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    Capítulo 4

    Recrutamento forçado de marinheiros americanos. Os documentos de cidadania. A guerra. Rendição voluntária como prisioneiros de guerra. A preparação para uma batalha. Tratamento injusto. Confinamento. Livramento. A frota britânica superada pelo inimigo. Prisioneiros enviados à Inglaterra. O Jornal de Londres. Outra ação. Sem comida.AJB 45.1

    O Swiftshore logo estava a caminho de seu posto de serviço em Toulon. Alguns dias depois de partirmos, um amigo do meu pai, vindo dos Estados Unidos, trouxe documentos que comprovavam minha cidadania americana e um requerimento exigindo minha liberação do governo britânico.AJB 45.2

    Uma das causas mais notórias da última guerra que tivemos contra a Inglaterra, em 1812, foi a forma opressiva e injusta como os britânicos recrutavam à força marinheiros americanos onde quer que fossem encontrados, quer no mar quer em terra. Isso era negado por um partido político nos Estados Unidos. O governo britânico também continuou a negar o fato, considerando de pouca importância os passaportes ou a proteção dos cidadãos americanos. Os britânicos exigiam tais provas de cidadania americana, já que não eram obtidas facilmente. Portanto, os atos de agressão continuaram até que a guerra estourou.AJB 45.3

    Outra ação repugnante era que todas as cartas endereçadas a amigos deviam passar por uma rigorosa inspeção feita pelo tenente antes de saírem do navio. Sem querer, um dia encontrei uma das minhas cartas rasgada e jogada em um canto do navio, o que impossibilitou meus pais de saberem se eu estava vivo. Apesar de eu ter em mãos uma proteção genuína concedida por um coletor da alfândega em Nova Iorque, fui considerado irlandês, porque um oficial irlandês declarou que meus pais moravam em Belfast, na Irlanda.AJB 45.4

    Antes da guerra de 1812, uma das minhas cartas chegou ao meu pai. Ao lê-la, escreveu ao presidente dos Estados Unidos, o Sr. Madison, apresentando-lhe fatos do meu caso. E como evidência de sua própria cidadania, meu pai lhe solicitou que consultasse os arquivos do Departamento de Defesa, onde ele poderia encontrar as patentes militares do meu pai que haviam sido devolvidas e depositadas ali após seu tempo de serviço na Guerra de Independência dos Estados Unidos. A resposta do presidente e os documentos por ele enviados foram suficientes. O general Brooks, o então governador de Massachusetts, que era íntimo de meu pai, por ele ter sido capitão sob o seu comando imediato na guerra de independência, também acrescentou aos antecedentes de meu pai um documento muito importante.AJB 45.5

    Outro conterrâneo e amigo de meu pai, o Capitão C. Delano, preparava-se para uma viagem à Minorca, no Mediterrâneo, e gentilmente se ofereceu para ser o portador dos documentos acima mencionados. Ele estava tão confiante de que nenhuma outra evidência seria necessária que realmente esperava poder me levar com ele em sua viagem de volta.AJB 46.1

    Ao chegar ao Porto Maó, ele ficou feliz em saber que o Rodney 74 estava atracado. Em seu barco, ele se posicionou ao lado do navio, e lhe perguntaram o que ele queria ali. Ele disse que queria ver um jovem chamado José Bates. O tenente, porém, proibiu que o barco ficasse emparelhado ao Rodney 74. Finalmente, um dos suboficiais, amigo meu, lhe informou que eu havia sido transferido para outro navio, o Swiftshore 74, e que esse navio já tinha saído para juntar-se à frota britânica em Toulon. O Capitão Delano apresentou então meus documentos ao cônsul americano, que os transferiu para o comandante supremo da frota, o Sr. Edward Pelew. Quando chegaram as correspondências, recebi uma carta do Capitão Delano informando-me de sua chegada e visita ao Rodney, de seu desapontamento e do que fizera, bem como da angústia que meus pais sentiam. Acho que aquela era a primeira notícia que recebia de casa em três anos.AJB 46.2

