Loading...
Larger font
Smaller font
Copy
Print
Contents
  • Results
  • Related
  • Featured
No results found for: "".
  • Weighted Relevancy
  • Content Sequence
  • Relevancy
  • Earliest First
  • Latest First
    Larger font
    Smaller font
    Copy
    Print
    Contents

    Capítulo 18

    Inspecionados por piratas de Buenos Aires. Detidos por sete horas. Pilhagem. Os passageiros são feitos prisioneiros. À procura de dinheiro. Os dobrões [moeda de ouro espanhola] são cozidos junto com carne seca. A Tripulação e os passageiros são liberados. Período de oração. Chegada ao Rio de Janeiro. A bandeira de Betel. Rio Grande. Os perigos do litoral. A respeito da água fresca. Pontos de vista religiosos. O navio perdido. Uma carta. Partida e chegada a Santa Catarina. Voltando para Nova Iorque. Fenômeno ímpar.AJB 201.1

    Ao chegarmos a Santa Catarina, atracamos e vendemos a nossa mercadoria. Fizemos outro carregamento com arroz e farinha de mandioca, e então rumamos para o Rio de Janeiro.AJB 201.2

    Vários dias depois que saímos de Santa Catarina, estando próximos da popa, a barlavento do navio, avistamos um veleiro estranho, bem no início da manhã, que se aproximava de nós. Logo o veleiro começou a disparar suas armas, mas demos pouca atenção a isso, e permanecemos em nossa rota, sob uma brisa leve. O Pão de Açúcar e outras montanhas altas na entrada do porto do Rio de Janeiro apareciam agora à distância, a cerca de 130 quilômetros à nossa frente. Vimos que o inusitado veleiro estava nos alcançando muito rapidamente, e, ao olharmos com a luneta, descobrimos que ele se movia com longos remos e atirava ocasionalmente.AJB 201.3

    Içamos a nossa bandeira, e logo descobrimos que o veleiro era uma embarcação com uma bandeira de Buenos Aires no topo do mastro. Tínhamos oito cavalheiros a bordo, seis deles comerciantes brasileiros indo para o Rio de Janeiro a fim de aumentarem seu estoque de mercadoria. Eles ficaram muito agitados ao saberem que o inimigo deles estava se aproximando. Então, eu lhes disse:AJB 201.4

    – Se vocês acharem melhor, eu posso colocar todas as velas, e se a brisa subir logo, conseguiremos ir mais rápido que eles. Mas se não conseguirmos, eles virão com todo ímpeto sobre nós; e caso nos alcancem, vocês terão sérios problemas. Eu não tenho medo deles enquanto o nosso navio tiver a bandeira americana. Mas se pararmos o navio, eles vão parar de disparar contra nós e tratarão vocês com mais gentileza. Farei o que vocês escolherem.AJB 201.5

    Eles logo decidiram que seria melhor parar o navio e deixar que se aproximassem. Fizemos assim, e calmamente aguardamos o inimigo se aproximar.AJB 202.1

    Dentro de uma hora eles chegaram até nós, emparelharam-se com o nosso navio com os canhões apontados para nós e gritaram:AJB 202.2

    – Olá, navio! Desça no bote, senhor, e venha aqui imediatamente.AJB 202.3

    – Sim, senhor!AJB 202.4

    – Faça isso rápido, senhor, e traga seus documentos junto!AJB 202.5

    – Sim, senhor!AJB 202.6

    Orientei o segundo imediato a assumir o comando do navio e impedir que o navio batesse enquanto estivéssemos ao lado da embarcação pirata. Ao chegar ao convés da embarcação pirata, fui recebido por dois homens armados mal-encarados e pelo capitão, que estava em pé no corredor da cabine. Ele me disse:AJB 202.7

    – Por que o senhor não parou quando disparamos contra vocês? Estou com vontade de estourar seus miolos bem aqui! – e então se seguiram muitas palavras blasfemas.AJB 202.8

