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    Capítulo 6

    A passagem subterrânea. Um traidor. Confirmada a paz. O enforcamento da efígie do cônsul americano. Sem pão por dois dias. Prisioneiros exigem e conseguem o pão. O desumano massacre dos prisioneiros. Um soldado inglês é liberto. Tribunal de inquérito. A chegada do Cartel. Libertos da prisão. Exibição das bandeiras em respeito ao massacre.AJB 69.1

    Naquela época, a fim de conseguirem a liberdade, os prisioneiros de uma das prisões já haviam começado a árdua tarefa de abrirem uma passagem subterrânea que daria para o lado de fora dos muros da prisão. Para executarem isso, uma das grandes pedras de pavimentação foi levantada no térreo, e os prisioneiros começaram a obra de cavar a terra, colocando o entulho em pequenos sacos e compactando-o firmemente embaixo da escadaria de pedra que ia até o terceiro andar, assoalhada no lado de trás. Para efetuarem tal tarefa, uma das tábuas, bem como a pedra de pavimentação, tinham que ser removidas, mas depois cuidadosamente colocadas de volta no lugar antes do amanhecer, sujeitas à inspeção crítica dos carcereiros depois da contagem dos prisioneiros.AJB 69.2

    Pelo que eu me lembro, o comprimento da passagem por baixo do alicerce da prisão até o primeiro muro do outro lado do pátio da prisão era de mais ou menos 30 metros; e daquele ponto até o muro externo mais uns 6 metros. Disseram-nos que aqueles muros tinham 4 metros de altura, e também 60 centímetros abaixo da superfície. Em outras palavras, eram largos o suficiente para que os guardas caminhassem tranquilamente em cima deles.AJB 69.3

    Um amigo meu, o capitão L. Wood, de Fairhaven, Massachusetts, com quem eu conversava bastante e que também estava preso ali, foi quem me falou da obra que faziam para fugir, e de como estava difícil entrar naquele buraco sufocante depois de terem escavado certa distância e ainda voltar com um saco de terra. Ele disse que o rosto dos prisioneiros saía quase todo preto e eles ficavam exaustos pela falta de ar. No entanto, outro rapidamente prosseguia com a tarefa e logo saía com um saco de terra. Dessa maneira eles continuavam o trabalho noturno sem serem descobertos, até que finalmente alcançaram o alicerce do primeiro muro e do segundo, ou seja, o muro externo e cavaram por debaixo dele. Vários agora se muniram de facas e armas letais com que pudessem se defender, determinados a lutar, com o risco da própria vida, para chegar até a costa, e, uma vez lá, tomar posse da primeira embarcação ou botes e rumar em direção à costa da França.AJB 69.4

    Antes que conseguissem forçar uma abertura do lado de fora do muro externo para que passassem tantos quantos desejassem, enfileirados um após o outro na escuridão da noite, um dos presos, conhecendo todo o esquema, delatou os companheiros. De repente, soldados e oficiais armados apareceram no pátio da prisão, trazendo consigo o delator, que apontou o lugar por cima da passagem subterrânea. Os soldados, mais que depressa, arrombaram o chão; e, assim, em poucos instantes a passagem se encheu de pedras e terra provenientes do pátio pavimentado de pedra. Em seguida, o traidor foi levado cuidadosamente sob custódia, com receio de que os prisioneiros o apanhassem e o fizessem em pedacinhos.AJB 70.1

    – Qual é o nome dele? Quem é ele? De qual Estado ele é? – foram as perguntas. Aqueles que conheciam o traidor responderam que ele era de New Hampshire. O diretor acabou libertando o traidor e nunca mais ouvimos falar dele.AJB 70.2