    Disseram-me que o capitão havia mandado me chamar no tombadilho superior. Vi que ele estava rodeado de oficiais e sinaleiros, respondendo, mediante a sinalização de bandeiras, ao navio do almirante que estava a pouca distância de nós.AJB 46.3

    – Seu nome é José Bates? – perguntou-me o capitão.AJB 46.4

    – Sim, senhor.AJB 46.5

    – Você é americano?AJB 46.6

    – Sim, senhor.AJB 46.7

    – Você é de que parte da América?AJB 47.1

    – New Bedford, Estado de Massachusetts, senhor.AJB 47.2

    – O almirante exige saber se você está a bordo deste navio. É bem provável que ele mande buscá-lo. Você pode descer.AJB 47.3

    Espalhou-se pelo navio a notícia de que Bates era americano, de que o governo americano havia mandado me libertar, e de que o comandante superior estava fazendo sinais ao nosso navio sobre esse assunto.AJB 47.4

    – Que companheiro sortudo! – todos falavam.AJB 47.5

    Passaram-se semanas e meses e nada acontecia. No entanto, fiquei na expectativa e incerteza de meu caso, até que finalmente recebi mais uma carta do capitão Delano informando que meu caso ainda estava incerto e que a guerra provavelmente havia começado, o obrigando a partir. Disse ainda que se eu não conseguisse uma libertação honrosa, seria melhor eu me tornar um prisioneiro de guerra.AJB 47.6

    O outono de 1812 já havia começado. Quando chegamos ao porto de Maó para o inverno, o cônsul britânico enviou-me o dinheiro de que eu necessitava, dizendo que o capitão Delano rogara que ele me fornecesse dinheiro e roupas por quanto tempo eu precisasse. Devido aos enjoos nos navios, ordenaram dar 24 horas de liberdade, em terra, à tripulação de cada navio. Aproveitei a oportunidade para entrar em contato com os cônsules britânico e americano. O primeiro me arranjou mais algum dinheiro. O último me disse que o almirante não tinha feito nada em relação ao meu caso e que agora era tarde demais para fazer alguma coisa, pois a guerra entre os Estados Unidos e a Grã-Bretanha havia sido declarada.AJB 47.7

    Havia cerca de 200 americanos a bordo dos navios em nossa esquadra, e 22 a bordo do navio Swiftshore. Repetidas vezes tínhamos dito o que deveríamos fazer, mas, para alguns, o resultado parecia muito duvidoso. Por fim, seis de nós nos reunimos, caminhamos até o tombadilho superior com os chapéus nas mãos, e falamos diretamente para o tenente:AJB 47.8

    – Nós entendemos, senhor, que começou a guerra entre a Grã-Bretanha e os Estados Unidos, e não queremos ser achados lutando contra nosso próprio país. Por isso, é nosso desejo nos entregarmos como prisioneiros de guerra.AJB 47.9

    – Para baixo – ele disse.AJB 48.1

    Na hora do jantar todos os americanos foram colocados entre as bombas de água e não tiveram mais permissão para entrarem em contato com ninguém da tripulação. Mandaram reduzir um terço de nosso escasso salário, e nos proibiram bebidas alcoólicas. Achamos que poderíamos suportar essa determinação, e estávamos muito satisfeitos de que havíamos sido os responsáveis dessa eficiente mudança, e de que a próxima muito provavelmente seria nossa libertação da Marinha Britânica.AJB 48.2

    Tal feito se difundiu para além de nosso navio, até que todos os americanos na frota se tornaram prisioneiros de guerra. Durante oito meses sombrios fomos mantidos presos e, frequentemente, os oficiais nos levavam ao tombadilho superior para tentarem nos convencer, com seus discursos fastidiosos, a nos juntar à Marinha Britânica. Eu já havia sofrido por 30 meses uma sujeição forçada. Portanto, estava completamente decido a não dar ouvidos à proposta nenhuma feita por eles.AJB 48.3