    – Estou em suas mãos, senhor. Pode fazer o que quiser! Parei a minha embarcação assim que vi quem vocês eram – e em seguida apontei para as cores da nossa bandeira esvoaçante. – Esta é a bandeira americana, e espero que vocês a respeitem.AJB 202.9

    Ele então me atacou com outra rajada de xingamentos e ameaças de afundar o meu navio. Ele gritou:AJB 202.10

    – Vá para perto da popa, senhor, no tombadilho superior!AJB 202.11

    Ele pegou os meus documentos, e quando cheguei ao tombadilho, vi que toda a minha tripulação estava comigo ali no veleiro pirata.AJB 202.12

    – Sr. Browne, por que você não ficou no navio? – perguntei.AJB 202.13

    – Ora, senhor, porque eles ordenaram que todos nós viéssemos logo atrás de você até o convés. Eles colocaram em nosso navio uma tripulação deles. Lá vão eles subindo a bordo do nosso Imperatriz.AJB 202.14

    O comandante do navio pirata então perguntou:AJB 203.1

    – Capitão, qual é a sua mercadoria?AJB 203.2

    – Arroz e farinha – respondi.AJB 203.3

    – Você tem munição para atacar inimigos embaixo da farinha?AJB 203.4

    – Não, senhor. Não tenho tal coisa em minha carga. Você está com a minha nota fiscal e os documentos de embarque.AJB 203.5

    Ele disse que sabia que eu estava ajudando os brasileiros, e que ele iria me levar para Montevidéu como prisioneiro.AJB 203.6

    – Se você fizer isso, vou encontrar amigos lá – eu disse.AJB 203.7

    – Por quê? Você já esteve lá?AJB 203.8

    – Sim – respondi.AJB 203.9

    – Então eu vou queimar o seu navio e mandá-lo para o fundo do mar.AJB 203.10

    Ele chamou o oficial dele, ordenou-lhe que abrisse as escotilhas e medisse com varas a profundidade do navio até o fundo do porão de carga.AJB 203.11

    A tripulação deles então veio para a lateral do nosso navio para descarregar tudo o que haviam pilhado. Então olhei para o capitão e disse:AJB 203.12

    – Capitão, você vai saquear o meu navio?AJB 203.13

    – Sim! Prometi a esses homens que saquearia se eles remassem e alcançassem vocês.AJB 203.14

    Meus protestos só o fizeram praguejar e blasfemar ainda mais sobre o que faria conosco. Meus documentos e cartas foram então espalhados no tombadilho superior. Perguntei-lhe o que ele queria com meus documentos e cartas particulares, e ele me respondeu que queria encontrar as minhas correspondências com o inimigo deles, os brasileiros. Então retruquei:AJB 203.15

    – Você está com as cartas da minha esposa lá dos Estados Unidos.AJB 203.16

    – Você pode ficar com elas, e com seus pertences pessoais também – disse o capitão.AJB 203.17

    A tripulação do veleiro continuava a descarregar o saque. Então eu disse:AJB 203.18

    – Seus homens acabaram de trazer para seu barco minha luneta. Posso ficar com ela?AJB 203.19

    – Não – ele disse. – Eu lhes prometi que poderiam pilhar o navio se conseguissem alcançar vocês, e eu não posso impedi-los.AJB 204.1

    Ao examinar a nota fiscal, ele perguntou de repente:AJB 204.2

    – Onde está o seu dinheiro?AJB 204.3

    – Você tem os meus papéis com a nota fiscal da minha carga. Se você encontrar qualquer quantia de dinheiro, pode levá-la.AJB 204.4

    Ele ordenou então que seus oficiais fizessem uma busca completa a bordo do meu navio. Não encontrando nenhum dinheiro, disseram ao meu comissário de bordo que iriam enforcá-lo se ele não contasse onde estava o dinheiro do capitão. Ele afirmou que não sabia de nada. Nosso dinheiro estava em moedas de prata; e ninguém além de mim sabia onde estava. Eu o tinha escondido em sacos, num lugar onde duvidava que os piratas o encontrassem. O capitão pirata era inglês, e a tripulação era mista, de aparência bruta, parecendo pronta para qualquer ato assassino.AJB 204.5

