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    Capítulo 5

    Fazendo um buraco no navio. Aventura perigosa de um índio Narragansett. O buraco fica pronto. A fuga de 18 prisioneiros. Um artifício singular para continuarmos com a mesma contagem de presos. O resgate do homem que se afogava. Sinais noturnos por socorro. Outro buraco feito, porém descoberto. Carta dos prisioneiros fugitivos. Governo americano fornece roupas a seus prisioneiros. Os prisioneiros são enviados para a prisão de Dartmoor. Notícias animadoras sobre a paz.AJB 57.1

    Todas as noites os guardas costumavam passar para revistar nossas celas, antes de nos mandarem subir para a contagem, a fim de se certificarem de que não estávamos fazendo nenhum buraco no navio para ganharmos nossa liberdade. Percebemos que eram raras as vezes em que eles revistavam um ponto no convés inferior, e apenas o faziam superficialmente. Ao examinarmos o lugar, decidimos que faríamos um buraco ali, caso pudéssemos fazê-lo sem que o soldado, que ficava uns poucos centímetros acima do lugar por onde saíamos, notasse, e tomando cuidado para que ficasse acima do nível da água.AJB 57.2

    Depois de algum tempo, sem possuirmos nada melhor do que uma faca de mesa, com serrinhas, serramos uma tábua pesada de carvalho, de oito centímetros, que posteriormente nos serviu para cobrirmos o buraco quando nossos guardas se aproximavam. Começamos então a destruir uma pesada madeira de carvalho, lasca por lasca. Até isso precisava ser feito com muita cautela, para que o soldado não nos ouvisse do lado de fora. Enquanto um estava com as mãos na obra, outros ficavam vigiando para que os guardas não se aproximassem e vissem o buraco descoberto. Éramos 40 prisioneiros envolvidos nessa tarefa. Antes da pesada madeira ser desfeita lasca por lasca, um de nossos homens conseguiu o atiçador de ferro do cozinheiro. Isso foi de grande ajuda para extrair pequenas lascas ao redor das pesadas cavilhas de ferro.AJB 57.3

    Dessa forma, após mais ou menos 30 ou 40 dias de trabalho, alcançamos o casco de cobre do navio, cerca de 90 centímetros do topo da nossa cobertura, num ângulo de 25 graus para baixo. Forçando o atiçador contra o casco de cobre, no lado superior do buraco, descobrimos, para nossa alegria, que o buraco dava para baixo da plataforma onde o soldado ficava. Assim, ao abrirmos a face inferior do buraco, a água entrava um pouco, mas não em volume suficiente para afundar o navio, pelo menos por um tempo, a menos que a posição do vento ou o tempo mudassem. Se isso acontecesse, o navio se movimentaria com mais instabilidade, se inclinaria e o buraco ficaria submerso. Nesse caso, nossa sina, sem dúvida, seria perecer com o navio. O comandante havia dito anteriormente que, caso o navio pegasse fogo por causa de nossas lamparinas durante a noite, ele jogaria no mar as chaves de nossas escotilhas e nos deixaria queimar e perecer juntamente com o navio. Portanto, havíamos escolhido oficiais para apagarem todas as luzes às 10 da noite.AJB 57.4

    Num domingo à tarde, enquanto estava em meu turno alargando o buraco no casco de cobre, ouvi gritos de centenas de pessoas vindos do lado de fora, e fiquei com tanto medo de termos sido descobertos que, na pressa de cobrir o buraco, o atiçador escorregou da minha mão e caiu pelo buraco direto para o fundo do oceano. Com o buraco coberto, seguimos a multidão apressada, subindo a longa escadaria em direção ao convés superior para descobrirmos a causa daquela gritaria. Eis a situação: outro navio como o nosso, com prisioneiros americanos, estava atracado a uns 200 m de distância de nós. Pessoas do campo estavam visitando, em seus botes, os navios de prisioneiros, como era o costume nos domingos, apenas para verem como eram as “criaturas” americanas. Os soldados estavam com mosquetes carregados a uma distância de seis metros nas plataformas superior e inferior fora do navio para evitarem a fuga dos prisioneiros.AJB 58.1

