Capítulo 12
- Índice
- Prefácio
- Capítulo 1
- Capítulo 2
- Capítulo 3
- Capítulo 4
- Capítulo 5
- Capítulo 6
- Capítulo 7
- Capítulo 8
- Capítulo 9
- Capítulo 10
- Capítulo 11
- Capítulo 12
- Capítulo 13
- Capítulo 14
- Capítulo 15
- Capítulo 16
- Capítulo 17
- Capítulo 18
- Capítulo 19
- Capítulo 20
- Capítulo 21
- Capítulo 22
- Capítulo 23
- Capítulo 24
- Capítulo 25
- Capítulo 26
- Capítulo 27
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Capítulo 12
Cruzando os pampas de Buenos Aires. Preparativos para enfrentar o Oceano Pacífico. Decidido a nunca mais tomar vinho. A vista do céu estrelado. Em uma situação alarmante em Cabo Horn. Dobrando o Cabo. A Ilha de Juan Fernandez. As montanhas do Peru. A chegada ao Callao. Viagem a Pisco. A paisagem e o clima de Lima. Terremotos. A destruição de Callao. Um navio fora da água. O Cemitério dos mortos.AJB 141.1
Enquanto estávamos em Ensenado, nossa comunicação comercial em Buenos Aires nos obrigou a atravessar os pampas – vastas pradarias ao longo do sul daquela província. Para fazermos isso e também nos protegermos dos possíveis ladrões na estrada, nos unimos em grupos e nos armamos a fim de nos defendermos. Primeiro percorremos cerca de 30 quilômetros pelas pradarias e mais 30 pelas “loomas” – terras altas – até alcançarmos a cidade.AJB 141.2
Andar por aquela vasta pradaria sem um guia era mais ou menos como estar na imensidão do oceano sem uma bússola. Não havia uma árvore, um arbusto, nem nada para avistarmos ao longe, a não ser juncos e grama alta selvagem. Os ocasionais rebanhos de ovelhas, porcos, bois cornudos e cavalos que se alimentavam sossegadamente, conforme seu próprio modo de se organizarem, eram as únicas coisas que atraíam a atenção e aliviavam a nossa mente enquanto passávamos pelos enlameados brejos com juncos, pelos pântanos com lodo e água estagnada e pelos vaus de riachos e córregos. Podíamos ver, em cima dos bois e cavalos, pássaros grandes e pequenos, tranquilamente empoleirados nas costas desses animais, sem nenhum outro lugar para repousar.AJB 141.3
Montados em nossos cavalos semisselvagens alugados, e colocando o nosso bem-pago condutor à frente, passamos, como soldados rasos seguindo seu líder, por aqueles 30 quilômetros de pradarias, seguindo as pegadas do gado deixadas na lama, na maior parte do tempo com nossos braços ao redor dos pescoços dos cavalos, temendo sermos jogados em uma poça de lama entre os juncos, ou deixados a nadar no riacho.AJB 141.4
Depois de viajarmos por cerca de quatro horas, os “loomas” apareceram à frente. Em seguida, passamos por uma casa de fazenda e então, já na metade do caminho, paramos em uma taberna para o jantar e troca de cavalos. Logo, uma tropa de 100 cavalos ou mais foi recolhida das pradarias e colocada num tipo de curral, e ali ficavam correndo a toda velocidade enquanto homens muito hábeis, com laços, ou longas cordas de couro com um nó corrediço na ponta, laçavam os cavalos e os prendiam em postes. Em seguida começava o treinamento de montaria nos cavalos, selvagens ou não. Depois disso, o cavaleiro guia os colocava de volta nas pradarias, e os cavalos, então, obedientemente se punham a seguir o cavalo-condutor sem se desviarem em meio àquele imenso campo. O mesmo ritual foi observado ao retornarmos para Ensenado.AJB 142.1
Durante a nossa estadia ali, as inúmeras chegadas de mercadorias dos Estados Unidos abasteceram em grande quantidade o mercado ali, o que me permitiu comprar um carregamento para levar ao Pacífico em condições financeiras bem razoáveis. O Chatsworth, por fim, estava carregado, e então partimos para Lima, no Peru.AJB 142.2