    Duas ou três vezes o capitão trouxe sua embarcação tão perto da nossa que temi que as duas colidissem e fossem destruídas, ou afundassem. E, por eu solicitar que ele tivesse cuidado, ele lançou uma torrente irrefreada de imprecações sobre mim. Depois de mais ou menos uma hora, sua agitação começou a diminuir; e foi então que ele me convidou para ir e descer até a cabine com ele e tomar um copo de bebida alcoólica:AJB 204.6

    – Obrigado, senhor, eu não bebo.AJB 204.7

    Mas ele bebia, e assim desceu por alguns momentos a fim de tomar mais um trago mortal.AJB 204.8

    Eu havia dito aos comerciantes brasileiros, logo antes do navio pirata se aproximar:AJB 204.9

    – Não me digam nada sobre o seu dinheiro e escondam-no da melhor maneira que puderem. Sem dúvida serei questionado sobre isso; e se eu não souber de nada, nada terei a dizer.AJB 204.10

    Eles deram os seus relógios de ouro para os marinheiros, que em seguida os esconderam nas roupas, fora da vista. Mais tarde fiquei sabendo que eles jogaram alguns dobrões de ouro nos caldeirões do cozinheiro, onde a carne de vaca e porco estava sendo cozida com sal para o jantar.AJB 204.11

    Esses comerciantes brasileiros também levavam no nosso navio um bom estoque de trajes de verão e roupas de cama e mesa, que os piratas saquearam, deixando todos os brasileiros apenas com a roupa do corpo.AJB 205.1

    Depois de um tempo, a tripulação insaciável, que revistava a nossa embarcação em busca de dinheiro, sentindo o estômago roer de fome, pegou as carnes que estavam sendo cozidas nos caldeirões. Parece que uma Providência misericordiosa os impediu de descobrir o tesouro dourado no fundo dos caldeirões; porque, se tivessem descoberto, teriam suspeitado que houvesse mais dinheiro escondido em outros lugares, e muito provavelmente alguns de nós teriam sido enforcados ou mortos a tiro antes mesmo de a busca terminar.AJB 205.2

    Durante aquela detenção abusiva que durou cerca de sete ou oito horas, das onze da manhã até o anoitecer, a tripulação do meu navio e eu estávamos todos amontoados em pé no tombadilho superior, perto da popa, sem nada para comermos. No final da tarde, os comerciantes brasileiros foram trazidos a bordo do navio pirata como prisioneiros de guerra, e foram ordenados a ficar de frente para o corredor, a sota-vento.AJB 205.3

    Os pobres coitados estavam em um estado lamentável. As perspectivas deles pareciam ainda mais duvidosas. Eu os tinha ouvido conversar entre si assim que partimos de Santa Catarina, e dizer que, por causa das nossas orações e dos cultos matutinos e vespertinos dos marinheiros, não haveria perigo na viagem, e chegariam com segurança ao Rio de Janeiro. A fé deles agora estava sendo testada. Ali estavam eles, com os olhos fitos no capitão pirata e em nosso pequeno grupo.AJB 205.4

    Um pouco antes do pôr do sol, o capitão ordenou que todos os seus homens saíssem do Imperatriz. À medida que retornavam com o nosso bote, ele me disse:AJB 205.5

    – Agora você pode pegar seus documentos, seu bote e subir a bordo do seu navio.AJB 205.6

    – Obrigado, senhor. Você vai deixar os brasileiros virem comigo?AJB 205.7

    – Não! São meus prisioneiros.AJB 205.8

    – Eu sei disso, senhor, mas vou ser muito grato a você se me permitir tê-los de volta.AJB 205.9