    Um dos botes daqueles campesinos, remado por um homem, estava preso à plataforma inferior, no pé da escada do corredor principal, onde um desses soldados também estava de guarda. Um índio Narragansett alto e atlético, que, assim como o resto dos seus compatriotas, estava pronto a arriscar a vida pela liberdade, avistou aquele bote e ficou vigiando os oficiais ingleses que caminhavam no tombadilho superior. Quando os guardas viraram de costas para irem em direção à popa, ele desceu correndo a escada do corredor, agarrou o soldado, o mosquete e tudo mais, empurrou o soldado para baixo do banco do remador e desprendeu o bote. Depois pegou os dois remos e, com o homem nos seus pés (que provavelmente teria lhe dado um tiro caso conseguisse se soltar), o índio remou em direção à margem oposta, que não estava sendo vigiada, a cerca de três quilômetros e 200 metros de distância.AJB 58.2

    Os soldados, vendo o companheiro ser arrancado de seu posto, juntamente com toda a sua munição, e levado rendido de forma tão simples, e desaparecendo da vista como um raio sobre a água, por meio da grande força daquele índio norte-americano, ficaram muito atordoados e perplexos com a cena diante deles, ou com medo de que houvesse mais um índio atrás deles, que não conseguiram acertar o índio com um tiro. Botes bem tripulados com marinheiros e soldados logo foram atrás do índio, atirando e chamando a atenção para tentar trazê-lo de volta, mas todos os esforços ingleses pareciam dar ao índio ainda mais ânimo e coragem para remar com uma força extraordinária.AJB 59.1

    Quando os amigos prisioneiros do índio o viram se afastar de seus perseguidores de maneira tão grandiosa, gritaram e lhe deram três vivas. Os prisioneiros a bordo do nosso navio também gritaram e lhe deram três vivas.AJB 59.2

    Esse era o barulho que eu tinha ouvido enquanto trabalhava no buraco. Os oficiais estavam tão exasperados com a fuga do índio que ordenaram que cessássemos a algazarra ou nos trancariam no porão. Então abafamos nossa voz para vermos a fuga daquele pobre índio.AJB 59.3

    Antes de o índio chegar à costa, os guardas aproximaram-se do bote dele e atiraram em seu braço (pelo menos foi o que nos disseram), o que dificultou a remada do índio. Ainda assim ele conseguiu alcançar a costa, pulou do bote e saiu correndo, se desvencilhando de todos os seus perseguidores. Logo não estava mais ao alcance dos tiros disparados pelos soldados. Correndo por uma subida, o avistamos novamente saltando aos trancos e barrancos como um veado perseguido. Sem dúvida ele estaria fora do alcance dos soldados em poucas horas e conseguiria a liberdade, não fosse pelo povo naquela região, que de várias partes correu atrás do índio, perseguindo-o. O povo o entregou aos soldados, que o trouxeram de volta e o prenderam na masmorra por alguns dias. Pobre índio! Ele merecia um destino melhor.AJB 59.4

    Os prisioneiros por fim viram que o buraco estava pronto e muitos se prepararam para escapar. O comitê dos prisioneiros decidiu que aqueles que haviam trabalhado para fazer o buraco teriam o privilégio de ir primeiro. Escolhemos quatro homens sensatos e cuidadosos, que não sabiam nadar, para vigiarem o buraco e ajudarem aqueles que quisessem sair.AJB 60.1

    Com dificuldade, conseguimos finalmente um pouco de lona. Com ela fizemos pequenos sacos, grandes o bastante para acomodar nossa jaqueta, camisa e sapatos. Conseguimos também uma corda resistente de aproximadamente três metros. Prendemos uma extremidade ao barco, e a outra extremidade foi usada para fazer um laço que passasse no pescoço. Vestidos com chapéu e calças, com o saco em uma mão e segurando firmemente o nosso companheiro com a outra, nos enfileiramos num esforço desesperado para conquistarmos a liberdade. Dado o sinal (às 10 da noite), todas as luzes se apagaram, e todos aqueles com destino à liberdade estavam em seus postos.AJB 60.2

    Os soldados, como já descrevi, faziam guarda, tanto em cima quanto embaixo, por todo o navio, com as espingardas carregadas. O nosso ponto de aterrissagem, caso conseguíssemos chegar até ele, estava a 800 metros de distância, onde havia uma constante fileira de soldados logo acima da marca d’água. A cabeça dos que conseguiram passar pelo buraco saía apenas a alguns centímetros dos pés desses soldados, que estavam a postos numa plataforma de grade entre eles e nósAJB 60.3