    Alguns meses depois de nos tornarmos prisioneiros de guerra, nossos navios vigias apareceram a certa distância do porto e assinalaram que a frota francesa, que estávamos tentando bloquear, estava completa e com grande êxito seguia rumo ao Mediterrâneo. Com essa informação alarmante, foram imediatamente expedidas ordens para que toda esquadra se preparasse para persegui-los logo cedo, pela manhã. Praticamente toda a noite foi gasta preparando-nos para esse esperado ataque. Os prisioneiros foram convidados a ajudar. Eu fui o único que se recusou a ajudar de qualquer forma, pois julgava tal ajuda injustificável, exceto quando forçado a fazê-lo.AJB 48.4

    Pela manhã, toda a esquadra partia do porto em linha de batalha. Os atiradores foram ordenados a dobrar a quantidade de balas e a se preparar para a ação. O primeiro tenente passou pelo lugar onde eu estava parado lendo “A Vida de Nelson”, um dos livros da biblioteca de bordo.AJB 48.5

    – Ei, você, pegue aquela rede e a leve para o convés – ele disse.AJB 48.6

    Desviei o olhar do livro e disse:AJB 48.7

    – Não é minha, senhor.AJB 48.8

    – Pegue-a.AJB 48.9

    – Não é minha, senhor.AJB 48.10

    Ele me chamou de salafrário, arrancou o livro da minha mão, o jogou com toda força para fora da portinhola e em seguida me derrubou com um soco. Assim que me levantei, ele disse:AJB 49.1

    – Pegue aquela rede [que era a cama e coberta de alguém] e a leve para o convés.AJB 49.2

    Eu não farei isso, senhor! Eu sou um prisioneiro de guerra e espero que me trate como tal.AJB 49.3

    – Sim, seu patife. Ianque miserável. Tratarei mesmo! Aqui – falando agora para dois suboficiais –, peguem essa rede e amarrem nas costas do nosso camarada. Levem-no para a popa e o façam caminhar lá por 24 horas.AJB 49.4

    Coloquei minhas mãos entre mim e eles para impedi-los, e pedi que me deixassem em paz. Isso apenas fez com que o tenente ficasse ainda mais irado e gritasse:AJB 49.5

    – Mestre-de-armas! Pegue esse homem, leve-o à sala de armas e prenda as pernas dele nas correntes!AJB 49.6

    – Isso você pode fazer, senhor – falei. – Mas não irei trabalhar.AJB 49.7

    – Quando estivermos em batalha eu o colocarei no cordame principal do navio para que você sirva de alvo da linha de fogo francesa!AJB 49.8

    – Isso você também pode fazer, senhor. Mas espero que o senhor se lembre de que sou um prisioneiro de guerra – respondi.AJB 49.9

    Outra torrente de xingamentos e palavrões se seguiu após a minha resposta, e o tenente questionou por que o mestre-de-armas não se apressava em me acorrentar. Mas o coitado do velho estava tão consternado e amargurado que não conseguiu encontrar as correntes.AJB 49.10

    Com a demora, o tenente mudou de ideia e ordenou que o velho subisse e me trancasse na sala de armas.AJB 49.11

    – Não permita que ele se aproxime de ninguém, e nem fale com nenhum dos seus compatriotas – disse o tenente para o mestre-de-armas.AJB 49.12

    Com isso, o tenente subiu correndo até o convés superior de armas, onde deu ordens para os prisioneiros jogarem todas as redes e mochilas no porão do navio, quebrarem todas as cabines e divisões dos beliches, quebraremAJB 49.13

    e lançarem no mar todos os currais de vacas e apriscos de ovelhas e desobstruírem o convés da proa até a popa para a batalha.AJB 50.1

    Cada navio da nossa esquadra estava agora a postos para a batalha, atravessando velozmente o Mediterrâneo rumo à costa turca, vigiando e prontos para atacar o inimigo mortal.AJB 50.2

    Quando todos os preparativos para a batalha haviam sido feitos, um dos meus compatriotas, na ausência do mestre-de armas, se aventurou a falar comigo por entre as grades de ferro da sala de armas. Ele foi me alertar da posição perigosa em que seria colocado quando a frota francesa aparecesse, a menos, é claro, que eu me submetesse e dissesse que estava pronto para assumir meu antigo cargo (de segundo capitão de uma das grandes armas no castelo de proa) e lutasse contra os franceses, assim como ele e todos os meus conterrâneos estavam prestes a fazer. Esforcei-me para lhe explicar o quanto seria injustificável e incoerente aquela conduta como prisioneiros de guerra. Assegurei-lhe que tinha certeza absoluta de que queria permanecer como prisioneiro de guerra americano, a despeito da localização perigosa em que eu fosse colocado.AJB 50.3

