pecador ofende o Pai, fica em dificuldades com o Pai e precisa de Jesus para defender sua causa diante do Pai. Mas se a lei do Pai foi abolida, e Cristo sustenta a posição de legislador para o pecador, quem é o advogado? “A mãe Maria”, o “Pai José”, ou algum outro dentre a multidão de santos canonizados será uma resposta suficiente para um defensor do papado. Mas o que farão os protestantes nesse caso? Se o protestante afirma que Cristo, não o Pai, é o legislador, e que na presente dispensação o pecado é a transgressão da lei de Jesus Cristo, então eu o desafio a dizer quem é o advogado do pecador, e peço-lhe que harmonize sua posição com as palavras do amado João: “Se alguém pecar, temos um Advogado para com o Pai, Jesus Cristo, o Justo”.MH 291.1

    Paulo se dirige da seguinte forma aos anciãos da igreja de Mileto, ao falar sobre os princípios fundamentais do plano da salvação: “jamais deixando de vos anunciar coisa alguma proveitosa, e de vo-la ensinar publicamente e também de casa em casa, testificando tanto a judeus como a gregos o arrependimento para com Deus e a fé em nosso Senhor Jesus Cristo” (Atos 20:20, 21, ARA). Aqui, o apóstolo coloca diante das pessoas da presente dispensação dois deveres distintos. Primeiro, o exercício do arrependimento para com Deus, pois Sua lei lhes é compulsória e é ela que eles transgrediram. Segundo, o exercício da fé em Cristo como o grande sacrifício por seus pecados e como seu advogado perante o Pai. Ambos são indispensáveis, e Paulo apresenta a ambos. Ele não deixa de mencionar nada que seja pertinente e importante no plano da salvação.MH 291.2

    As palavras de encerramento do terceiro anjo apontam diretamente para um corpo de cristãos que guarda os mandamentos: “Aqui está a paciência dos santos; aqui estão os que guardam os mandamentos de Deus e a fé de Jesus” (Apocalipse 14:12). O judeu não se vale desse texto porque, nele, vê o desprezado Jesus de Nazaré. Muitos professos cristãos também acham o verso passível de objeções, pois encontram nele os igualmente desprezados mandamentos de Deus. Mas o adorável Jesus disse: “Eu e o Pai somos um”. Então, a lei do Pai e o evangelho do Filho atravessam harmoniosamente todas as dispensações do estado caído do homem. Quem dera que o cego judeu e o cego cristão pudessem enxergar isso, e, abraçando a verdade toda, em vez de cada um abraçar uma parte, guardassem os mandamentos de Deus e a fé de Jesus, e fossem salvos.MH 291.3

    Que fique claro, porém, que não há salvação na lei, isto é, não há qualidade redentora na lei. A redenção vem através do sangue de Cristo. O pecador pode deixar de quebrar os mandamentos de Deus e lutar com toda sua força para os guardar, mas isso não vai servir como expiação de seus pecados, nem redimi-lo de sua presente condição decorrente das transgressões passadas. Não obstante todos os seus esforços para guardar a lei de Deus, sem fé no sangue expiatório de Jesus, ele estará perdido. E isso era tão verdade no tempo de Adão, Abel, Enoque, Noé, Abraão, Moisés e dos judeus como o é desde que Jesus morreu na cruz. Nenhum ser humano pode ser salvo sem Cristo.MH 292.1

    Por outro lado, a fé em Jesus Cristo aliada a uma recusa em obedecer à lei do Pai é presunção. Um esforço para fazer amizade com o Filho ao mesmo tempo em que se vive em rebelião contra o Pai é atrevimento contra o Céu. Não há maior insulto que possa ser dirigido contra o Pai ou o Filho. Como pode alguém querer separar o Pai e o Filho, pisoteando a autoridade de um e fazendo do outro um amigo? “Eu e o Pai somos um”. O judeu insulta o Pai ao rejeitar o Filho, e o cristão joga no rosto do Céu um insulto semelhante, com todos os seus atos de adoração nos quais, em vão, acha que pode fazer de Jesus seu amigo, enquanto, mesmo tendo luz sobre o assunto, quebranta os mandamentos de Deus.MH 292.2