    Um grupo de bons cantores se posicionou na portinhola de popa – onde ficava o soldado – que ficava próxima àquela acima do buraco. As interessantes canções de marinheiro e de guerra chamaram a atenção dos dois soldados, e um copo de bebida forte vez por outra os atraía para a portinhola, enquanto os prisioneiros lá dentro faziam de conta que estavam bebendo. Enquanto isso acontecia, o comitê dos presos os passava pelo buraco colocando primeiramente os pés. Assim, um a um descia pela corda; e quando um prisioneiro chegava à água, ele rapidamente soltava a corda e tomava o seu rumo para a costa.AJB 60.4

    Nesse meio tempo, quando o sino do navio tocava, indicando que mais meia hora havia se passado, o grito retumbante do soldado soava: “Tudo está bem!”. O soldado que nos preocupava mais tomou seu posto acima do buraco e gritava: “Tudo está bem!”. Então, quando ele dava um passo à frente para ouvir a canção dos marinheiros, o comitê fazia passar mais alguns presos pelo buraco; o soldado então dava um passo para trás e gritava: “Tudo está bem!”. Sem dúvida era muito animador para nossos amigos que lutavam pela liberdade dentro d’água ouvirem lá atrás o grito de paz e segurança: “Tudo está bem!”.AJB 60.5

    O relógio marcou meia-noite. Houve a troca da guarda e as músicas animadas cessaram. O silêncio que reinava dentro e fora atrasou nosso trabalho. Por fim, alguns sussurraram ao longo das fileiras dos presos que os poucos que haviam passado pelo buraco durante aquele silêncio haviam causado grande inquietação entre os soldados. Então, julgamos que seria melhor ninguém mais tentar fugir aquela noite, pois poderíamos ser pegos. O dia já estava quase raiando, e decidimos que seria melhor nos retirarmos para as nossas redes em silêncio.AJB 61.1

    Eu e Edmond Allen, também de New Bedford, tínhamos combinado de escaparmos juntos. Ficamos segurando um ao outro durante a noite e havíamos chegado próximo ao buraco quando foi decidido que seria melhor não mais prosseguir. Porém, ao amanhecer, a cobertura estava removida e Edmond Allen não estava mais ali. A comissão dos prisioneiros contou dezessete que haviam passado pelo buraco durante a noite, e, com Edmond, o número passou a ser dezoito.AJB 61.2

    Os prisioneiros se alegraram com o sucesso daquela noite e tomaram medidas para manter o buraco escondido para mais uma tentativa de fuga às 10 horas da noite seguinte.AJB 61.3

    Estávamos confinados entre dois conveses, sem nenhuma comunicação desde que havíamos sido contados e trancados na noite anterior. Durante o dia conseguimos algumas ferramentas e fizemos um buraco no convés superior, que ficou coberto e escondido. Circulou entre os prisioneiros a instrução de que deveríamos subir do convés superior assim que os soldados nos ordenassem a subir para a contagem da noite. No entanto, os prisioneiros que se encontrassem no convés inferior deveriam demorar e ir mais devagar para que os do convés superior pudessem ser contados antes que os do convés inferior terminassem de subir. Fizemos isso, e dezoito presos que haviam acabado de ser contados no andar superior passaram pelo buraco, despercebidos pelos soldados, e misturaram-se com o grupo que estava na escada do convés inferior, e foram contados novamente. Às dez horas da noite, as luzes se apagaram outra vez e formamos filas para mais uma tentativa de fuga.AJB 61.4

    Ao tomarmos as nossas posições às 10 horas da noite, alguns sussurraram por entre as nossas fileiras que havia dois homens que não pertenciam ao nosso grupo esperando no buraco, insistindo que iriam primeiro ou começariam a gritar, impedindo que qualquer um fugisse. Eles haviam bebido, e se recusavam a dialogar. Por fim, concordamos que eles fossem primeiro. Colocaram o primeiro homem no buraco com muita calma, e ele disse ao companheiro:AJB 62.1

    – Vou segurar os lemes do navio até que você venha atrás, amigo.AJB 62.2

    O segundo, que era tudo menos bom nadador, afundou como uma tora, ressurgindo na superfície abaixo da plataforma, se debatendo e lutando pela vida. Um soldado disse ao companheiro do seu lado:AJB 62.3

    – Ei, olha ali um golfinho.AJB 62.4

    – Mire a sua baioneta nele – respondeu o segundo soldado.AJB 62.5

    – Pode deixar. Se ele subir de novo eu pego.AJB 62.6

    Nós, àquela altura ficamos ouvindo o diálogo, praticamente sem respirar, temendo perder a nossa chance de fugir. Mas o bêbado subiu de novo. Ouvimos a agitação e então a súplica:AJB 62.7