    Quando a fragata chegou dos Estados Unidos, trazendo o ratificado tratado de paz entre nós e a Grã-Bretanha, descobrimos que o Sr. Beasly tinha retomado suas funções como cônsul americano em Londres e fora instruído pelo nosso governo a conseguir navios apropriados para transportar os prisioneiros americanos da Inglaterra para os Estados Unidos. E depois de esperarmos o tempo adequado, escrevemos para o Sr. Beasly em favor dos prisioneiros de Dartmoor, querendo saber por que as embarcações ainda não tinham chegado para que pudéssemos partir. Mas a resposta recebida foi muito insatisfatória. Mais uma vez expressamos nossa surpresa diante de sua aparente negligência quanto ao nosso caso, pois quase dois meses haviam se passado desde que o tratado de paz fora ratificado e ainda não havia nenhuma atenuação dos nossos sofrimentos. A resposta dele não foi nada confortadora. Por fim, os prisioneiros se tornaram tão exasperados devido à negligência intencional do Sr. Beasly que ergueram uma forca no pátio da prisão, enforcaram e em seguida queimaram uma efígie do Sr. Beasly. À medida que os periódicos ingleses começaram a anunciar o ocorrido, o Sr. Beasly começou a ficar atento e discutir conosco por nos atrevermos a tomar tamanha liberdade quanto a seu caráter. Deixamos claro a ele que ele havia recebido instruções de envidar esforços para atenuar nossos sofrimentos e nos libertar da prisão, mas ainda estávamos aguardando por esse acontecimento.AJB 70.3

    O diretor da prisão, que possuía uma patente de capitão na marinha britânica, também se encarregou de tirar proveito de nós, nos ordenando a comer o pão duro, estocado no inverno, quando não era possível conseguir o pão macio. Não fizemos objeção a isso, desde que nos dessem o mesmo número de gramas de pão duro que costumávamos receber do macio. Esse diretor, o Sr. Shortland, opôs-se a isso e nos disse que um terço da quantidade era mais do que suficiente. Fora isso que o comandante do navio de prisioneiros havia tentado fazer conosco um ano antes, mas não conseguiu, como mencionei anteriormente. Sem hesitarmos, recusamos a proposta do diretor Shortland. Ele disse que teríamos um terço de pão ou nada. Nossa reivindicação foi ter a cota completa ou nada. Assim, ficamos dois dias sem pão, e ainda fomos ameaçados de que nossa água seria retirada também se não cedêssemos.AJB 71.1

    Já era 4 de abril de 1815. O diretor Shortland deixou o armazém de suprimentos naquele dia e foi viajar por alguns dias, achando que, quando voltasse, já estaríamos famintos o suficiente a ponto de aceitarmos os seus termos. No entanto, antes do por do sol, na hora de nos trancarem para mais uma noite sombria, boa parte dos prisioneiros estava ficando tão exasperada com os maus tratos e a fome, que quando os soldados e carcereiros apareceram para nos ordenar a entrar nas celas, simplesmente nos recusamos a obedecer até que nos dessem o nosso pão.AJB 71.2

    – Já para as celas! – gritavam.AJB 71.3

    – Não! Não vamos sem antes recebermos nosso pão!AJB 71.4

    Os soldados foram convocados a se armar, e, juntamente com o diretor e o segundo em comando, se posicionaram acima da grande passagem de ferro, acima da área pública onde estavam localizados o hospital e o armazém onde nosso pão era guardado. Na parte inferior dessa área pública, havia outra grade de ferro e um portão de ferro trancado, que era a linha de demarcação entre nós e nossos vigias. Ali havia uma passagem estreita com cerca de três metros de largura e nove metros de comprimento por onde todos os prisioneiros, quando fora das celas, podiam ir e vir dos pátios 1, 4 e 7, que continham as sete casas carcerárias preparadas para acomodar mais ou menos 10 mil prisioneiros.AJB 71.5

    Ao escurecer, já havia um alvoroço geral nos dois lados, e o corredor estreito estava tão lotado que era difícil passar. Por fim, os presos pressionaram tanto que o cadeado do grande portão dobradiço estourou, abrindo os portões. Em poucos instantes, os prisioneiros, desarmados e sem um plano combinado, pisavam em terreno proibido, enchendo a área pública e aglomerando-se até a grande passagem de ferro do lado oposto da área pública, onde se encontrava o coronel em comando e seu grande número de soldados armados. Ordenaram então que os prisioneiros se afastassem ou os soldados atirariam.AJB 72.1

    – Atirem! – gritaram os prisioneiros enquanto se aglomeravam na frente dos soldados. – Tanto faz morrermos pela espada ou pela fome.AJB 72.2

    O coronel, ainda mais relutante em atirar, queria saber o que nós queríamos.AJB 72.3

    – Nós queremos o nosso pão, senhor!AJB 72.4

    – Bem, voltem para as suas respectivas celas e faremos algo a respeito.AJB 72.5

    – Não, senhor! Não sairemos daqui até recebermos toda a nossa quantia de pão!AJB 72.6