    No decorrer de algumas horas, depois que o tenente terminara os ajustes para a batalha, ele desceu até minha cela.AJB 50.4

    – Bom, será que agora você pegará a rede quando for ordenado a fazê-lo?AJB 50.5

    Respondi que pegaria para qualquer cavalheiro no navio.AJB 50.6

    – Ah, pegaria mesmo?AJB 50.7

    – Sim, senhor.AJB 50.8

    Sem me perguntar quem eu considerava um cavalheiro, ordenou que me soltassem. Meus compatriotas conterrâneos ficaram um tanto surpresos ao verem que não demorou muito para eu voltar a ser um prisioneiro com livre circulação.AJB 50.9

    Depois do capitão, o primeiro tenente é o próximo no comando. É ele quem preside todos os deveres do navio durante o dia. Ele nunca trabalha como vigia, ao contrário de todos os outros oficiais. Como ainda não tínhamos avistado a frota francesa, o primeiro tenente estava ciente de que meu caso teria de ser apresentado ao capitão. No meu caso, como prisioneiro de guerra dos Estados Unidos, se me fosse permitido responder por mim mesmo, o capitão tomaria conhecimento da conduta ilegal, abusiva e grosseira do primeiro tenente. Por isso ele estava tão disposto a me soltar!AJB 50.10

    A esquadra britânica continuou o curso através do Mediterrâneo rumo à costa turca, até o ponto em que ficaram convencidos de que a frota francesa não estava a oeste deles. Rumamos ao norte e depois ao leste para encontrá-los, até que chegamos a certa distância do Porto de Toulon, onde vimos todos eles confortavelmente ancorados e desarmados em seus antigos quartéis de inverno. Toda a tripulação e os oficiais franceses estavam, sem dúvida, muito felizes de que o artifício que haviam utilizado fora tão bem-sucedido. Em outras palavras, fazer com que a esquadra britânica deixasse seus quartéis de inverno aconchegantes para caçá-los no Mediterrâneo. Os franceses haviam se armado, partido do porto deles, caçado os nossos poucos navios-vigias a uma distância no Mediterrâneo, e então, despercebidos pelos britânicos, retornaram e desarmaram outra vez.AJB 51.1

    Depois de nos manterem prisioneiros de guerra por cerca de oito meses, nós, e outros que continuaram a recusar todas as solicitações para se unir ao serviço britânico, fomos enviados a Gibraltar, e de lá para a Inglaterra, sendo, finalmente, encarcerados a bordo de um velho e íngreme casco de navio, chamado Crown Princen, que fora no passado um navio dinamarquês de 74 canhões, a alguns quilômetros abaixo do estaleiro Chatham e a 112 quilômetros de Londres. Ali estavam atracados outros navios parecidos com aquele, muitos dos quais abrigavam prisioneiros.AJB 51.2

    No Crown Princen, cerca de 700 prisioneiros ficavam amontoados entre dois conveses, trancafiados durante a noite, recebendo uma miséria de comida, em alojamentos lotados. Privados de qualquer tipo de comunicação externa, com exceção de algumas notícias desencontradas, arquitetamos um plano para conseguirmos um jornal, que com frequência aliviava momentaneamente nossa ansiedade naqueles momentos desesperadores, mas logo ficávamos inquietos e sedentos por mais notícias. Eis o plano: um dia por semana podíamos comer peixe do mar. Em vez disso, vendíamos o peixe para o fornecedor, e com o dinheiro pagávamos um de nossos inimigos para contrabandear um dos jornais semanais de Londres. Por se tratar de uma prática comum, selecionávamos bons leitores para que subissem em um lugar elevado e lessem em voz alta para todos nós. Era interessante e divertido notar a completa afobação dos homens para ouvirem cada palavra das notícias americanas. Vários prisioneiros gritavam enquanto se liam as notícias:AJB 51.3