    – Não me mate! Sou um prisioneiro!AJB 62.8

    – Prisioneiro? Prisioneiro? Como você veio parar aqui?AJB 62.9

    – Através de um buraco no navio!AJB 62.10

    Então, o soldado gritou:AJB 62.11

    – Prisioneiro no mar!AJB 62.12

    – Os prisioneiros estão fugindo! – Foi a rápida resposta de todos os vigias.AJB 62.13

    Todos os guardas vieram correndo para o convés. Poucos instantes depois o vigilante comandante levantou-se da cama e veio correndo, perguntando furiosamente:AJB 62.14

    – Onde?AJB 62.15

    E ao ouvir o som lá fora, desceu correndo a escada de portaló, gritando:AJB 63.1

    – Quantos prisioneiros fugiram?AJB 63.2

    E um dos prisioneiros, sentindo-se disposto a apressar o nosso capitão chefe, colocou o rosto no buraco com grades e gritou:AJB 63.3

    – Mais ou menos uns 40, eu acho.AJB 63.4

    Rapidamente, os avisos noturnos de perigo fizeram com que botes bem tripulados fossem trazidos a fim de pegarem os prisioneiros.AJB 63.5

    – Para onde remamos?AJB 63.6

    – Para todos os lados.AJB 63.7

    – Encontrou algum?AJB 63.8

    – Não, senhor, não, senhor.AJB 63.9

    Ordenaram então que um grupo de soldados fosse à terra firme, percorresse a floresta Gelingham, para onde supunham que os “quarenta” haviam conseguido escapar, a explorasse de manhã e trouxesse os prisioneiros de volta a bordo. Foi muito divertido ver quanto crédito o comandante dera ao “palpite” de um prisioneiro.AJB 63.10

    Depois de tomadas essas providências, trouxeram o homem que se afogava até o convés, e exigiram que ele relatasse os fatos. Mas ele estava tão fora de si depois de engolir tanta água salgada misturada com o álcool que bebera e com tanto medo de ser arpoado com a baioneta de um soldado que não conseguiu dar as devidas satisfações, exceto a de que havia um buraco no navio, pelo qual ele havia passado. Finalmente um dos botes encontrou o buraco. Empurraram um longo bastão de ferro dentro dele e ficaram vigiando até a manhã.AJB 63.11

    Quando nos permitiram subir ao convés pela manhã, o pobre Johnson estava deitado, amarrado a uma prancha, boiando na água próximo à praia. Tudo o que soubemos foi que a corda do saco que ele levou estava enrolada firme no pulso esquerdo, abaixo da mão que quase foi decepada. Alguns amigos dele sabiam que ele carregava uma faca afiada no bolso da calça e que ela não estava com ele quando foi encontrado boiando próximo à praia. Amarrar a corda do saco em seu pulso em vez de no pescoço foi, sem dúvida, um grande impedimento para que ele fugisse dos botes. E na tentativa de cortar a corda, supúnhamos que ele tinha cortado o pulso, sangrando até a morte ao se aproximar da costa.AJB 63.12

    Os oficiais nos mantiveram no convés o dia todo, sem comida. Fomos interrogados individualmente com muito rigor, pois queriam ver se nossas respostas batiam. Quando, por fim, ficou claro que 18 homens haviam conseguido escapar na noite anterior à descoberta do buraco, sem qualquer alteração no relatório oficial do número total de prisioneiros, os oficiais britânicos foram presos por terem dado um relatório falso. Porém, foram soltos outra vez mediante a declaração do nosso presidente de comitê de como o incidente ocorrera.AJB 64.1

    No dia seguinte, os carpinteiros do rei, vindos de Chatham, foram enviados a bordo com ferramentas e um pesado bastão de madeira para tapar o buraco. Enquanto eles estavam ocupados em nosso meio, cortando e martelando, alguns prisioneiros pegaram algumas ferramentas que eles não estavam usando e começaram, do outro lado do navio, a fazer mais um buraco, tão adequado quanto o primeiro, e terminaram antes de os carpinteiros fecharem o primeiro buraco. Os soldados lá fora atribuíram o barulho aos carpinteiros do rei.AJB 64.2

    Naquela mesma noite, nos posicionamos nesse novo buraco à espera de uma oportunidade de fuga. Ficamos ali até umas 4 horas da manhã. Devido à pressa com que cortamos o cobre, pontas afiadas e irregulares ficaram no buraco. Para evitarmos que aquelas pontas mutilassem o nosso corpo, prendemos um cobertor de lã na parte de baixo para podermos escorregar e fugir por cima do cobertor. Durante a noite, além do guarda vigilante, outro guarda rondava o navio em um bote, e examinava com um bastão de ferro a parte do navio abaixo da plataforma inferior. O guarda continuou batendo o bastão de ferro em cada lado do primeiro buraco, mas não conseguiu encontrar o lugar da perfuração que estávamos fazendo.AJB 64.3