    O coronel ordenou que o fornecedor nos servisse toda a nossa porção de pão macio; e por volta das nove da noite, os diversos grupos já havia recebido sua porção de pão. Então os prisioneiros entraram nas celas em silêncio e começaram a saciar o apetite com pão preto e água gelada, elogiando muito a maneira calma, corajosa e cavalheira como o coronel nos havia recebido e concedido nosso pedido.AJB 72.7

    Dois dias depois desse ocorrido, isto é, no dia 6 de abril de 1815, o diretor Shortland voltou ao seu posto. Quando ficou sabendo o que ocorrera na noite do dia 4, declarou, como nos disseram depois, que se vingaria de nós. Nesse dia 6, alguns prisioneiros estavam jogando bola no pátio número 7. A bola foi para cima do muro várias vezes e sempre que pedíamos com gentileza eles a jogavam de volta. Logo um dos prisioneiros gritou de maneira um tanto autoritária:AJB 72.8

    – Soldados, joguem a bola de volta!AJB 73.1

    E como a bola não voltava, alguns dos jogadores disseram:AJB 73.2

    – Vamos fazer um buraco no muro para pegá-la de volta.AJB 73.3

    Dois ou três prisioneiros começaram a bater no reboco do muro com pequenas pedras. Uma sentinela sobre o muro ordenou que eles desistissem. Porém, eles não obedeceram até que a ordem foi dada outra vez. Enquanto isso, eu ficava andando para lá e para cá naquele lugar com os outros presos, mas não acreditava que eles fossem conseguir fazer um buraco com as pedras que estavam usando, ou que qualquer coisa concernente a esse assunto fosse de muita ou qualquer importância. Com exceção desse caso insignificante, os prisioneiros eram tão ordeiros e obedientes como sempre haviam sido no passado.AJB 73.4

    Ao pôr do sol, os carcereiros, como de costume, ordenaram que os prisioneiros entrassem. Para que isso acontecesse e os prisioneiros chegassem até suas respectivas celas, eles precisavam passar pelo corredor estreito, que acabou ficando tão lotado que o portão dobradiço, que não tinha sido completamente reparado desde o dia 4, e apenas levemente trancado, arrebentou com a pressão dos presos, fazendo com que alguns inevitável e involuntariamente lotassem a área pública. Parece que o diretor Shortland, juntamente com o seu regimento de soldados armados, havia se posicionado acima da área pública, aguardando um pretexto para nos retaliar. A abertura do portão dobradiço, apesar de involuntária, pareceu ser o suficiente para seus propósitos: ele avançou com os soldados e ordenou-lhes que atirassem. Suas ordens foram imediatamente obedecidas. Os soldados correram no meio dos prisioneiros fugitivos e atiraram em todas as direções. Um pobre homem foi atingido e vários soldados o cercaram. Ele caiu de joelhos e implorou que poupassem sua vida, mas a resposta dos soldados foi impassível: “Sem misericórdia aqui!”. Descarregaram os pentes das espingardas no homem e deixaram o cadáver mutilado. Outros prisioneiros fugiram para as portas de suas respectivas celas. Elas sempre ficavam abertas no toque de recolher, mas, dessa vez, eles as encontraram fechadas. Enquanto lutavam para alcançar a porta do outro lado, eles se viram no meio do fogo cruzado dos soldados. Isso foi uma prova adicional de que toda aquela ação tinha sido premeditada.AJB 73.5

    Enquanto eu forçava minha passagem descendo o lance de escadas de pedra a fim de averiguar o alvoroço e o som das espingardas, vários soldados vieram correndo em direção à porta – enquanto o restante deles lá fora forçava caminho para entrar – e atiraram em nós. Um homem caiu morto, e outro caiu bem na minha frente sem uma das pernas. Um soldado inglês acabou sendo levado naquele meio contra a sua vontade, e a porta se fechou diante dos soldados mais do que covardes e assassinos, que dispararam suas espingardas nos prisioneiros que nem haviam saído de suas celas.AJB 74.1

    Uma grande confusão e agitação prevaleciam agora em cada uma das celas. A melhor informação que tivemos foi a de alguns, enquanto fugiam desses assassinos, disseram que passavam por mortos e moribundos ao longo do caminho até as suas celas. Gritamos para os prisioneiros da cela vizinha, e eles disseram que faltavam cerca de 200 presos daquela cela. Imaginávamos que aquele era o número de prisioneiros que faltavam em nossa cela. A julgar por aqueles números, estimávamos que um grande número havia sido massacrado. Pai, filhos e irmãos desapareceram, e uma agitação muito intensa tomou conta da nossa cela. De repente, ouvimos o apito do contramestre para que o mensageiro desse as notícias diárias. Tudo ficou silencioso no andar superior. Então ele começou a ler:AJB 74.2