    Ele disse:AJB 206.1

    – Quero que você entenda que não é você quem dita as regras aqui.AJB 206.2

    Eu tinha liberdade de ir quando quisesse, mas não poderia levar comigo os prisioneiros. Meus homens já tinham ido para o bote e estavam esperando por mim.AJB 206.3

    Aqueles pobres coitados não entendiam inglês, mas ficou claro, pelos seus olhares agitados e agonizantes, que sabiam que o destino deles estava sendo determinado. Para eles, tudo parecia que a sorte deles estaria definida em alguns momentos. Apelei para os sentimentos humanos e de cidadão inglês do capitão quanto ao tratamento de prisioneiros que nem sequer tinham armas contra eles. Eu lhe disse:AJB 206.4

    – Esses homens se comportaram como cavalheiros a bordo da minha embarcação. Eles me pagaram 50 dólares, cada um, pela passagem antes de partirmos de Santa Catarina. Estão viajando para cuidar pacificamente de seus negócios pessoais. Não tenho nenhum interesse financeiro nisso, pois, afinal, eles já me pagaram, mas quero cumprir o meu compromisso com eles e deixá-los em segurança no Rio de Janeiro. Eles nunca prejudicaram vocês, e se ficarem com vocês, acabarão sendo um estorvo para vocês. Agora, capitão, por que o senhor não me permite levá-los?AJB 206.5

    – Leve-os – disse o capitão em um tom mais brando.AJB 206.6

    – Obrigado por sua bondade, senhor.AJB 206.7

    A maneira como passaram daquela embarcação pirata para o nosso navio, quando fizemos sinal para que entrassem nele, deixou bem claro que eles haviam entendido tudo o que estávamos falando a respeito deles. O capitão pirata então se esforçou para se desculpar, de certa forma, por seu tratamento rude para comigo. Eu lhe disse adeus e mais uma vez estávamos todos a bordo do Imperatriz ao pôr do sol.AJB 206.8

    No navio, encontramos as nossas coisas todas bagunçadas. As escotilhas estavam todas abertas, deixando nosso carregamento exposto à primeira onda que batesse no convés. Passageiros e tripulantes trabalharam diligentemente para ajustar as velas do Imperatriz. Ao cair da noite, já estávamos fora do alcance das armas dos piratas, impulsionados por uma boa brisa, e os passageiros todos se congratulando pelo livramento de uma morte cruel.AJB 206.9

    Quando a ordem foi restabelecida, nos reunimos, como de costume, na cabine para agradecermos o Senhor por suas misericórdias diárias e, em especial, por sua clara intervenção em nos livrar do poder daquela indiferente tripulação de piratas em alto-mar. Graças ao Seu santo nome! Os marinheiros devolveram os relógios dos passageiros, bem como tudo aquilo que eles haviam lhes dado para guardarem com segurança. Seus dobrões também estavam a salvo nos caldeirões. Os piratas não haviam pegado nenhum dinheiro deles, mas abriram suas malas e os deixaram em má situação para encontrarem seus amigos no Rio.AJB 207.1

    Na tarde do dia seguinte, ancoramos no porto do Rio de Janeiro. Quando o relatório do acontecido chegou até a cidade, o governador enviou uma fragata em busca do veleiro pirata, mas não o encontrou.AJB 207.2

    No domingo, a bandeira de Betel, que, quando hasteada, indicava que um culto religioso estava sendo realizado, foi vista tremulando a bordo de um brigue inglês no porto. Eu e a minha tripulação nos juntamos a eles. Não havia muitas pessoas presentes ali, e a maneira formal e maçante como o culto estava sendo conduzido pareceu privá-los de qualquer interesse espiritual. Encerrado o culto, os oficiais de diversos navios que participaram da cerimônia foram convidados para a cabine, onde estava posta uma mesa com vários tipos de bebidas alcoólicas. Fomos convidados então para nos servimos. Eu me recusei a participar daquele momento e voltei ao meu navio muito desapontado por ter perdido a bênção que esperava alcançar. Antes de deixarmos o porto, no entanto, alguns amigos se reuniram conosco a bordo do Imperatriz e tivemos uma interessante reunião de oração, com a bênção dos céus.AJB 207.3