    Antes de raiar o dia, um dentre nosso grupo se aventurou a dar uma espiada pelo buraco, pouco depois de o bote passar para ver se a noite estava clara ou escura o suficiente para permitir uma fuga despercebida, nadando em direção à popa do navio antes que o bote passasse mais uma vez. Depois de puxarmos a cabeça dele para dentro do navio, ele disse que a noite estava clara e que era possível enxergar a uma boa distância. Portanto, decidimos esperar até a noite seguinte. Por negligência do comitê, o cobertor ficou com a ponta boiando na água, e o buraco foi descoberto pelo guarda do bote logo após o amanhecer.AJB 64.4

    – Tem outro buraco desse lado do navio!AJB 65.1

    E logo vimos o bastão de ferro entrando pelo buraco, acabando com todas as nossas esperanças de escaparmos daquele lugar. Para que os danos fossem compensados, ficamos, por algum tempo, sem uma parte da nossa porção diária de mantimento.AJB 65.2

    Nosso arrogante comandante começou a temer muito pela sua própria segurança e a de sua família. Parecia quase certo que aqueles audaciosos ianques ainda afundariam seus navios de prisioneiros ou conseguiriam a liberdade. Fiquei sabendo que ele disse que preferia tomar conta de seis mil prisioneiros franceses do que 600 ianques.AJB 65.3

    Depois de todas as buscas pelos 18 fugitivos, chegou uma carta de Londres para o comandante do navio de prisioneiros Crown Princen a fim de informar sobre a fuga bem-sucedida de todos os prisioneiros e da viagem segura de 112 quilômetros que fizeram até a cidade de Londres. A carta dizia também que seria inútil que ele se preocupasse com eles, pois estavam às vésperas de viajarem para o exterior. Eles deram a entender que se lembravam do tratamento cruel infligido pelo comandante.AJB 65.4

    Devido a esse episódio, o governo britânico começou a falar sobre nos enviar para a prisão de Dartmoor – uma ruína sombria localizada a cerca de 24 quilômetros do porto de Old Plymouth, onde, com certeza, seria difícil encontrar um meio de escapar daquelas paredes de pedra maciça e masmorras tão firmemente fortificadas.AJB 65.5

    Em 1814, os prisioneiros americanos continuaram a chegar, vindos de Halifax, das Índias Ocidentais [Ilhas do Caribe] e de outras partes do mundo. O estado deles era miserável: sem roupas decentes e apropriadas, principalmente os soldados. Era lastimável vê-los vestidos com trapos esfarrapados. Muitos deles se enrolavam em seus cobertores de lãs sujos para se protegerem das frias tempestades. Declarações foram enviadas aos Estados Unidos, o que finalmente estimulou o governo a tomar medidas para providenciar aos seus prisioneiros roupas adequadas.AJB 65.6

    O Sr. Beasley, agente interino dos Estados Unidos em Londres, foi encarregado de atender a causa dos seus compatriotas prisioneiros que estavam sofrendo. Ele enviou um judeu de Londres, que trouxe caixas com roupas já confeccionadas ou alinhavadas e um secretário inexperiente para administrar a distribuição segundo bem lhe parecesse. Sendo assim, os que não passavam necessidade adquiriram um traje completo, enquanto outros muito mais necessitados ficaram sem nada. Os prisioneiros escreveram uma carta protestando contra o Sr. Beasley, mas ele justificou o seu agente e deu pouca ou nenhuma atenção às nossas queixas.AJB 66.1

    Depois de permanecer prisioneiro por mais de um ano, o governo britânico condescendeu em nos pagar nossos míseros salários, o que me permitiu comprar algumas peças de roupa e mantimento extra enquanto durou o dinheiro. Meu pai conseguiu uma oportunidade de me enviar recursos de tempos em tempos através de um agente em Londres. O agente me mandou 20 dólares, o que me deixou muito feliz. Logo depois disso, os prisioneiros americanos foram enviados para a prisão de Dartmoor, e não tive mais notícias do agente.AJB 66.2

    Foi no verão de 1814 que fomos enviados em grandes grupos por mar até Plymouth, e de lá para a prisão de Dartmoor. O número de presos, conforme nos relataram, logo chegou a 6 mil.AJB 66.3