Como eu havia decidido na viagem anterior nunca mais beber bebidas alcoólicas, a não ser para fins medicinais, agora, ao deixar Buenos Aires, decidi também nunca mais beber um copo sequer de vinho. Nesse trabalho de reforma de hábitos de vida, me vi completamente sozinho, além de ficar exposto aos comentários zombeteiros daqueles com quem posteriormente me associava, especialmente quando me recusava a beber com eles. Apesar disso, mesmo após todos os comentários deles, de que não era impróprio e nem perigoso beber moderadamente, eles tiveram que admitir que minha postura era, de fato, o caminho mais seguro!AJB 142.3
Quando se passa do hemisfério norte para o hemisfério sul, é admirável perceber a mudança notável no céu estrelado. Antes de uma embarcação chegar à linha do equador, a famosa Estrela Polar aparentemente se põe no horizonte norte, e uma grande parte das estrelas bem conhecidas no hemisfério norte se distanciam da visão dos marinheiros. Mas isso é substituído pela vista esplêndida, nova e variada no céu do sul à medida que o barco prossegue em direção às regiões polares do sul. Ali, nos céus do sudoeste, seguindo o rastro da Via Láctea nas noites estreladas, podem-se ver duas pequenas nuvens brancas paradas, chamadas pelos marinheiros de “nuvens de Magalhães”. Ferguson diz: “Com a ajuda do telescópio, elas parecem ser uma mistura de pequenas nuvens e estrelas”. Contudo, a mais notável de todas as estrelas nubladas é, segundo Ferguson, diz, “a que está no meio da Constelação de Órion, onde sete estrelas (três das quais estão muito próximas umas das outras) parecem brilhar através de uma nuvem. Parece existir uma abertura no céu, através da qual é possível ver, por assim dizer, uma parte de uma região muito mais brilhante. Embora a maioria desses espaços se estendam por apenas alguns minutos na escala das coordenadas geográficas, por se localizarem entre as estrelas fixas, eles devem ser espaços bem maiores do que o que é ocupado pelo nosso sistema solar e nos quais parece haver um dia ininterrupto e perpétuo entre mundos inumeráveis que nenhuma engenhosidade humana jamais poderá descobrir”.AJB 142.4
Essa abertura, ou lugar no céu, é, sem dúvida, a mesma mencionada nas Escrituras (ver João 1:51; Apocalipse 19:11). O centro dessa constelação – Órion – está a meio do caminho entre os polos do céu, precisamente sobre a linha do equador, e chega até ao meridiano no vigésimo terceiro dia de janeiro, às nove horas da noite. As Escrituras inspiradas atestam que “foi o universo formado pela palavra de Deus” (Hebreus. 11:3). “Ele estende o norte sobre o vazio e faz pairar a terra sobre o nada”. “Pelo Seu espírito ornou os céus” (Jó 26:7, 13).AJB 143.1
Em nossa viagem de Buenos Aires para o Cabo Horn, chegamos às proximidades das Ilhas Malvinas, a cerca de 400 ou 600 quilômetros ao nordeste do cabo. Ali nos esforçamos para aportar durante uma tempestade, indo de encontro ao Canal de São Carlos. O crescente vendaval, porém, nos obrigou a zarpar e continuar o curso rumo ao sul. Ao chegarmos próximo ao Cabo Horn por volta de julho e agosto, durante a estação mais fria e mais tempestuosa do ano, lutamos por 30 dias contra os fortes ventos incessantes do oeste e contra as ilhas flutuantes de gelo das regiões polares, tentando, como dizem os marinheiros, dobrar o Cabo Horn.AJB 143.2
Certo dia, enquanto o nosso navio se encontrava com a vela de carangueja equilibrada, a certa distância do Cabo Horn, devido a um forte vendaval do oeste, fortes ondas nos atingiram a bombordo, quebrando nossas amuradas e espeques, rachando os sarrafos da borda do navio e jogando-os contra o mastro de perto do molinete até o corredor da cabine. Naquela condição exposta e perigosa, com o navio sujeito a encher de água e afundar imediatamente, armamos a vela grande da gávea e colocamos a embarcação contra o vento. E para deixarmos o navio ainda mais estável, largamos também a vela de traquete com