    – Leia isso de novo, não conseguimos ouvir direito – e o mesmo acontecia de alojamento em alojamento.AJB 52.1

    Boas notícias de casa nos animavam mais do que nossa refeição escassa. Se fosse necessário mais dinheiro para conseguirmos o jornal, não tenho dúvida de que ofereceríamos voluntariamente mais uma porção da nossa refeição diária, em vez de desistirmos do jornal.AJB 52.2

    O pão diário a que tínhamos direito, servido a cada manhã, era marrom e feito de farinha grossa. No início do inverno severo e impiedoso, recebemos um carregamento de biscoito para o caso de o clima ou o gelo não permitirem que o pão chegasse fresquinho diariamente.AJB 52.3

    Na primavera, o primeiro tenente, ou o comandante, ordenou que o biscoito fosse servido aos prisioneiros e que um quarto do pão diário fosse racionado, pois 255 gramas de biscoito equivaliam a 340 gramas de pão macio. Recusamo-nos terminantemente a receber o biscoito, ou o pão velho e duro, a menos que nos dessem a mesma quantidade de gramas do pão macio. No fim do dia, o primeiro tenente quis saber se aceitaríamos receber o pão nos termos dele. Nossa resposta foi não. Ele disse então:AJB 52.4

    – Vou mantê-los no porão até que concordem!AJB 52.5

    As escotilhas foram abertas na manhã seguinte.AJB 52.6

    – Vocês subirão para comer o pão?AJB 52.7

    – Não!AJB 52.8

    Ao meio dia, perguntaram:AJB 52.9

    – Vocês vão comer a carne preparada para vocês?AJB 52.10

    – Não!AJB 52.11

    – Vão vir buscar a água de vocês?AJB 52.12

    – Não, não queremos nada que venha de vocês até que nos sirvam toda a porção de pão a que temos direito.AJB 52.13

    A fim de nos forçar a concordar, as portinholas foram fechadas, nos privando assim de luz solar e ar fresco. O nosso presidente fora chamado e consultado (tínhamos um presidente e um comitê de doze homens escolhidos, já que achávamos necessário manter certa ordem). Ele disse ao comandante que os prisioneiros não cederiam.AJB 53.1

    Àquela altura, a fome e a sede, e principalmente a falta de ar, provocaram em nós um estado febril. Alguns prisioneiros estavam com a aparência quase selvagem, e outros tentavam suportar o máximo que podiam. O presidente foi chamado novamente. Depois de um tempo, foi aberta a portinhola onde ele costumava fazer as refeições. Dois oficiais desceram da escotilha até o convés inferior e foram até a mesa dele, exigindo a sua mala.AJB 53.2

    – O que querem com a mala? – Perguntaram os amigos do presidente.AJB 53.3

    – O comandante nos mandou pegá-la.AJB 53.4

    – Para quê?AJB 53.5

    – O comandante irá enviá-lo para o próximo navio de prisioneiros.AJB 53.6

    – Larguem isso! Vocês não irão levar nada!AJB 53.7

    Naquele momento os oficiais temeram pela vida e tentaram fugir, subindo a escada até a escotilha. Vários prisioneiros, que pareciam inflamados de desespero, os detiveram e declararam, arriscando a própria vida, que os oficiais não dariam mais um passo sequer até que o presidente tivesse a permissão de descer. Outras portinholas foram abertas e o comandante apareceu por uma delas, exigindo a libertação dos oficiais. Nossa resposta foi:AJB 53.8

    – Quando você libertar o nosso presidente, libertaremos seus oficiais.AJB 53.9

    – Se vocês não libertarem os oficiais, eu abrirei essas portinholas [todas elas gradeadas com pesadas barras de ferro] e atirarei em todos vocês – disse o comandante.AJB 53.10

    – Pode atirar! – foi o grito dos prisioneiros. – Podemos muito bem morrer assim ou pela fome. Mas lembre-se, se você matar um único prisioneiro, teremos dois dos seus aqui como nossos prisioneiros tanto tempo quanto resistirem.AJB 53.11