    Os muros duplos de pedra, com cerca de quatro metros de altura e largos o suficiente para centenas de soldados caminharem sobre eles, formavam uma meia lua, com três áreas separadas contendo sete edifícios de pedra, capazes de comportar entre 1.500 a 1.800 homens cada. O edifício do centro era reservado aos prisioneiros negros.AJB 66.4

    Esses edifícios estavam localizados na encosta de uma colina, de frente para o leste, o que nos permitia ver o nascer do sol, mas o perdíamos de vista muito antes de ele se pôr. Acima de nós, a oeste, localizava-se um grande número de edifícios semelhantes, separados por pesadas estacas de ferro e empregados como alojamentos, armazéns, casas para os nossos guardas e até como hospital. Naqueles três horizontes, podíamos ver um ermo muito medonho, guarnecido com rochedos e pequenos arbustos até o limite da nossa visão. Com certeza, acertaram no nome Dartmoor, que significa pântano montanhoso.AJB 66.5

    As prisões tinham três andares com um lance de degraus de pedra em cada extremidade, aberta no centro. Havia uma portinhola com grades de ferro em cada parede triangular. Éramos vigiados por 600 soldados que faziam a contagem pela manhã e nos trancafiavam ao pôr do sol. Era um espetáculo ver, quando o sol brilhava, aqueles que desejavam se manter limpos assentados em grupos no pátio, tirando os vermes de seus cobertores e camas. Ao ouvirem sobre a chegada de mais presos, os de dentro se aglomeravam nos portões e formavam um tipo de corredor de presos por onde os novos passavam. E ao passarem, alguns reconheciam seus amigos.AJB 67.1

    – Ei, Sam. Você veio de onde?AJB 67.2

    – Marblehead.AJB 67.3

    – Alguém ainda ficou por lá?AJB 67.4

    – Não. Eu fui o último.AJB 67.5

    E assim todos iam se reconhecendo. Disseram-me uma vez que quase todos os marinheiros de Marblehead haviam sido presos.AJB 67.6

    Durante o inverno, os homens do agente Beasley tornaram a aparecer para nos prover mais roupas, e isso nos deixou muito felizes.AJB 67.7

    Na prisão para os negros havia cultos religiosos praticamente todos os domingos, e alguns até professaram estar convertidos, sendo batizados num pequeno tanque no pátio com a água vinda de um reservatório na montanha, usada com frequência pelos prisioneiros para lavarem as roupas.AJB 67.8

    O mês de dezembro de 1814 nos trouxe a alegria de sabermos que um tratado de paz entre Estados Unidos e Grã-Bretanha tinha sido assinado pelos Plenipotenciários de Ghent, no continente europeu. Os que nunca foram condenados à prisão nesse lugar escuro e sombrio não podem compreender nada quanto aos nossos sentimentos. Entretanto, nos deixaram na expectativa, enquanto uma fragata era despachada pelo oceano para obter a assinatura do presidente Madison. Em fevereiro de 1815, a fragata voltou com o tratado confirmado. Gritos extasiados de alegria soaram através das nossas masmorras sombrias com uma intensidade que, provavelmente, jamais será testemunhada ali outra vez. O quê? Seríamos mesmo libertos? Voltaríamos à nossa terra natal e nos reuniríamos em volta da lareira rodeados pelos familiares mais uma vez? Sim, essa era a nossa esperança e, por vezes, parecia que estávamos quase em casa.AJB 67.9

    Supunha-se que havia cerca de duas centenas de nós em Dartmoor que haviam servido a marinha britânica. Esse era um reconhecimento subtendido, por parte deles, de nosso recrutamento forçado. Alguns de nós havíamos servido os britânicos por 20 ou 30 anos. Como não havíamos pegado em armas contra eles, enviamos uma petição respeitosa ao Parlamento Britânico pedindo uma atenuação dos nossos sofrimentos, ou uma libertação honrosa. Essa solicitação foi contestada com afinco pelos nobres lordes pela razão de que conhecíamos as táticas de guerra britânicas – pois havíamos sido treinados nelas –, e se fôssemos libertos antes do fim da guerra, evidentemente entraríamos para a Marinha dos Estados Unidos e ensinaríamos o que havíamos aprendido no serviço britânico. Isso, disseram eles, seria colocar os paus nas mãos dos americanos, com os quais esmagariam a cabeça dos britânicos posteriormente.AJB 68.1

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