pouco pano, o que fez com que a velocidade do navio aumentasse com tanta fúria que enormes quantidades de água entravam pelos espaços que ficaram abertos na borda do navio devido aos estragos. Felizmente tínhamos em mãos uma nova lona impermeável. Àquela altura estávamos todos empenhados em tapar esses espaços abertos com a lona, quando surgisse a oportunidade, prendendo-a com pregos, para então voltarmos aos nossos abrigos até que o navio virasse outra vez a sota-vento. Durante duas horas protegemos assim, temporariamente, os espaços abertos. Passado o perigo, guardamos a vela grande da gávea e a vela de traquete e colocamos o navio novamente contra o vento para que seguisse na direção que queríamos sob uma vela de carangueja equilibrada e encurtada. Então, depois de bombearmos a água para fora e limparmos os destroços, tivemos tempo de refletir sobre como havíamos escapado por pouco da completa destruição, e de como a bondade de Deus abriu o caminho para nos salvar naquela hora de provação.AJB 143.3
No dia seguinte, quando a tempestade finalmente diminuiu, reparamos os danos mais minuciosamente. Depois de uns 30 dias de combate perto do Cabo Horn contra os vendavais do oeste e impetuosas tempestades de neve, conseguimos dobrar o cabo e rumar para a Ilha de Juan Fernandez, 2.300 quilômetros ao norte dali. Os ventos do oeste estavam agora a nosso favor, de modo que em alguns dias o tempo mudou, e passamos por aquela ilha famosíssima que um dia fora o mundo de Robinson Crusoé.AJB 144.1
Depois de navegarmos por uns 4.100 quilômetros daquele Cabo tempestuoso, pudemos avistar distintamente as imponentes montanhas do Peru, embora ainda estivéssemos a cerca de 128 quilômetros de distância da costa. Seguindo adiante, jogamos a âncora na espaçosa baía de Callao, cerca de quase dez quilômetros a oeste da famosa cidade de Lima.AJB 144.2
A demanda por produtos norte-americanos estava em alta naquela época no Peru; assim, algumas das minhas primeiras vendas de farinha chegaram a mais de 70 dólares por barril. Algumas cargas que chegaram logo depois de nós reduziram o preço para 30 dólares. Naquele lugar, aluguei o Chatsworth a um comerciante espanhol para uma viagem a Pisco, que fica a uns 180 quilômetros mais ao sul – um negócio vantajoso para ambos, pois eu poderia vender carga em Pisco e ele retornaria com a dele.AJB 144.3
Logo depois de chegarmos a Pisco, dois homens, juntamente com o imediato, foram até a aldeia, a cerca de cinco quilômetros do porto, para conseguir carne e legumes para o jantar. Porém, os dois homens voltaram com a notícia de que soldados patriotas haviam descido das montanhas e cercado a aldeia, saqueando as lojas onde parte da nossa carga estava à venda. Contaram também que os soldados haviam levado o imediato à periferia da aldeia a fim de matá-lo a tiros. Os soldados ainda avisaram aos nossos homens que desceriam até o porto para tomar o nosso navio e se livrar de mim; tudo isso porque tínhamos trazido a bordo de Lima o comerciante espanhol. Logo o imediato apareceu na praia. Depois que o barco o trouxe a bordo, ele nos disse que os soldados, ao descobrirem que ele era o imediato do Chatsworth, o levaram para o extremo da aldeia a fim de matá-lo. Ao chegarem ao local, um dos soldados convenceu os outros a não o matar. Então, eles decidiram deixá-lo ir, mas o espancaram sem misericórdia com suas espadas.AJB 145.1
Nós então nos preparamos para nos defendermos, mas os nossos inimigos acharam melhor não se expor ao alcance das nossas balas de canhão. Apesar dos nossos adversários, que continuavam a nos ameaçar, vendemos todo o nosso carregamento ali a preços melhores do que os que oferecemos em Callao. E assim retornamos ao Callao com o carregamento do comerciante espanhol.AJB 145.2