    “Há um soldado inglês em nosso meio no piso inferior. Alguns prisioneiros estão com uma corda no pescoço dele, e a outra extremidade da corda está sobre a viga. Estão insistindo que ele faça suas orações, pois estão prestes a enforcá-lo. Dois membros do comitê conseguiram evitar a sentença até que os presos opinem no caso.”AJB 74.3

    – O que deve ser feito com esse homem? – era o grito que se ouvia.AJB 74.4

    – Enforquem-no! Enforquem-no! Enforquem-no! – alguns gritavam.AJB 74.5

    – Não! Não! Libertem-no! – gritaram os outros do primeiro e do segundo andar.AJB 74.6

    O mensageiro informou que prevaleceram os gritos a favor do enforcamento. O comitê e outros prisioneiros imploraram para que esperassem um instante até que pudessem repetir a votação. Os prisioneiros estavam eufóricos demais e, portanto, julgaram com muita precipitação. O pobre soldado ainda estava implorando pela vida, esperando ser enforcado a qualquer momento. Quando o emissário circulou pela segunda vez, a decisão foi difícil; no entanto, o número a favor de poupar a vida do soldado era maior. Isso abriu caminho para um terceiro julgamento, que foi decisivamente a favor da soltura do inimigo. Nesse meio tempo, os corpos dos mortos e os moribundos haviam sido reunidos fora dos pátios, e levados ao hospital os que ainda estavam vivos. Um grupo de soldados veio à nossa porta pegar os mortos e feridos:AJB 75.1

    – Tem algum aqui? – perguntaram.AJB 75.2

    – Sim. Aqui tem dois. Ah, e tem também um dos seus soldados, leve-o com vocês.AJB 75.3

    Quando o tribunal de inquérito (a que vou me referir em breve), o qual deliberaria sobre esse assunto do assassinato, foi suspenso, os periódicos ingleses muito louvaram o ato honroso e misericordioso dos prisioneiros de Dartmoor, ao pouparem a vida do soldado, mesmo sob as circunstâncias agravantes em que se encontravam.AJB 75.4

    Só mais tarde na manhã seguinte que as portas das celas foram abertas, pois levou certo tempo para lavarem todo aquele sangue dos nossos companheiros mortos, sangue esse que nossos inimigos não queriam que víssemos. Quando saímos para o pátio, muitos prisioneiros encontraram seus amigos perdidos, pois durante o massacre, a fim de escaparem dos tiros dos soldados, muitos fugiram para as celas mais próximas e ficaram lá até a manhã seguinte, enquanto outros procuraram e encontraram seus amigos no hospital, entre os mortos e feridos. Depois de muito perguntarmos, descobrimos que sete haviam sido mortos e 60 feridos. O que tornava isso mais agravante era que os dois governos estavam sob os mais amigáveis termos, e muitos dos nossos navios e compatriotas já estavam negociando na Inglaterra, ao passo que, em vez de diminuírem a opressão e o rigor sobre nós, eles estavam encurtando ainda mais as nossas rédeas. Tal sofrimento durou por mais sete semanas depois da confirmação do tratado de paz entre a Grã-Bretanha e os Estados Unidos. Se o Sr. Beasly, nosso cônsul em Londres, tivesse prontamente seguido as instruções do nosso governo, ele poderia ter nos poupado o trabalho de pendurar e queimar sua efígie, e teria impedido que o diretor Shortland tivesse a satisfação de nos assassinar de modo tão injustificável, podendo ter nos oferecido embarcações, ou até mesmo nos convencido de que estava fazendo tudo o que podia para nos libertar daquele confinamento sombrio.AJB 75.5

    Um tribunal de inquérito foi instituído para investigar esse caso, formado por John Quincy Adams, na época secretário diplomático dos Estados Unidos em Ghent, e um dos almirantes experientes de Plymouth, por parte da Grã-Bretanha, juntamente com sua comitiva.AJB 76.1