    A unidade do Pai e do Filho é vista na transfiguração. Aquela voz, que é a mais alta autoridade do universo, é ouvida ao Ele dizer: “Este é o Meu Filho amado; a Ele ouvi”. É vista também na bênção final do Filho, no último capítulo da Bíblia, a qual apresenta diante dos leais as glórias da recompensa reservada para o obediente. “Bem-aventurados aqueles que guardam os Seus mandamentos, para que tenham direito à árvore da vida e possam entrar na cidade pelas portas” (Apocalipse 22:14, margem da ARC).MH 292.3

    Chamo brevemente a atenção do leitor para três grandes eventos que ocorreram em conexão com a triste história do homem caído. Qualquer um deles é suficiente para confirmar a perpetuidade da lei de Deus.MH 293.1

    Primeiro, a queda, com suas terríveis consequências. Se a lei de Deus pudesse ser mudada, em qualquer detalhe, a qualquer tempo, ela teria sido mudada quando havia apenas dois seres caídos, Adão e Eva, antes de deixarem o Éden. Se o plano do governo moral de Deus pudesse ser mudado, ele teria sido mudado de maneira a deixá-los livres, evitando, assim, a maré de miséria e agonia humanas que se seguiu. Mas não; ela não podia ser mudada. A maldição devia cair sobre o homem e sobre a Terra, por causa do homem. A ferrugem e o bolor do pecado deviam chegar a todas as partes, pendendo sobre a criação como um manto de morte. Por quê? Porque a lei de Deus, que foi transgredida, não podia ser mudada nem abolida. Cada flor que murcha e cada folha que cai, desde que o homem deixou o Éden, têm proclamado a imutabilidade da lei de Deus. Esse foi o resultado do pecado. É o resultado da terrível queda. E tudo isso aconteceu por causa da transgressão daquela lei que é tão imutável quanto o trono do Céu. Se essa lei pudesse ser mudada, em qualquer de seus detalhes, ela teria sido mudada quando havia somente dois seres caídos, de maneira a livrá-los da sentença de morte e de sua degradação, e à raça humana do pecado, crime e aflição constantes.MH 293.2

    Pense na recente guerra americana, com toda sua terrível agonia. Mas esse é apenas um item do imenso catálogo. Por seis mil anos, a maré tem subido e à criação tem sido acrescentado gemido após gemido. Quanta tristeza, miséria e agonia! Quem é capaz de calcular tudo isso? A queda, então, com toda sua miséria acumulada, proclama a imutabilidade da lei de Deus. A seguir, apresento o próximo grande evento que proclama essa verdade.MH 293.3

    Segundo, o anúncio dos dez mandamentos no Sinai, numa imponente demonstração. Não coube a Moisés proclamar essa lei. Não coube a um anjo reunir as tribos de Israel e pronunciar esses dez preceitos santos diante deles. Não coube nem ao Filho fazê-lo. Mas o Pai, o grande Eterno, desce em formidável grandeza e proclama esses preceitos diante de todo o povo.MH 293.4

    Você diz que essa foi a origem da lei de Deus? Você diz que Deus desceu sobre o Sinai e ali Ele legislou? E você diz que Ele, depois disso, aboliu esse código ou o alterou? Quando Ele fez isso? Onde Ele fez isso? Algum profeta predisse que tal evento ocorreria? E algum apóstolo registrou que tal obra foi, em algum momento, realizada? Nunca.MH 294.1

    Os cidadãos de Michigan enviam seus legisladores para a capital do estado, Lansing, para promulgar leis. Essas leis são publicadas em todo o estado. As pessoas as entendem. Então algumas dessas leis são recusadas ou mudadas. Seria isso feito secretamente, sem que o povo soubesse do que havia ocorrido? Não. O mesmo grupo que promulga as leis também as muda, faz emendas ou as anula, e o povo é informado dos fatos. Isso é feito de maneira tão pública quanto a promulgação da lei. Não teria também Deus, que é todo-sábio e misericordioso, manifestado a mesma sabedoria ao lidar com questões do interesse do homem, questões essas que afetam seu bem-estar eterno? Ele desceu sobre o Sinai e proclamou Sua lei em circunstâncias que visavam a impressionar o povo com a grandiosidade, dignidade e perpetuidade dela. Quem pode supor que Ele a aboliria ou a alteraria sem lhes informar nada sobre isso?MH 294.2