Enquanto estávamos em Callao, uma baleia apareceu na baía. O navio baleeiro Nantucket estava lá naquela ocasião, e seguiu a baleia com os botes, fisgando-a com o arpão. A baleia precipitou-se em meio às embarcações como um raio na água espumante, arrastando o barco que a havia alvejado e lançando-se com ímpeto para baixo de um grande navio americano. Aquela fúria foi apenas um pequeno aviso a seus caçadores para pararem de segui-la e salvarem suas vidas. Era como se estivesse deixando a seus inimigos desconhecidos a seguinte recomendação: “Se vocês me seguirem, nunca mais arpoarão outra pobre baleia”. A baleia ainda passou rapidamente por entre a frota e seguiu em direção à extremidade da baía, em águas rasas. O bote a seguiu e a fisgou outra vez com o arpão no momento em que ela saiu da baía ziguezagueando. E assim, em pouco tempo, pudemos avistar o bote à distância, à medida que o sol se punha, com suas bandeirolas tremulando – um sinal de que a baleia estava morta.AJB 145.3
O tenente Conner, agora comodoro, que comandava a escuna Golfinho dos Estados Unidos, foi em busca da grande pesca e chegou no dia seguinte, rebocando a baleia e o bote. No outro dia ele convidou os cidadãos de Lima para testemunhar como os norte-americanos cortavam e preparavam as grandes baleias capturadas em águas estrangeiras.AJB 146.1
O clima dessa região é salubre, e a vista, muito agradável. Ali há nuvens brancas flutuantes, e além delas é possível avistar um céu azul-escuro, aparentemente o dobro da distância da terra em relação à América do Norte. E há também o ar salutar e fresco, os fortes ventos alísios, os campos sempre verdes e árvores carregadas de frutos deliciosos, sem falar do solo repleto de vegetação exuberante tanto para os homens quanto para os animais. Não se veem tempestades de chuva e as pessoas dizem que ali nunca chove. A cidade é murada e guardada ao leste por montanhas imponentes de fácil escalada, até mesmo acima das imensas nuvens brancas, que passeiam abaixo do espectador até que elas se elevam a uma posição maior na montanha, e em seguida flutuam sobre o vasto Oceano Pacífico ao oeste. E ainda mais longe, ao leste, a cerca de 90 léguas, pode-se ver a enorme Cordilheira dos Andes, coberta de neve, totalmente visível a olho nu, despejando torrentes de água que regam as planícies embaixo. Essa água é também levada às ruas da cidade por meio de canais delimitados por muros.AJB 146.2
Eu ainda poderia acrescentar muitas coisas a essa descrição que criariam desejo de morar naquele lugar. Mas apenas um tremor de terra (e os terremotos são frequentes naquela região), às vezes nas altas horas da noite, fazendo os moradores saírem desesperados pelas ruas em busca de proteção contra desabamentos de edifícios, correndo aos choros e gritos por misericórdia, já é suficiente para fazer alguém mudar rapidamente de ideia, e ir para qualquer região onde a terra repousa sossegadamente em seus próprios fundamentos.AJB 146.3
O senhor Haskell afirma em seu livro Chronology of the World [A Cronologia do Mundo] que Lima foi destruída por um terremoto em outubro de 1746. Acho que não foi a cidade de Lima, mas sim o porto da cidade, chamado de Callao, pois a parte mais famosa e central da cidade de Lima é a Praça do Palácio. De um lado dela, quando lá estivemos, ficava um grande e comprido edifício de um andar, muito antigo e feito de madeira, onde os oficiais da cidade faziam negócios. Frequentemente me diziam que esse edifício tinha sido a moradia de um aventureiro espanhol, chamado Pizarro, depois de ele ter conquistado o Peru. Se essa afirmação estiver correta, podemos concluir que ele morou ali muito antes do terremoto de 1746. Assim, aquela parte da cidade não poderia ter sido destruída, mas sim o porto de Callao.AJB 147.1