    Como as autoridades da alfândega se negaram a me conceder permissão para vender meu carregamento no Rio Janeiro, zarpamos para Santa Catarina mais uma vez. Ao chegarmos a Santa Catarina, o governador da província, tendo acabado de receber um comunicado da província do Rio Grande para que se enviassem dois carregamentos de farinha para as tropas no sul do país, nos deu a prioridade e me deu uma carta para que eu a apresentasse às autoridades do Rio Grande. Assim, preparados, navegamos outra vez e chegamos ao banco de areia do Rio Grande no último dia do ano de 1827.AJB 207.4

    Todo o cuidado é pouco quando os marinheiros se aproximam daquela costa, pois os bancos de areia, tanto acima como abaixo do mar, mudam constantemente de posição. À medida que aproximávamos da costa no final do dia, a água baixou tão depressa que ancoramos em mar aberto e ficamos ali até a manhã seguinte, quando por fim verificamos que estávamos cerca de 50 quilômetros da costa.AJB 208.1

    Os bancos de areia na costa tinham entre um metro e meio a 7 metros de altura, o que tornava, às vezes, extremamente difícil enxergar o farol antes que estivéssemos em perigo de bater nos bancos de areia. A alguns quilômetros da entrada do porto, os destroços de embarcações espalhadas ao longo da costa, pouco a pouco sendo soterradas na areia pelo constante movimento das fortes ondas, eram prova suficiente de que se requer o máximo de atenção e habilidade dos navegadores ao se aproximarem daquele lugar e chegarem ao porto sem estragos.AJB 208.2

    É singular a maneira como se pode conseguir a água fresca para os navios no porto. Os barris de água são rebocados até a praia, e os marinheiros cavam pequenos buracos na areia, aproximadamente seis ou nove metros da beira da praia. Em cerca de dois ou três minutos aqueles buracos ficam cheios de água pura e fresca, que é facilmente colocada nos barris com o auxílio de conchas. Portanto, a água obtida dessa maneira geralmente não fica mais do que 60 centímetros acima do nível da água salgada do mar.AJB 208.3

    Quando o clima está agradável, é comum ver mulheres entre os montes de areia perto da água salgada em busca de água fresca, cavando buracos na areia grandes o suficiente para lavarem neles suas finas roupas brancas. Quando o céu está ensolarado, as mulheres estendem as roupas na areia e elas se secam em cerca de uma hora. Quando secas, basta uma sacudida para tirar a areia das roupas; e elas não ficam sujas, pois a areia não tem sujeira.AJB 208.4

    Enquanto estivemos naquele porto, realizamos cultos a bordo do navio todos os domingos; mas nenhum dos nossos vizinhos ancorados nas proximidades vinham se unir a nós. Eles preferiam passar suas horas de lazer na costa. Esses marinheiros retornavam à noite em condição tumultuosa e desordeira.AJB 208.5

    A nossa temperança e princípios religiosos a bordo do navio eram novos, e, é claro, desagradavam todas as outras pessoas ao nosso redor. Porém, aqueles homens eram obrigados a admitir que nós gozávamos de paz e tranquilidade a bordo do nosso navio, algo que eles não conheciam, especialmente nas noites de domingo.AJB 209.1

    O comissário de bordo de um brigue da Filadélfia, que estava ancorado perto de nós, frequentemente ridicularizava e insultava minhas concepções religiosas de maneira violenta sempre que eu o encontrava. Ele aproveitava toda ocasião para exibir tal comportamento, especialmente onde realizávamos negócios. Às vezes, ele se acalmava, me elogiava pela minha paciência e prometia que não iria falar palavrões quando eu estivesse presente. Mas ele sempre se esquecia de suas promessas.AJB 209.2