    Naquele instante os guardas começaram a implorar, por misericórdia, que o comandante não atirasse, e disseram:AJB 54.1

    – Se você fizer isso, eles nos matarão! Eles nos cercaram aqui e estão com as facas apontadas para nós, garantindo que, se dermos um passo, eles nos tirarão a vida!AJB 54.2

    Permitiram que o presidente fosse até a portinhola, e ele implorou que nenhum sangue fosse derramado por sua causa; afinal, ele não desejava permanecer a bordo do navio por mais tempo. Suplicou-nos que, para o bem dele, soltássemos os oficiais. Então, eles foram soltos.AJB 54.3

    O que nos separava dos oficiais, marinheiros e soldados era uma divisória feita de uma prancha dupla fixada em cada extremidade de nossas celas, com buracos para colocar mosquetes e atirar em nós, se necessário fosse. E mais uma vez nos perguntaram se aceitaríamos a cota de pão proposta. A resposta foi não. Alguns presos ameaçaram, dizendo que teriam notícias nossas antes do amanhecer. Por volta das 10 horas da noite, quando tudo estava quieto, menos o guarda e o vigia no convés, conseguimos criar uma tocha colocando fogo na gordura para sabão dentro de panelas de latão. Com o auxílio dessa luz, derrubamos um pesado balaústre de carvalho, o que nos serviu de aríete.AJB 54.4

    Então, pegamos as nossas grandes latas de água vazias para usar como tambores, bem como os baldes de lata, chaleiras, panelas, potes; e usamos colheres como baquetas, e tudo mais que desse para fazer um barulho assustador. Em seguida, começamos a avançar com as tochas acesas e o aríete, e o erguemos até a divisória posterior que nos separava do comandante, de seus oficiais, dos soldados e suas famílias. Por alguns momentos, forçamos o aríete e fomos tão bem-sucedidos que os que estavam dormindo foram tomados de medo e fugiram, gritando por socorro, afirmando que os prisioneiros estavam rompendo caminho até eles. Sem darmos chance para que eles se reagrupassem e atirassem em nós, corremos para forçar a divisória dianteira, onde morava uma parte da tripulação do navio, juntamente com suas famílias. Ao forçarmos o aríete naquele lugar, também fomos bem-sucedidos, de modo que agora todos os nossos inimigos estavam bem despertos e alertas, como os famintos prisioneiros, planejando o melhor meio para se defenderem. Naquele momento, todas as nossas tochas se apagaram, nos deixando em total escuridão bem no meio da operação, que até então tinha sido um sucesso. Ficamos todos amontoados para dormir – se é que nossos inimigos nos permitiriam – até que o dia raiasse e pudéssemos usar o restante de nossas forças para obtermos, se possível, uma porção completa de pão e água.AJB 54.5

    O agradável ar fresco e os primeiros raios da manhã apareceram de repente quando o comandante ordenou que fossem abertas nossas portinholas, destrancadas as escotilhas, e que os prisioneiros fossem chamados para subir e pegar o pão da manhã. Em pouco tempo ficou claro que os nossos inimigos haviam aceitado e se rendido aos nossos termos, e estavam dispostos a fazer as pazes, nos servindo, assim, a provisão completa de pão.AJB 55.1

    Enquanto um de cada grupo de dez homens pegava lá em cima sua porção de pão para três dias, outros estavam lá junto ao tanque enchendo suas latas e canecos com água. Em pouco tempo, uma grande e admirável mudança havia acontecido em nosso meio. Após termos entrado em amistoso acordo de paz com todos os nossos vigias, lá estávamos nós em grupos de dez, todos com sua porção de pão para três dias e canecas cheia de água, bebendo e comendo, rindo e gritando sem moderação por causa do nosso grande banquete e do inimigo derrotado. A surpresa foi não termos morrido de tanto comer e beber.AJB 55.2

    Ao ficar sabendo de como as coisas estavam em nosso meio, o comissário enviou ordens lá da costa ao comandante para que o pão devido fosse servido imediatamente.AJB 55.3

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