    Foi preparado para o tribunal um lugar no topo dos muros, acima do corredor estreito e do local de demarcação entre os prisioneiros e os guardas, de modo que os presos, do lado esquerdo, pudessem se dirigir aos juízes, e os guardas o fizessem também do lado direito, com as paredes separando esses dois grupos. A declaração do diretor Shortland e seus homens com respeito a nossa tentativa de fazermos um buraco na parede, bem como a abertura dos portões trancados com reparos não consertados, a fim de justificar seu ataque a nós descrito acima, pareceu ter pouquíssima importância. Quando ocorreu o massacre, todos nós concordamos com o fato de que o plano dele fora premeditado. O almirante britânico parecia decidido a questionar os prisioneiros sobre a cota de alimentos, e se eles não haviam recebido a quantidade devida de comida. Respondemos que as nossas queixas no momento não diziam respeito à nossa porção de comida, mas sim à maneira desumana como nossos compatriotas haviam sido massacrados. Por fim, na conclusão desse doloroso inquérito, o massacre em Dartmoor foi repudiado pelo governo britânico e as viúvas receberam uma indenização (ver D. Haskel’s Leading Events of Universal History [Os Principais Eventos da História Universal de acordo com D. Haskel]).AJB 76.2

    Três semanas depois do massacre, chegou a notícia há muito aguardada: um cartel1Nos séculos 18 e 19, “cartel” se referia a navios humanitários sem propósitos comerciais ou bélicos, cujo objetivo era transportar prisioneiros de guerra; esses eram protegidos por leis internacionais, não podendo ser capturados, a não ser por flagrante desrespeito aos acordos firmados. havia chegado a Plymouth para selecionar prisioneiros. Como eu estava entre os primeiros da lista naquela época, fui chamado e reunido a cerca de 250 prisioneiros. Muitos desses, reunidos diante do diretor Shortland e seus soldados armados, carregavam bandeiras brancas em grandes postes com os seguintes dizeres em grandes letras pretas: “Massacre dos prisioneiros americanos na prisão de Dartmoor, no dia 6 de abril de 1815”, “O sangrento 6 de abril”. Outros ainda carregavam bandeiras com o nome de Shortland como assassino de prisioneiros americanos. Alguns presos declararam abertamente que o matariam se tivessem a chance. Ele parecia estar ciente daquelas ameaças e se manteve a uma distância segura dos presos enquanto éramos reunidos no pátio superior, perto da residência dele e da dos oficiais, onde nos preparávamos para a partida definitiva. Também esperávamos que ele fosse nos dar a ordem de abaixarmos as nossas bandeiras enquanto ainda estávamos sob sua imediata inspeção, ou sob a de seu pelotão de soldados que nos vigiou dali até o porto de Plymouth (uma distância de 24 km), mas ele não o fez. Nós, os presos, continuamos balançando as bandeiras até chegarmos ao local de embarque, no porto de Plymouth.AJB 76.3

    Na manhã do dia 27 de abril de 1815 fomos libertos da prisão de Dartmoor, cinco anos após meu recrutamento forçado em Liverpool, na Inglaterra. Desses cinco anos, passei dois anos e meio servindo a Marinha Britânica e os outros dois anos e meio fui prisioneiro de guerra dos britânicos.AJB 77.1

    O portão do lado oeste daquele confinamento sombrio e sangrento finalmente se abriu, e os soldados receberam a ordem de marcharem com os prisioneiros. Ao subirmos a prisão de Dartmoor, olhamos para trás para observarmos aqueles edifícios de pedra enormes e escuros onde tínhamos sofrido tantas privações, mas logo dirigimos nosso olhar para a frente em direção ao horizonte ocidental, que agora, pela primeira vez desde o nosso confinamento, poderia ser visto em toda a sua extensão, mostrando o rumo da nossa terra natal onde encontraríamos nossos queridos familiares e amigos.AJB 77.2

    É mais fácil sentir do que descrever o misto de emoções que oscilava entre o sentimento da escravidão opressiva, por um lado, e o da liberdade ilimitada, por outro. Abaixei para amarrar o meu velho par de sapatos, e me senti apto para realizar o que para nós, em nosso estado frágil, seria uma tediosa viagem. No entanto, os sentimentos de alegria por causa da liberdade e a agradável ansiedade de logo encontrarmos os nossos queridos nos animaram a seguir em frente rumo à velha cidade de Plymouth, mesmo com um oceano de quase cinco mil quilômetros entre nós e os nossos queridos. As pessoas de Plymouth fixamente olhavam para nós; e isso não era de se admirar, pois, afinal, nunca tinham visto passar por lá um grupo tão heterogêneo e com bandeiras tão singulares tremulando nas mãos.AJB 77.3

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