    Quando o navio dele estava prestes a partir para casa, escrevi-lhe uma carta, pedindo que se convertesse de seu caminho perverso e servisse ao Senhor; e lhe falei sobre as consequências que ele sofreria se continuasse no caminho em que estava. Entreguei a ele a carta para que lesse quando tivesse mais tempo livre. Ele prosseguiu em sua viagem, e estava se aproximando de seu porto de destino quando um dia, enquanto os oficiais e tripulantes estavam embaixo jantando, repentinamente, e sem que ninguém esperasse, uma tempestade os atingiu e virou a embarcação. A tripulação conseguiu escapar apenas com a vida. Eles foram resgatados por outro navio, e o comissário de bordo chegou então a Nova Iorque. Lá ele encontrou um velho conhecido meu, a quem relatou o fato de que me havia conhecido em Rio Grande; e referindo-se à instrução religiosa que eu lhe dei na carta acima mencionada, ele rogou pragas contra mim e me insultou, afirmando que eu era a causa de sua desventura e de seu presente sofrimento.AJB 209.3

    Esse juízo, que Deus permitiu lhe sobreviesse daquela forma tão repentina e irrevogável, fez com que ele sentisse, sem dúvida, que isso acontecera por causa do seu comportamento blasfemo que adotara e continuava adotando. Na busca por alguma forma de aliviar a sua consciência perturbada e se justificar, ele, sem dúvida, encontrou certo alívio colocando toda a culpa em mim.AJB 209.4

    Depois de algum tempo ancorados, vendemos o nosso carregamento para o governo e investimos a maior parte dos nossos fundos em peles secas, zarpando assim para Santa Catarina. Depois de navegarmos cerca de 13 quilômetros de onde estávamos ancorados até o farol, na entrada do porto, fomos obrigados a ancorar durante a noite e esperar a luz do dia e um vento favorável para passarmos com segurança sobre os bancos de areia.AJB 210.1

    Ao receber a minha conta corrente do Sr. Carroll, o comerciante brasileiro que contratei para cuidar das minhas transações comerciais no estrangeiro, eu a examinei brevemente sem perceber qualquer erro. Contudo, ainda me parecia que meu saldo em dinheiro estava acima do que me era devido. Entretanto, muitas outras preocupações necessariamente me ocuparam a mente naquele momento (algo bem comum ao levantar as âncoras para iniciar uma viagem), até que fomos obrigados a ancorar perto do farol.AJB 210.2

    Descobri então que o comerciante havia se equivocado no acerto de contas a meu favor. Isso, evidentemente, não era culpa minha, mas ele havia me pagado 500 dólares a mais em dobrões de ouro. Só havia uma maneira de me comunicar com ele naquela ocasião, isto é, enviando o meu bote. A nossa situação perigosa perto dos bancos de areia e da rebentação das ondas parecia exigir que não apenas o nosso bote, mas também a nossa tripulação estivesse à disposição, caso as nossas âncoras não conseguissem nos segurar durante a noite. Entretanto, o dinheiro não era meu, e senti que não seria abençoado pelo Senhor se tentasse prosseguir viagem sem um esforço da minha parte para devolvê-lo. Possivelmente nunca mais alguém teria notícias da minha embarcação nem do dinheiro do Sr. Carroll. De qualquer forma, eu ficaria como o culpado daquela situação. Portanto, despachei o meu bote com a seguinte carta:AJB 210.3

    “Prezado senhor Carroll,AJB 210.4

    Desde que nos despedimos, estive pensando como foi que eu fiquei com tanto dinheiro. Da primeira vez que examinei o acerto de contas, concluí que estava tudo certo. Mas essa noite, já mais tranquilo e livre de preocupações, e não plenamente convencido da exatidão das contas, espalhei o dinheiro novamente diante de mim e fiz um balanço mais detalhado das minhas compras e vendas, o que me fez descobrir um erro: há quinhentos dólares e trinta e quatro centavos a mais a meu favor. Estive planejando a melhor maneira de fazer esse montante chegar com segurança até você. Como está tarde agora, e com a perspectiva de um vento favorável amanhã bem cedo, decidi enviar o meu bote. Para que meus homens tomassem um cuidado redobrado ao levarem o dinheiro até você, prometi-lhes 960 ‘réis’ a cada um deles. Não vejo outra maneira segura de fazer isso.AJB 210.5