A cidade de Lima situa-se a cerca de dez quilômetros do porto de Callao, e está a aproximadamente 200 metros acima do nível do mar, num plano inclinado. Durante minha estadia ali naquela cidade, em 1822 e 1823, 77 anos depois do terremoto, visitei muitas vezes o local para ver as pilhas de tijolos maciços, que podiam estar a cerca de 45 centímetros abaixo d’água ou até onde meus olhos podiam ver. Esses tijolos faziam parte dos edifícios e paredes do lugar na época do terremoto. Disseram-me que uma fragata espanhola estava atracada no porto quando o terremoto aconteceu. E depois que o terremoto o destruiu, essa fragata foi encontrada a cinco quilômetros terra a dentro, mais ou menos na metade do caminho entre o porto de Callao e a cidade, a cerca de 100 metros acima do nível do mar. Se isso for verdade (e eu nunca vi ninguém tentar contestar e desmentir), então provavelmente, deve ter sido o terremoto que fez com que a terra do fundo do mar primeiramente se elevasse, impelindo com tanta força a massa de água entre o mar e a terra que a fragata foi elevada ao plano inclinado; e quando a água recuou, ela foi deixada a cerca de cinco quilômetros da praia.AJB 147.2
Pelo que parece, o porto de Callao foi inundado pelo mar, pois suas ruínas estão quase no mesmo nível do mar, e estão abaixo de um lago de água separado do oceano por um banco de areia. Ouvi, e também observei, que ali a maré não sobe nem desce em determinados períodos como acontece em quase todos os outros portos e lugares. Conclui-se, portanto, que a massa de água que cobre as ruínas de Callao não vem do mar.AJB 147.3
Outra curiosidade singular que descobri naquele lugar foi o cemitério, a uns oito quilômetros da cidade, diferente de qualquer coisa que eu já tinha visto. Na entrada havia uma igreja com uma cruz. Parte do caminho em volta do cemitério era feito de um muro duplo. O espaço, ou a passagem, entre aqueles muros parecia ser de 12 metros de largura. Os muros tinham dois metros e meio de altura e dois metros de espessura, com três fileiras de túmulos, onde os mortos eram depositados. Aqueles túmulos eram alugados para as pessoas que podiam dar-se ao luxo de sepultar seus mortos em grande estilo – um aluguel que podia ser de seis meses ou pelo tempo que fosse combinado. Alguns desses túmulos tinham paredes e outros tinham portas de ferro trancadas. Os túmulos desocupados estavam abertos, para “tomar um ar”. No centro, entre os muros, havia câmaras mortuárias fundas, cobertas com grades de ferro, onde podíamos ver corpos mortos, todos empilhados sem nenhuma organização. Fiquei sabendo que quando acabavam os seis meses ou o tempo do aluguel combinado, os corpos eram retirados dos túmulos e jogados naquela câmara mortuária ao centro, ficando os túmulos liberados para o sepultamento de outros mortos. Em outra área do cemitério, os mortos eram enterrados em fileiras. Perto da igreja havia uma grande câmara mortuária circular com uma torre no teto, que ficava sobre pilares a vários metros acima da câmara. Ali era mais um lugar para enterros. Ao olhar por cima do corrimão colocado em volta daquela câmara, para evitar a queda de gente viva ali, a vista era a mais revoltante. Alguns estavam de pé, outros de cabeça para baixo; ou seja, os mortos ficavam em todas as posições imagináveis após serem lançados da maca em que eram trazidos, caindo ali com roupas esfarrapas e imundas com que haviam morrido. Esses, evidentemente, eram os pobres desprezados, cujos amigos e familiares não tinham recursos para pagar o aluguel de uma sepultura no subsolo, ou num dos túmulos caiados no muro. Soldados mortos eram levados dos fortes e jogados ali com pouca cerimônia. O ar ali era tão salubre que nenhum odor ruim subia daqueles cadáveres. Eles literalmente haviam definhado e se secado.AJB 148.1