    Terceiro, a crucifixão confirma a lei de Deus. Se a lei pudesse ser abolida, ou ter quaisquer de seus preceitos mudados, por que não fazer isso e deixar o homem livre, em vez de o Filho do Homem ter que deixar Sua glória para, assumindo nossa natureza, viver a triste vida que viveu aqui na terra, sofrer no Getsêmani e, finalmente, expirar sobre a cruz? Pergunto: Por que o divino Filho de Deus teria que passar por tudo isso para salvar a raça humana, se a lei que estabelecia que o homem era pecador pudesse ser mudada, possibilitando, assim, sua libertação? Mas o fato é que nada disso poderia ser feito. O homem havia pecado, havia caído, e foi encerrado na prisão do pecado. A natureza de seus pecados era tal que nenhum sacrifício era adequado, exceto o sacrifício Daquele a quem o Pai dirigiu as palavras: “Façamos o homem”. A morte de um anjo não era suficiente. Somente Aquele que Se engajou, junto ao Pai, na formação do homem, representa um sacrifício suficiente para abrir a porta da esperança, através da qual a raça humana pode encontrar perdão e ser salva. Na linguagem do hino que cantamos, “Vem, ó minha alma, ao Calvário”, e ali contempla o amor e a agonia misturados na morte do Filho de Deus.MH 294.3

    Contempla-O gemendo no Getsêmani. Sua divina alma agonizava à medida que os pecados do homem eram lançados sobre Ele. “A Minha alma”, disse Ele, “está profundamente triste até à morte”. O peso do pecado do homem, ao transgredir a imutável lei de Deus, era tão imenso que o suor saía de Seus poros em forma de gotas de sangue.MH 295.1

    Ele leva, então, Sua cruz até o Calvário. Os cravos atravessam Suas mãos e Seus pés. A cruz é erguida. Ali, o ensanguentado Cordeiro pende por seis terríveis horas. A morte de cruz era extremamente dolorosa. Mas, em Seu caso, havia o peso adicional dos pecados de todo o mundo. Em Seus últimos e agonizantes suspiros Ele clama “Deus Meu, Deus Meu, por que Me desamparaste?”, e, inclinando a cabeça, morre.MH 295.2

    O sol, o mais brilhante dos luminares do céu, não pode mais contemplar a cena, e é coberto por uma névoa semelhante ao pano de saco. O véu do templo, a mais nobre obra de homens, é fendido em duas partes. Cristo, o mais nobre Ser do universo, com exceção de Um, está morrendo em agonia. A criação sente o choque. Com agitação e gemidos, as tumbas de muitos santos se abrem e eles saem da sepultura depois de Sua ressurreição. Esse grande evento aconteceu porque era a única maneira pela qual os pecadores poderiam ser salvos. A lei deve permanecer tão firme quanto o trono do Céu, ainda que a Terra se abale e toda a criação trema, ao morrer o Filho de Deus em agonia.MH 295.3

    A lei de Deus foi dada ao homem como um Salvador. Ele a quebrou. Poderia ela redimi-lo? Não é da natureza da lei, seja divina ou humana, redimir o transgressor. Os que transgridem a lei do estado devem sofrer o pleno castigo, a menos que seu governador perdoe os transgressores. Essa é a única esperança de escapar da sentença da lei. Os que não entendem plenamente nossa posição, dizem que nós confiamos na lei e na guarda do sábado para a salvação. Não, amigos, vocês podem observar todos esses preceitos, com todas as suas capacidades e de forma consciente, mas se o seu olhar se limitar à lei, vocês nunca serão salvos. A esperança da salvação eterna está em Cristo. Foi Nele que Adão depositou sua esperança. Abel, Enoque, Noé, Abraão e os judeus crentes também. E nós devemos fazer o mesmo. A esperança da vida no porvir depende de Jesus Cristo. Somente a fé em Seu sangue pode livrar-nos de nossas transgressões. E a fé de Jesus e uma vida de obediência aos mandamentos de Deus serão um passaporte suficiente para que atravessemos os portões dourados da cidade de Deus.MH 295.4

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