    José Bates
    “Barco Imperatriz, no banco de areia na costa do Rio Grande, 8 de março de 1828”.
    AJB 211.1

    Graças a Deus, e com os agradecimentos do comerciante, o nosso bote retornou em segurança a tempo de zarparmos cedo na manhã seguinte com um vento favorável. Nossa viagem foi próspera e segura até Santa Catarina, onde terminamos de carregar o navio com couro cru e café. Partimos então para Nova Iorque. O governo brasileiro estava em um estado tão instável, devido à guerra com Buenos Aires, que o mercado brasileiro estava em forte recessão.AJB 211.2

    A viagem de volta para casa foi agradável e bem-sucedida. Tivemos a alegria, mais uma vez, de vermos a Estrela Polar ao avançarmos um pouco para o norte da linha do equador, deixando atrás o Oceano Antártico. Depois de passarmos pela extremidade nordeste da América do Sul, ao prosseguirmos rumo ao noroeste, logo ficamos sob a ágil influência dos ventos alísios do nordeste e leste, que nos levavam em direção a nossa casa, família e amigos, às vezes, a 13 km/h.AJB 211.3

    Os marinheiros contam os dias como os astrônomos, do meio-dia ao meio-dia. Todas as noites, quando surgia a Estrela Polar no hemisfério norte, sua ascensão era muito perceptível e também animadora, pois nos dava a certeza de que estávamos em nosso curso rumo ao norte.AJB 211.4

    Conforme prosseguíamos o nosso curso rumo aos ventos favoráveis das ilhas da Índia Ocidental, subi ao convés certa manhã e vi que as velas estavam vermelhas. Chamei um dos nossos marinheiros que estava no topo dos mastros, e pedi que ele esfregasse a mão na vela de joanete e me dissesse o que havia ali. Ele respondeu:AJB 211.5

    – É areia.AJB 211.6

    Pedi que ele tirasse um pouco com a mão e descesse com ela. Ele trouxe o que conseguiu segurar na mão: uma areia fina, vermelha e cinza. Assim que as velas se secaram com o brilho do sol, toda aquela areia se soltou, e as nossas velas voltaram a ser brancas como no dia anterior.AJB 212.1

    Ao analisar mais detalhadamente os meus mapas e livros de direção, pude verificar que a terra mais próxima a leste de nós, de onde o vento soprava continuamente, era a costa da África, a 2.500 quilômetros de distância! Os oceanos árticos e antárticos estavam diante e atrás de nós. À sota-vento, ao longo de centenas e centenas de quilômetros a oeste de nós, estava a costa norte da América do Sul. Ficou claro, portanto, que a quantidade de areia em nossas velas, que se prenderam às velas devido à umidade, estavam vindo não do oeste, do norte, nem do sul, mas sim das nuvens que nos sobrevoavam dos desertos da Arábia. Os viajantes sempre nos disseram que as areias daqueles desertos frequentemente são vistas rodopiando para cima em pesadas colunas rumo às nuvens sob o efeito de redemoinhos. O mesmo fenômeno é mencionado pelo profeta Isaías no capítulo 21, verso 1.AJB 212.2

    De acordo com a velocidade com que as nuvens costumam voar diante de um forte vendaval, aquelas passaram por nós a cerca de 48 horas após deixarem a costa da África e chacoalharam sua carga de areia por uma extensão de 2.500 km ao longo do Oceano Atlântico Norte, e muito provavelmente sobre a costa norte da América do Sul até o Pacífico.AJB 212.3

    Larger font
    Smaller font
    Copy
    Print
    Contents